sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O empresário luso-angolano (15)




- Ouve que esta é porreira. É de se lhe tirar o chapéu. Quando estamos em casa, damos comida ao segurança do nosso prédio, porque não justifica alterar o trajecto da viatura de abastecimento. Quando não está ninguém, a minha vizinha trata disso. Alimenta-o muito bem… melhor que nós. Esta noite às cinco da manhã conforme testemunhado por uma vizinha do prédio em frente, gatunos que vinham de carro roubaram-lhe dois vidros laterais do jipe dela, da vizinha da comida. A outra que assistiu ao roubo não teve coragem de gritar, com medo deles. Interpelaram o segurança. Ele disse que na altura estava na casa de banho. A vizinha chorou muito, lamentando o trabalho dele. Pois que o tratava muito bem. Mas ele não estava nada na casa de banho… estava a dormir. Estes gajos são fodidos. Mas também é necessário acrescentar que as pessoas convencem-se que por terem um ou mais seguranças não são assaltadas. Por vezes seria melhor não os terem. Onde eles estão, quer queiram quer não, chamam a atenção dos bandidos. É a mesma coisa que dizer. Olá! Aqui tem coisa que interessa.
(Eu nem que tenha que ir semear couves e batatas, prefiro ir para Angola do que ficar por cá. Sempre vou para um país mais quente. Além de ir ganhar o triplo, claro!". Desejo de Ana Rodrigues, escriturária. In Diário de Notícias)
O Chileno e os cubanos continuavam a ocupar o meu precioso tempo. O Chileno, assim que chegou, ligou o seu portátil. Esteve ocupado cerca de duas horas na Internet. Depois com ar triunfal quase me grita:
- Consegui! Consegui!
- Conseguiu o quê?
- Os meus amigos da Espanha já vão enviar no próximo navio tudo o que o Vieira pediu.
- O que é que o Vieira pediu?
- Ah! Não sabes?
- Não.
- São muitos produtos de higiene e limpeza, e também vário material eléctrico. Fiz um bom negócio. Agora só aguardo que o Vieira lhes pague, e claro me dê a minha comissão.
Evidentemente que não disse nada ao Vieira da conversa que tive com o Jacinto. Mas ele surpreende-me:
- O Jacinto disse-me que não conseguiu fazer o inventário porque não apareceste.
- Acho que o Jacinto está maluco. Ou será que ele quer que eu faça o inventário? Acho que não está interessado.
- Vou falar com o ajudante dele para o fazer.
- Vieira, não entendo as intrigas do Jacinto.
- Deixa-o comigo.
Jacinto convida-me para almoçar, provavelmente para continuar a tentar corromper-me. Aceitei o convite. Na sua casa a primeira coisa que me chamou a atenção foi a garrafeira. Parecia um armazém. Entendia agora porque é que ele não queria que se fizesse o inventário. Depois de acabarmos de comer, veio o café e uma aguardente Aveleda. Jacinto insiste:
- Já lhe disse para deixar aquilo como está… vamos dividir.
Achei que o melhor que tinha a fazer era não comentar. Ele adivinhou o meu silêncio e foi mais longe:
- O Vieira não gosta de pagar a ninguém… os portugueses não pagam a ninguém. Trouxe-me para aqui por ser velho e assim ficar dependente dele. Para onde é que eu vou? Quem é que aqui vai ligar a um velho? Ele não me paga. Deve-me muito dinheiro. E o irmão dele, o Heitor, é pior que ele. Não vê como ele ri? Não vê como olha para as pessoas? Não assumem nenhum compromisso. Quase todos os meses tem processos no tribunal que os trabalhadores lhes movem.
- Obrigado pelas informações, de futuro terei mais cuidado.
As mercadorias chegaram e armazenaram-se na Cidadela. Como não havia espaço que chegasse, uma parte ficou nas instalações da segurança. Vieira está muito feliz:
- Já viste a massa que isto nos vai dar? Agora vou foder o Jacinto.
- O que é que lhe vais fazer?!
- Mas o que é que tu queres?! Vai vender essa merda e por cada coisa que vender
Ganha uma comissão. Se não vender não ganha nada.
