O Poeta persegue a Liberdade. Faz apenas o trabalho que lhe compete. Entrega-lhe um papel poemático. Ela lê-o em voz alta:
Querido vem para mim/ não tentes conhecer os nossos segredos/ femininos/ nunca conseguirás/ mantém-te passivo/ segue-me, segue-me/ e vem para mim/ nunca me perguntes nada/ nós no feminino/ não gostamos nada/ que nos façam perguntas/ deixem-nos ser livres/ e gostamos por tudo e por nada/ de rir/ por isso meu amor/ segue-me, segue-me/ vem comigo algures/ vamos encontrar um tesouro perdido/ todos chamam por mim e dizem-me/ segue-me, segue-me/ todos me chamam/ e repetem-me sempre/ mas que tesouro/ porque não me segues, porque não me segues?/ Venham todos comigo/ e segui-los-ei
Venham comigo para lhes mostrar/ os meus tesouros escondidos/ por favor sigam-me, sigam-me.
O meu ventre será a vossa fonte/ onde sempre bebereis/ e sereis saciados/ não tenham receio/ da minha fonte/ de amor.
O Presidente não se cansa, afirma:
- A República Popular de Angola propõe-se dinamizar e apoiar a instauração do Poder Popular à escala nacional. A República Popular de Angola considera como um dever patriótico inalienável e de honra a assistência privilegiada e a protecção especial aos órfãos de guerra, aos diminuídos e mutilados de guerra pelos sacrifícios consentidos na luta de libertação nacional. Envidará ainda todos os esforços, no sentido da reintegração completa na sociedade de todas as vítimas da guerra de libertação nacional. Preocupação dominante do novo Estado será também a abolição de todas as discriminações de sexo, idade, origem étnica ou racial e religiosa, e a instituição rigorosa do justo princípio – «a trabalho igual, salário igual».
A República Popular de Angola, sob orientação justa do MPLA, estimulará o processo da emancipação da mulher angolana. A República Popular de Angola afirma-se um Estado laico com separação completa da Igreja do Estado, respeitando todas as religiões e protegendo as igrejas, lugares e objectos de culto e instituições legalmente reconhecidas. A bandeira que hoje flutua é o símbolo da liberdade. In Agostinho Neto.11 De Novembro de 1975. Proclamação da independência.
- Alguém me sabe responder porque a maioria dos que conduzem carros são mulheres? – Perguntou o Almirante.
- Os maridos estão nos copos. – Esclareceu o Hepatite.
- Perdemos o precioso tempo da nossa vida a beber. Somos ao contrário dos outros. Eles passam o tempo a comer. Nós…só a beber. – Lamentou o Branco.
- Aí está o carro do barulho. – Alertou a Caribenha.
- A esta hora? – Admirou-se o Almirante.
- Alguém quer comprar lotaria da sorte? Aqui recebe mesmo. – Anunciava o carro do barulho.
- Não. Só se sortearem uma caixa de garrafas de uísque. – Sugeriu o Hepatite.
- Ainda ninguém se lembrou de lhes mover uma acção judicial. – Disse o Branco.
- Porquê? – Perguntou o Vodka.
- O barulho é considerado um crime. Afecta a nossa saúde.
- E os copos não?
- Não, porque os copos são sempre bem-vindos. Com esse barulho são dois crimes. Já basta um não é?
Numa rua próxima ouve-se o partir de uma garrafa. O som dos bocados de vidro lembra a violência aberrante. O Almirante comenta:
- Nesta cidade onde se ouve o barulho constante do partir de garrafas de vidro, estamos a viver uma festa violenta permanente, sem fim. Nunca saberemos quando vai acabar.
- É por isso que existem as escoltas privadas. Vou montar uma empresa dessas. – Disse o Vodka.
