sexta-feira, 28 de março de 2014

Os gestores de qualquer coisa (2)






Em poucos dias enriquecem sem labutar
E os gestores andam sempre a chorar
Gestores do tudo para Angola a exportar
Com palmadinhas nas costas a nos abraçar
E já nos estão a governar
Vêm com a miséria de embalar
Gestores formados na escola do burlar
Que nada mais têm para nos ensinar
Estão em todos os cantos a negociar
Mas que grande confusão que isto vai dar
Gestores na invasão silenciosa a se espalhar
Está tudo nas mãos deles a se colar
E a nós atiram-nos para os zangos, zangar
Na nossa terra já não temos lugar
Há que unir forças para lutar
E as terras perdidas reconquistar
Não podemos perder tempo a orar
Porque o inimigo está a avançar
Subir nos mastros da governação é libertar
E apenas o que nos resta é o acampar
As crianças estão sempre a chorar
Porque não temos nada para lhes dar
As mamãs estão sempre a apanhar
Não podem vender, é só lhes surrar
Não nos deixemos mais escravizar

E na miséria tudo está conforme
Sob o insustentável peso da fome
E finalmente felizes no oásis da alegria
Rendidos aos encantos da hipocrisia

Esta terra está perdida
De petróleo consumida
A que lhe chamam vida
Nas teias da corrupção urdida
Onde toda a gente é despedida
Aos estrangeiros dá-lhes guarida

E onde nesta santa hipocrisia
Se espalha, se canta a sabedoria
A imprensa está demente, doentia
É o Governo que promove a rebeldia












terça-feira, 25 de março de 2014

O Paraíso Perdido a Ocidente (05)






Enquanto a minha mãe conversava com a minha tia, ansiava por me encontrar com a minha prima Belita. Subi as escadas e encontrei-a a estudar. A primeira coisa que me ocorreu foi pegar nos seus livros e fugir. A perseguição dela, os gritos e depois o choro nervoso alertaram os meus tios. Devolvi-lhe os livros com um estranho sentimento de prazer por a ver sofrer.
Não demorámos muito tempo, despedimo-nos enquanto o meu pai anunciava que iríamos brevemente para Lisboa. Terminou com a sua habitual frase:
- Nunca mais chove!
Durante mais uns tempos permanecemos no Crucifixo, sempre com a fome na nossa companhia. Até que o meu pai finalmente chegou e fomos para Lisboa.

