Primavera
Estávamos na
entrada da casa do lago, pelo espelho retrovisor do carro vi um velho fazendeiro
a correr e a gesticular. Não lhe prestei atenção, não costumo perder tempo com
tais aparições, que nos sugam as palavras com tantas historietas próprias,
dignas de quem vive na solidão. Ele estava com um vestuário de ganga seguro por
umas tiras também de ganga que lhe rodeavam, se apoiavam no pescoço, e de forquilha
em punho, parecendo o tridente de Poseidon. Entrámos e encerrámos o portão de
entrada da nossa mansão da casa do nosso lago.
O jasmim-azul
reflorescia nos ramos encimados por flores com cinco folhas, abundantemente
tonalizadas de azul-claro, como parecia a água do lago do teu doce, encantado,
primaveril olhar.
- Em que pensas,
desbravador dos meus ternos amores?
- Oh… Eva, penso
como este mundo é apenas composto de construtores e de destruidores.
- Mas, porém ele
avança sempre pujante perante a indiferença e a intempérie das pessoas.
- Sim, como as tuas
primaveris plantas que nos saúdam, e compõem o hino da sinfonia dos espelhos
dos teus olhos.
Eva olhou para o
jasmim-dos-poetas de folhas brancas, límpidas como o cantar dos versos
trovadores, dos poetas que imortalizam as nossas almas. E arrojada implora:
- Meu Adão desta e
de toda a ocasião, o teu amor fortalece, enobrece o meu, teu coração.
Verão
E suportávamos o
exercício do calor que nos abrasava, nos nossos corpos transpirava, mas que nós
nunca anuímos que se fosse de abalada. As gotas de suor que navegavam pelo mar
da nossa pele escorriam ancoradas no mais aprofundado desejo que o amor talvez
jamais sentiu.
- Este calor é
quente, saliente como o nosso amor! – Sentenciou ela.
- Será que somos
apenas os dois últimos apaixonados que restam depois da grande perseguição que
fizeram ao amor, esse outro grau Fahrenheit
451? – Divagou ele.
- Meu querido e
galáctico amor, tudo se compõe de estrelas, sóis e nebulosas. Só nunca
entenderei uma coisa: porque um alaúde canta, arrasta tão divinalmente o amor?
- É como o antagonismo,
o desafio do eterno duelo da Alemanha que produz as correntes filosóficas e a
França as correntes literárias…
- … Meu querido
amor Lancelote deste lago, basta uma espada Excalibur, mais do que isso é para
o destruir.
Outono
O verde das folhas
da vegetação amarelecia, desmaiava, no chão tombava, coberto de glória, a vida
protegia-se do algoz Inverno que se aproximava, as plantas labutavam pelo
mínimo consumo de energia. Afinal tudo é composto de energia, não é?! Toda a
energia do Universo se esgota a do amor não, jamais.
Será que a queda
das folhas no Outono simboliza o descontentamento do nosso amor?
Ela pareceu, não,
adivinhou-lhe, como só elas o sabem fazer, o pensamento e retribuiu-lhe:
- Esse desfolhar é
como a Ana dos escassos dias (1), e da balada das suas folhas verdes. Nas
folhas do tempo tudo se perde mas o amor rejuvenesce-as.
Inverno
A maré branca da
vegetação como navios encalhados na aventura Antárctica do almirante Byrd,
(1888-1957), e Amundsen, (1872-1928), como o contemplar do jasmim-azul agora
todo enfeitado, de branco mortificado, de vida suspensa.
E a inexplicável
estupefacção de ver o teu corpo a flutuar, suspenso na superfície quase gelada
do lago. Como é possível perder assim o meu amor? A vida e o amor são coisas
tão efémeras, porque o infortúnio faz parte das leis da vida, mas os seres
humanos nunca se dão conta disso, ou apenas fingem?
Abandonei, fugi da
casa do lago para nunca mais voltar. Deparei-me com o fazendeiro como se fosse
uma estátua, será que o era? Outra vez a gesticular-me, parei e sondei-o com o
meu olhar moribundo de amor, e ele desvendou-me:
- Desde que o vi,
que desejo ardentemente preveni-lo que esse lago está de amor amaldiçoado,
porque uma princesa dos tempos imemoriais nele foi levado. De todos os romeus
nestas águas aqui chegadas as suas julietas são arrebatadas. A Primavera é o início
das estações do ano e o Inverno é o seu fim.
Finalmente descobri
a grande verdade: A morte e a vida dependem do amor.
(1) Ana Bolena,
1501-1536, rainha de Inglaterra, 1533-1536, executada por acusações de traição,
adultério e incesto pelo seu esposo Henrique VIII, 1491-1547, rei de Inglaterra.
Imagem: pinturasequadros.com.br
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