O Filósofo baixou-se e começou a reunir as garrafas vazias para que o sítio não apresentasse mau aspecto. Depois de acabar filosofou:
- Dormimos e acordamos angustiados. Todos os dias a viver a angústia que sabemos quanto custa viver num país onde não temos direitos. Não podemos viver na tranquilidade merecida porque os criminosos estão protegidos e abundam. Não me refiro aos pobres criminosos das ruas, mas aos que roubam milhões e esses não são perseguidos. Estão protegidos pela lei. Isto significa que as leis existentes são falsas. A lei actua só para quem rouba um dólar. Quem rouba um milhão é protegido, e nunca é julgado. Não os podemos denunciar porque seremos mortos. É por isso que estamos condenados a viver no medo, no terror da fome. Estamos a viver no tempo de Torquemada. A lei caça facilmente os de baixo, os de cima vivem felizes com a protecção do legislador. Não existem os de baixo porque é um reino sem povo. Um reino com duas leis. Uma para a nobreza e outra para a ralé. O único meio de sobrevivência é o que os governantes nos ensinam: roubar para não morrer à fome.
- Um gajo aqui para se safar tem que criar uma associação industrial. – Lamentou o Vodka.
- Outra empresa que dá dinheiro é uma agência de casamentos. Em especial nos fins-de-semana. - Gracejou o Almirante.
- Os camiões dos chineses passam carregados com sacos de cimento, há quem se aproveite pelo caminho e descarrega alguns para sobreviver. Estes roubam pouco. Roubam o que sobra. Mas há quem rouba muito nos gabinetes climatizados. – Denunciou o Filósofo.
- A revolução acabou com o colonialismo. Fomos libertados. Depois veio outro colonialismo, a escravidão continua. Não há por aí algum revolucionário que nos liberte? – Profetizou o Poeta.
- É melhor arranjar uma máquina do tempo. Também é uma revolução. – Ironizou o Hepatite.
- E isso serve para quê? – Perguntou o Vodka.
- Para voltar para trás e para a frente.
- E?
- Quando aqui não estiver bom, saltamos de um tempo para outro.
- Isso não vai funcionar. Porque vamos passar a vida, a saltar de um tempo para outro.
- Não sei porquê.
- Os tempos passados e futuros estão infestados de ditadores. Já se apoderaram do tempo, são donos dele.
O Presidente esclarece:
- Mais, os colonialistas introduziram e intensificaram o sistema capitalista de opressão que a pouco e pouco foi cedendo o seu lugar às formas multinacionais da exploração. O factor fundamental para a transformação da sociedade, é a produção, são as relações de produção, é a maneira como na sociedade são distribuídos os meios de produção. É preciso que os meios técnicos modernos e as condições oferecidas pela natureza, estejam ao serviço do Povo. In Agostinho Neto. 23 De Maio de 1976. Discurso no encerramento do 1º curso de activistas do MPLA.
- O culpado disto tudo foi o Marx. Ele devia ter dito assim: esfomeados de todo o mundo uni-vos! – Exclamou o Filósofo.
E continua:
- Por exemplo, quando inventaram o automóvel, que considero o invento mais estúpido de todos os tempos, havia promessas de felicidade e bem-estar para todos. Com ele fizeram-se duas grandes guerras e sabemos a mortandade que causou. Como precisava de combustível e lubrificante descobrem o petróleo. A publicidade mostra-o perto de um rio ou do mar, junto com a família num paraíso. Destrói-se as árvores, tudo o que é vegetação, para construir estradas asfaltadas para aos fins-de-semana ou nas férias, deleitarmo-nos nesses novos paraísos. Todos os dias surgem novos inventos e bugigangas para apetrechar o nosso carro. Quando dizemos que vamos fazer praia, ou campo, devemos dizer que vamos destruir essas coisas. Quem hoje suporta o barulho que esse veículo faz? Parece um dragão mecânico a rugir, a preparar-se para voar. Alguém descobriu que o carro está a destruir a civilização. Provoca tantas doenças que não se conseguem contar. E em nome do lucro ninguém consegue parar com este maldito invento. Devido a isso estamos a morrer lentamente. Agora retrocedem e dizem que este invento é a pior causa da poluição. Mas não desistem porque está em causa a ordem democrática. Quem fabrica isto comete um grave crime e não é julgado. A democracia foi uma grande invenção. Por causa dela estamos a morrer à fome. É isto o que se chama a democracia moderna.
- É a regra do vença o mais forte. Até que no fim só reste um habitante vivo no planeta. – Afirmou o Almirante.
Imagem: Balada CERTA - Festas :: NOITE TROPICAL
baladacerta.com.br
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