E o reino Jingola viu-se cercado também pelos emboabas que protegidos pelos Lordes, decidiram-se pela invasão, melhor dito, pela espoliação dos empregos dos Tchavolas. O reino Jingola funciona mais ou menos como a China, o reino Tsin, que tem um governo e duas políticas. Jingola também assim é, tem duas políticas, várias polícias e dois povos. Tem um governo de e só para os Lordes e o resto, tudo o que seja miséria, é propriedade dos Tchavolas. Os emboabas instalaram-se em força com as suas bagagens, extravasando as suas margens. O reino Emboaba apenas existia de nome, o melhor seria chamar-lhe de reino dos desempregados. E de fúria incontida, cerca de cento e trinta mil emboabas optaram como estratégia de sobrevivência dizimar os empregos dos Tchavolas, assaltando de bandeja todos os lugares disponíveis. De tal modo que no único jornal diário dos Lordes, como já referenciado, Jornal do Povo Jingola, estampavam-se uma epidemia de anúncios a decretarem o abandono do trabalho, isto é, os emboabas provocavam o despedimento dos tchavolas, e cinicamente, colonialmente em surdina sussurravam por detrás da orelha, que os tchavolas não gostavam de trabalhar. E até na Rádio da Confiança Tchavola, quando em fóruns o locutor lhes perguntava qual a sua profissão, muitos tchavolas respondiam, desempregados, pois claro.
E na Rádio da Confiança Tchavola, um ouvinte desempregado narrou a sua leninista odisseia. Começou por afirmar que o seu braço armado da sobrevivência, o seu filho, técnico de informática, sofreu em três empresas as agruras do regresso da escravatura dos emboabas. Na primeira empresa, os chefes emboabas, daqueles analfabetos que chegam e são logo promovidos a chefes dos transportes, da limpeza, e outras coisas conjunturais, trataram-no com tanto desprezo e salada racista, quer dizer, fizeram-lhe a vida horrivelmente mais negra para que ele se visse obrigado a abandonar o trabalho. Assim o fez, e logo de seguida os emboabas chamaram um amigo que já estava na fila de espera.
Na segunda empresa dos emboabas, parece mentira mas é a verdade, pasme-se, assim o ouvinte elucidava o auditório, um engenheiro de informática emboaba não sabia o que era uma pendrive. E quando chegada a época natalícia, os emboabas canibalizaram-lhe o cabaz de Natal, deixando-lhe apenas méia dúzia de garrafas de vodka. O ambiente de trabalho era a fotocópia da empresa anterior, o desprezo e os insultos onde não existe dignidade humana. Claro que teve de fugir, isto é, foi parar nos anúncios dos abandonados do trabalho, e outro emboaba regressou do seu reino, espoliou-lhe o emprego e poucos meses depois mandou vir a família. Coisa tão vulgar como beber vinho tinto.
Na terceira empresa, o chefe máximo, outro emboaba, não falava, gritava-lhe como um possesso, um genuíno psicopata, mesmo assim o desgraçado do escravo ainda conseguiu aguentar duas semanas, mais um abandono de trabalho para o jornal dos anúncios.
E os tchavolas viram com espanto o inimaginável: um emboaba com um balde, uma vassoura e detergentes no seu serviço de limpeza. Os tchavolas passavam, olhavam-no e abanavam as cabeças, querendo significar que até os serviços de limpeza nos roubaram.
E também um ouvinte, técnico de contas, denunciou que também foi contemplado com a substituição em duas empresas por emboabas. E não há a quem recorrer porque os Lordes protectores têm as chaves das algemas da injustiça nas suas mãos. Pode-se jurar a pés juntos que Jingola está definitiva e irremediavelmente sujeita às leis da escravatura e do colonialismo, no embrião de uma revolta ferocíssima. Mas os Lordes quando alguém lhes fala nisso limitam-se a sorrir com o seu cinismo habitual de que em Jingola tal coisa não é possível. Na arena internacional sim, em Jingola jamais, porque os tchavolas há muito que estão domados, resignados.
Um agradável som desviou-me a atenção. Amigo leitor, a Lady Marli é uma exímia executante de alaúde, esse maravilhoso instrumento musical de origem árabe. Ela tem uma voz angelical, divinal, que posso assegurar nos transborda, nos enfeitiça o mais íntimo da nossa alma, e até o Universo se lhe rende perante o seu canto sonoro que vibra com as suas cordas vocais. E ela como eleita princesa universal da música alaudada toca e verseja:
Na procura do amor perdido
ando
nascer, e sem amor morrer
não é viver
Oh! como são duros
os espinhos do amor
lançados dos seus muros
E piscando um olho cúmplice para o seu Cavaleiro Mwangolé:
Para onde vai a pomba
o pombo também vai
a sua amada
persegue, ai!
Voar nos descaminhos
do amor é solidão
vida de donzela
é escravidão
E Marli descortina-se, despe o manto do secretismo do amor, o anseio dos que lutam pela sua perenidade e nele rejuvenescem, nele encontram a felicidade. Amar é saber olhar, é pintar no universo do amor o quadro da sociedade secreta do amor e revelá-lo:
- Olhamos em todas as direcções que nos é possível imaginar, na esperança distorcida do amor lá encontrar.
E Marli, presa nos caprichos dos paradigmas enigmáticos das descargas eléctricas que energizam as forças neuronais, que renascem as pirâmides do amor:
- Nos escolhos das falésias das nossas vidas, as pirâmides da água do mar batem-nos fortes, gostam do estrépito. É assim o poder do amor quando foge por entre as nossas mãos dolentes, já não impacientes.
continua
Imagem: paisagem habitual no reino Jingola depois de mais um ataque das forças dos Lordes.
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