CAPÍTULO II
LISBOA

Ficámos alojados numa barraca de madeira. Para entrarmos tínhamos que subir uma escada - também de madeira - com alguns degraus a ameaçarem ruir. Não demorou muito tempo que nas escadas caísse devido ao desabamento de um degrau O pulso direito ficou com uma entorse que a minha mãe curou com água quase a ferver e sal durante muitos dias. Banhava-me o pulso, depois colocava uma moeda no osso e uma ligadura para obrigá-lo a voltar ao seu lugar.
Junto à nossa barraca havia outra também de madeira que servia de mercearia. Os clientes tinham direito a crédito, e passavam os tempos livres a beberem. Via-se claramente que o local fazia parte de uma montanha, porque para lá chegar tínhamos que subir por uma rua muito íngreme.
Quase a um quilómetro de distância, lá em baixo no início da montanha, ficava a rua principal onde existiam algumas casas de tijolo. Havia também uma mercearia com paredes de tijolo que tinha televisão. A cem metros à esquerda uma barbearia que tinha muitas revistas onde passava a maior do tempo a lê-las. Como eram quase todas de caubóis li-as rapidamente. Para ler mais, consegui fazer amizade com o filho do barbeiro e esgotei a leitura… não havia mais nada para ler. Não era necessário chover muito para que as ruas ficassem enlameadas, o que nos dificultava o caminhar.
O meu pai conseguiu emprego na Tap-Transportes Aéreos Portugueses, como empregado de limpeza nos aviões. Começou então a trazer várias coisas que eram utilizadas a bordo, especialmente comida e bolos. A fome finalmente despediu-se de nós.
Na televisão passava o filme, Danger Man, com o actor Patrick McGoohan. Para conseguir entrar na mercearia tinha que ser muito sorrateiro, porque o proprietário não queria que ocupássemos espaço em vão. Das poucas vezes que conseguia ver um bocado desse filme de espionagem, quando regressava a casa, e como não havia luz, amedrontava-me imenso com as sombras que pensava serem espiões que me queriam matar.
As nossas condições de habitação melhoraram porque o meu pai conseguiu que fossemos morar para as vivendas que estavam bem próximas. Eram de tijolo e as condições de higiene muito melhores. Mas não seria por muito tempo, porque o proprietário ia proceder à sua demolição para construir prédios. Entretanto, o meu pai comprou um rádio portátil, o nosso primeiro rádio. Foi uma festa. Até se construiu uma prateleira de propósito só para ele, e a minha mãe fez-lhe uma cobertura de tecido para o proteger. Era tratado como se fosse um tesouro do outro mundo.
Acabei por saber que a localidade onde vivíamos tinha o nome de Prior Velho. Era um local onde ainda existiam muitas oliveiras. Devido ao êxodo rural, muita gente como nós vinha para os arredores de Lisboa, e as oliveiras a pouco e pouco desapareciam, dando lugar a construções por todo o lado. Mudámos outra vez de casa e fomos para um grupo de três vivendas situadas num cume próximo à mercearia de tijolo.
O proprietário era o mesmo de todas as residências próximas, e já construía mais um prédio junto delas, mas estas também seriam demolidas para construir mais um prédio. O homem apesar de já estar rico era muito austero. Não bebia, não fumava, comia pouco, andava com roupas pobres, não tinha mulher, apenas uma criada, porque conforme confessava não queria gastar dinheiro com mulheres e residia nos prédios inacabados para poupar.
Um dia chamou-me e começou a aliciar-me para transportar tijolos para o segundo andar. Em troca receberia algumas moedas, o que para mim parecia ser uma pequena fortuna. Na minha ignorância pensei que pouco demoraria a carregar os tijolos e receber o meu dinheiro. Mas por mais esforços que fizesse a carregá-los, parece que nunca mais acabavam. Vi a aldrabice que me tinha sido feita. A minha mãe quando soube, foi muito aborrecida ter com ele e disse-lhe se não tinha vergonha de andar a explorar crianças. E que era por isso que estava rico, e porque andava sempre a enganar as pessoas. Como resposta ele apenas se limitou a rir com aquele riso dos seres humanos que nos considera a todos idiotas.
Como só apareciam livros de caubóis, continuava a lê-los. Quando conseguia alguns do Brick Bradford com o seu pião do tempo, deslumbrava-me. Comecei a gostar muito de ficção científica. Entretanto, com os meus amigos fazíamos grandes batalhas de caubóis e índios.
Consegui improvisar um arco de aço muito potente. As flechas eram varetas de guarda-chuvas também de aço. Tornei-me exímio no seu manuseamento, até ao dia que decidi apontar a uma galinha de uma distância considerável. Lancei a flecha e acertei em cheio no pobre animal. Entrei em pânico e corri atrás dela para retirar a flecha, para que ninguém soubesse do sucedido, mas ela parecendo querer incriminar-me fugiu na direcção da minha mãe. Acabou-se o arco e flechas para sempre, mas não, porque escondi-os no meu esconderijo pessoal.
Nas proximidades construíam uma auto-estrada, o tal progresso da civilização moderna. Alguns amigos disseram-me que tinham feito uma grande descoberta. Pediram-me para que os acompanhasse. Partimos, chegados ao local havia uma abertura na terra. Um deles tinha uma lata com azeite e um bocado de pano ao qual pegou fogo. Com essa luz improvisada avançámos. Eram grutas escavadas na terra, com algumas ramificações e quanto mais avançávamos mais grutas surgiam. Alguém teve a ideia de marcar os locais para não nos perdermos. Num ponto do trajecto com receio de estarmos perdidos decidimos regressar.

Vendedor de banha da cobra, Lisboa, 1957. Fotografia: Eduardo Gageiro, in Lisboa no Cais da Memória.

sábado, 22 de março de 2014

República dos Escravos de Angola





Ninguém está acima da lei. Exceptuando a lei do petróleo, claro.

