quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Cavaleiro Mwangolé e Lady Marli na Demanda do Santo Graal (41)





Aqui no Sertanejo dizem: o homem mais admirado do mundo é africano. E o escravo mais admirado do mundo é angolano.

Sabemos, pesquisamos tudo, mas continuamos sem saber nada de nós. Olhamos para as folhas de uma planta, poucas restam de verdes, estão a secar, como nós, que nunca saberemos quem somos.

A morte chega e sobra para todos.

Há uma coisa que aqui não entendo. Se uma pessoa para sobreviver está difícil, como é que os estrangeiros conseguem, tão fácil?

Quem escreve utilizando aspas amiúde, esses textos estão carregados de lixo, distrai a atenção do leitor, e os textos perdem todo o interesse. Isso não é escrever, é entristecer. Aqui neste Sertanejo tem muito disso. São escrevinhadores de aspas, atropeladores, abalroadores das palavras, militantes do tempo dos punhais espetados nos olhares emparedados.


E Lady Marli e o Cavaleiro Mwangolé foram detidos por integrantes de uma milícia armada, havia-as por todo o canto, porque a revolução tinha que continuar, e qualquer para arrastar, ensacar. Abordaram o casal de modo muito sumário, muito sinistro, como um pelotão de fuzilamento. «É pá, venham cá! Estão presos para identificação e interrogatório por tempo indeterminado.»
Era muito natural que Marli e o Cavaleiro levantassem suspeitas porque trajavam de modo muito estranho, como extraterrestres que saíssem de um disco voador, ou mascarados para a edição do Carnaval da Vitória – um acontecimento anual que se festejava sem se saber bem o quê, qualquer coisa como a derrota do inimigo imperialista que ainda não tinha terminado, e por isso mesmo a luta continuava, uma revolução permanente, consequente, pois que há revoluções que são eternas, passam de pais para filhos – Marli apresentava indumentária à Robin dos Bosques com o célebre chapéu encimado por uma pena e, claro, com o arco e flechas. O Cavaleiro com um traje muito parecido com um cavaleiro da Idade Média com uma espada na bainha.
E lá chegaram na esquadra popular – era tudo ainda popular porque as estruturas governativas assim funcionavam como um partido político único por longos, longos, muitos e longos anos – foram recebidos pelo chefe que logo lhes sentenciou:
- Aqui neste Sertanejo não adianta ameaçar pelo vosso advogado, porque a lei sou eu, somos nós. E não tentem armarem-se em espertos porque os nossos torturadores são impecáveis… hã, desculpem, muito impiedosos, sim é isso… muito impiedosos. Como podem ver ainda sabemos falar a vossa língua. Bom, sentem-se aí no que resta dessas duas cadeiras, as que tínhamos aqui em condições, alguém as roubou para a sua casa, coisa aliás muito vulgar, pois por aqui a única coisa que ainda funciona a cem por cento é o roubo. Assim como: a arte de espoliar é a virtude de bem governar.
E o casal sentou-se em duas cadeiras com muito cuidado porque a qualquer momento poderiam desintegrar-se. Pareciam recuperadas de alguma violenta calamidade, ou das investidas que os fiscais faziam contra as mulheres que vendiam e trocavam dólares – as kinguilas – as mulheres bazavam e os fiscais pegavam nas cadeiras e espatifavam-nas contra o chão. Ficavam assim como que mutiladas de uma guerra.
E o chefe da esquadra lembrava perfeitamente o hinário sem lei, o paradigma marxista-leninista sempre vigente:
- São jornalistas disfarçados de espiões, disso não tenho a menor dúvida!
Ouvia-se o barulho de crianças presas. Ao fundo um cartaz dominava o alto da parede com os dizeres bem visíveis: EM SERTANEJO NÃO HÁ VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.
A corrupção não é uma flagrante violação dos direitos humanos? Pensou o Cavaleiro.
Entretanto, o chefe parou com o interrogatório para atender o telemóvel, decerto pata receber ordens directas de algum general. O Cavaleiro Mwangolé serve-se do interregno e diz para a sua companheira.
- Num Estado de revolução permanente, o estado de emergência também está omnipresente, o que dá direito a perseguir qualquer cidadão que não seja do agrado do Poder. Tudo serve de pretexto para dar voz de prisão arbitrária. Na realidade é um Estado terrorista conforme o moderno conceito de democracia. Desde que tenham petróleo e o escoem para os guardiões da democracia, tem legalidade para ordenar o linchamento sumário de quem quiserem, incluindo crianças. O mais caricato é quando de um momento para o outro se auto-intitulam de Estado democrático. Então, sob esta fachada, ataca tudo e todos sob o argumento de que é necessário defender a democracia.
E Marli ajunta, enquanto o chefe se ri de alguma piada, ou da indicação de alguma tortura especial que experimentará no casal.
- Este é o Governo onde até um governador provincial, para comprar um vulgar parafuso tem que pedir ao governo central autorização para o fazer. Um país que parece viver apenas do pensar só de uma cabeça.



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