- Não te esqueças que ele é idoso. Depende totalmente de ti. Se o abandonares o que será dele?
- A gaja que ele arranjou que trate dele. Não faz mais que a sua obrigação.
- Mas ela anda com outro… não foi isso que disseste?
- O problema é dele. Ele que se safe como bem entender… já que tem a mania que é esperto.
- Elder não estou de acordo, acho que isso é desumano.
- Porra! Mas o que é que tu queres? Mandei um motorista ao Sumbe receber 10.000 dólares… não apareceu mais. Fugiu com o dinheiro e com o carro. Combino para fazer um serviço às dez da manhã sem falta. Não aparecem, a desculpa é sempre a mesma, que lhes dói as costas. Não se pode assumir nenhum compromisso. Dizem que vão voltar no outro dia à mesma hora. Tornam a não aparecer. Estão com dores de cabeça. Claro! Dores de cabeça da bebedeira... mas são todos assim… mas o que é que tu queres?
- Vieira, será porque não os tratas bem?
- Trato-os bem demais. A secretária agora aparece-me pelas dez da manhã e quer sair às quinze horas, diz que é por causa do trânsito. Quer dizer, tenho que fazer o serviço dela. Ouve!.. este país está fodido. Não tem hipótese nenhuma. Sabes o que é que eu vou fazer?
- Não.
- As instalações da segurança vão ser transformadas em armazéns e residências. Vou construir um pequeno restaurante para consumo interno. Uma oficina de reparações de automóveis… e vou vender medicamentos. Algumas suites com as condições necessárias para vivermos. Também terás a tua, também passarei a viver aqui. Vou também construir um minimercado.
- Vieira, tanta coisa?
- Vais ver! Algumas pequenas áreas serão para escritórios, para alugar. E claro, um escritório para desenvolvermos a nossa actividade de economia e contabilidade. Vou ficar só com dez pessoas, todos brancos. Mais dois empregados para a limpeza, e para fazerem alguns recados. Ficaremos como peixe na água. É impossível trabalhar com esta gente. Só servem para fazerem recados, e mesmo assim ainda arranjam problemas. Ah! Vou-te arranjar uma secretária para te auxiliar, para que não te sintas só.
Na realidade sempre pretendemos ser o que não somos. E sem nos darmos conta, é como se andássemos constantemente vestidos com uma máscara. - Pensei
É-me apresentada a Secretária. Vieira disse-me que ela tem vinte e três anos. É alta, magra, esbelta, atraente. Tem bons conhecimentos de inglês. Sabe bater textos convenientemente no computador, mas na folha de cálculo Excel é uma desgraça. No segundo dia de actividade noto que o chefe da padaria está constantemente a subir para telefonar. Quando me ausento e regresso noto que os dois passam o tempo a conversar. Uma semana depois ela surpreende-me:
- Amanhã não venho trabalhar. Pretendo estudar economia, vou tratar da matrícula.
- Ok, você é que sabe o que é melhor para si.
Curiosamente no mesmo dia o chefe da padaria falta ao trabalho por motivo de doença. No outro dia a Secretária aproxima-se de mim. Mostra-me um sorriso encantador. Vai até á janela e olha para baixo. Regressa e espanta-me:
- Olhe, se necessitar de mim estou na padaria.
Uma hora depois regressa e pede para falar comigo:
- Sabe, consegui a matrícula na faculdade. A partir da próxima semana só posso trabalhar um período do dia.
- Acho que é melhor falar com o doutor Vieira.
- Está bem, assim farei.
Deixei de a ver nos dias seguintes.
(Onde se nota muito trabalho dos governantes é nas ruas (?), com os batedores policiais a abrirem-lhes caminho no trânsito que eles engarrafaram, sitiaram.)
Vieira liga-me pelo telemóvel.
- Olha! Vou vender a boate. Estou farto daquela merda. Está-me a dar muitos problemas.
Vieira está incomunicável há cerca de uma semana. Ninguém sabe onde está. Heitor dirige as operações. Quando se lhe pergunta pelo irmão diz sempre que não sabe onde está. Os cubanos deixaram de aparecer. O Chileno aparece a horas incertas. Sonda-me:
- Não sabe nada do Vieira?
- Não, não sei… ninguém sabe.

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