República das torturas, das milícias e das demolições
Diário da cidade dos leilões de escravos
08 de Fevereiro
Roubaram-nos a energia eléctrica das 12.12 até às 12.40 horas. Pouco depois das 12.50 até às 21.26 horas.
Enquanto os lobos continuarem no poder o incêndio alastrará e tudo arderá, e nada restará, apenas o deixa arder.
09 de Fevereiro
Esses bebés que andam aos tombos nas costas das mães zungueiras, como botes salva-vidas de navio prestes a afundar-se da fuga sem rumo, bebendo o pó das ruas dos prédios, condomínios, torres e cidades fantasmas, na esperança desses bebés e mães se salvarem da morte decretada pelas autoridades “coloniais” municipais, esses bebés são os futuros ministros, deputados e similares, são mesmo esses que escapam da morte todos os dias, são os génios que nos governarão, pois filhos de novos-ricos são idiotas como os seus pais.
10 de Fevereiro
“Qual a diferença entre o Bié e Luanda? É simples: no Bié há água corrente e Energia Eléctrica 24/ 24 horas. Os painéis solares funcionam até aqui de forma impecável o que faculta um fornecimento aceitável as populações. Em Luanda é o inverso. Félix Miranda.” Jornalista do FOLHA 8.
11 de Fevereiro
Os chineses ao montarem o sistema pré-pago da energia eléctrica dobraram os condutores eléctricos com alicate, e isolaram-nos com fita isoladora num trabalho da pior vigarice e irresponsabilidade. Sucede que a fita isoladora está a soltar-se e os condutores estão nus, sem isolamento. Vêm aí brutos curto-circuitos, explosões e incêndios.
A principal maravilha do mundo é observar a beleza exterior de uma mulher, tal como se admira a beleza de um jasmim. Mas creio que a beleza interior da pureza do seu coração é a conquista suprema do amor. Ai de quem fizer do amor a hipocrisia da sua vida de todos os dias, porque não é possível uma sociedade hipócrita sobreviver.
A roçar os quarenta anos de poder absoluto sempre a ouvir a terrível frase de quem não faz nada. “Muito ainda há por fazer!”
Depois de muitos anos em Portugal, dois irmãos mwangolés da mana São regressaram, pior, fugiram. Estão muito magros, eles disseram que lá em Portugal está-se muito, muito mal. E a mana São já está a dizer que lhes vai arranjar empregos.
12 de Fevereiro
É uma empresa portuguesa com certeza, que contratou uma empregada portuguesa para – imaginem – depositar e levantar dinheiro do banco. Obrigam os funcionários mwangolés a trabalharem depois do horário normal de trabalho, incluindo na hora do almoço e não lhes pagam, e quando eles se atrasam descontam-lhes. VIVA ANGOLA! VIVA A REVOLUÇÃO!
13 de Fevereiro
A pessoa mais feliz do mundo é a que tem uma amizade sincera, assim como a ondulação abraça eternamente a areia da praia oferecendo-lhe segurança.
Sofremos mais um apagão das 16.41 até às 17.02 horas.
14 de Fevereiro
Greve geral de professores na Lunda-Norte. In Rádio Ecclesia.
Está por demais evidente que num mundo hipócrita, os elementos da Natureza em fúria destroem os hipócritas… e os inocentes.
15 de Fevereiro
Outro bruto apagão das 09.11 às 16.41 horas.
16 de Fevereiro
O MPLA está um conjunto de esqueletos que mesmo no além-túmulo não abandonam o Governo do cemitério de Angola.
Todos os momentos das nossas vidas são o esplendor de uma história de amor.
17 de Fevereiro
Creio que a coisa mais difícil que existe na vida, é a de uma pessoa honesta sobreviver num mundo de vigaristas.
18 de Fevereiro
Mas, qual é o interesse de conduzir Angola para a Idade Média?
19 de Fevereiro
Isto é muito mau, mais que péssimo para a actividade (?) dos portugueses em Angola. Continuo estupefacto pela invasão continuada que pelos vistos é um autêntico êxodo para Angola. Já não existem empregos, então o que é que eles vêm para aqui fazer? Desestabilizar? Criar máfias? Tumultos? Assaltos? Fabricar mais miséria que já é mais que assustadora? Originar uma espécie de guerra civil? E porque é que os partidos da oposição não se pronunciam? Não parece, mas a situação é muito preocupante, porque daqui a pouco vamos todos para os guetos, e então um conflito interminável surgirá, aliás já existe em pequena escala.
20 de Fevereiro
De uma jovem com vinte anos: «Nós devemos aprender pelos próprios erros.» Lembrei-me que já ouvi isto algures, e insisti: «Então e a experiência dos mais velhos não conta?» «Não! Só mesmo aprendendo pelos próprios erros é que aprendemos!» Abanei a cabeça e pensei: mas que triste miséria é o futuro desta juventude.
21 de Fevereiro
Quem está num terreno movediço, quanto mais se mover mais se enterra.
Aos políticos que morreram e que tinham o dom de arrastarem as populações – pese ou não a sua atrocidade, pois quando num confronto de guerra civil, em que todos matam e onde ninguém se pode intitular de o verdadeiro defensor do povo, pois as guerras civis são terríveis, como qualquer guerra entre humanos – de nada adianta silenciá-los por todos os meios possíveis como proscritos, pois as populações acabarão por reverenciá-los, primeiro como mártires e depois como deuses, o deus salvador da pátria. Entretanto, não é admissível que um partido governe com exércitos ao seu dispor, pois isso não é – nunca será – um partido político, mas sim, um exército com uma sigla de partido político.
22 de Fevereiro
Uma vizinha disse-me que em plena luz do dia, a meio da tarde, um grupo reduzido de miudinhas chegou e obrigaram os seguranças a terem relações sexuais com elas: «Vocês seguranças hoje têm que foder com a gente. Nós vamos vigiá-los!» As mais velhas não queriam acreditar e espantadas olhavam para as miudinhas que logo lhes ameaçaram: «Não se metam, fiquem quietas, nós estamos a fazer o nosso trabalho, só queremos o nosso dinheiro!» Entretanto, os seguranças esconderam-se e as crianças vendo que o seu plano de ataque não surtiu efeito, bazaram.
Creio que o cume da hipocrisia que continua em voga – já há muitos anos como uma praga, e creio que isso indica o porquê de Angola navegar num barco sempre a remos e como se não bastasse a meter água – quando nós falamos com alguém, pessoalmente, pelo telemóvel, pelo correio electrónico, pelo Facebook, e nos garantem muito convincentes: «Já ligo para ti.» «Já falo contigo.» Depois falo contigo.» «Amanhã sem falta vou-me encontrar contigo.» É a mesma coisa que dizer: Vai à merda! É só isto que sabem dizer, porque a cabeça não lhes dá para mais, já nasceram assim. Está claro que se licenciaram na célebre universidade da hipocrisia! Não é possível viver com gente assim. Como sempre há as raríssimas excepções daqueles que tenho orgulho em dizer que são meus amigos.
Os autocratas cortaram-nos outra vez a energia eléctrica das 17.28 até às 18.09 horas.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Os gestores de qualquer coisa (01)




Para quando a videovigilância
mais a sua instalação
para combater a ganância
e para vigiar a corrupção?

Os gestores continuam a chegar
Em Portugal andam a mendigar
Em Angola rápido a engordar
Em Portugal de mãos a abanar
E em Angola sempre a esbanjar
No paraíso prometido, praia, mar
No luxo do Mussulo à beira-mar
Entre gente pacífica para dominar
Tristeza, fome, até nunca mais acabar
Pois, os gestores não sabem trabalhar
Sabem sim, e muito bem sonegar
Que mais têm para nos ensinar?
O lucro fácil de nos roubar
E os nossos empregos a acabar
De modos que isto está a piorar
Os barris de pólvora vão rebentar
E para o mar vão todos nadar
Quantos conseguirão escapar?
Os gestores vêm para nos torturar
O Passos Coelho também vai embarcar
Para Angola sem forças para navegar
Abandonaram o alto-mar agora é só voar
À sorte do destino para qualquer lugar

E dos chineses nada há a esperar
Porque se aproxima o invernar
Só estão aqui para nos atrasar
Mais comunismo nos querem obrigar
Mas não aceitamos, vamos guerrear
Ao nosso petróleo havemos de voltar
A nossa terra dos parasitas vamos libertar

Não sabem que Angola já é do chinês?
E não sabem que também é do português?
O que é que o angolano lhes fez?
Porque não se acaba com isto de vez?
E no país do sol do paraíso sem igual
Consuma-se o regresso de Portugal

É só vigaristas!
Como nos conseguiremos entender
Se o nosso futuro não estamos a ver
Ó Diabo! Como é que iremos crescer?
Se só dos vigaristas estamos a depender
É só vigaristas neste país a crescer
É só vigaristas neles a apodrecer