A
José Quitério
Que civilização é esta que enclausura o ser humano na
prisão sem vegetação?
Dantes existiam muitas árvores e poucos seres humanos.
Agora há muitos seres humanos e poucas árvores.
Qual é a diferença
que existe entre
um especulador
imobiliário e um
tubarão? Nenhuma… são
imprevisíveis.
Não existindo árvores as nossas crianças poderão existir?
Sem árvores as nossas crianças não verão, não saberão o que é o verde, essa cor
maravilhosa que nos dá tranquilidade. Sim, a cor verde dos campos, dos bosques
interpretados como na sinfonia das Quatro Estações de Vivaldi, ou a sesta e
sétima sinfonias de Beethoven que nos musicam que a nossa mente se
impossibilita de viver sem o verde das deusas árvores.
Antes da civilização do betão as árvores eram
respeitadas, actualmente na civilização do betão as árvores nasceram para serem
derrubadas.
E as tempestades ciclónicas não se podem conter porque a
civilização do betão pretende substituir, plantar árvores de betão, e as chuvas
sem vegetação ficam com os caminhos libertos, inundam, arrastam a civilização
do betão. É que as árvores são uma muralha que contém os ventos e a chuva, e
não é por acaso que se ouve nos noticiários que os ciclones estão cada vês mais
devastadores. Não é por acaso que os Índios e os Celtas veneravam as árvores
como deuses porque eles sabiam que sem elas o seu futuro se encerraria, a sua
civilização se extinguiria. Considero um tremendo erro o cristianismo acabar
com esses cultos da adoração da Mãe Terra em nome de um Deus que não admite a
Natureza nos seus altares.
Todos os dias – quando me é permitido – costumo levar ao
colo o meu neto de dezanove meses e digo-lhe: «Bebé, olha aí o verde das
árvores, é muito bonito, não é?» E a criança sorri, porque a cor verde
tranquiliza o cérebro e inspira a mente.
Creio que se Galileu (1564-1642), fosse vivo e agora
debaixo de uma árvore de betão, não diria que lhe caiu uma maçã na cabeça, mas
um pedaço de betão, e a célebre lei da queda dos corpos seria substituída por
outra: lei da queda do betão sem lei.
Olho para a cidade e vejo-a despida, roubaram-lhe a
roupagem da arborização e assim persistimos que quantas mais árvores
derrubarmos, mais no vazio nos encontraremos e as nossas vidas subjugaremos,
porque existe algo de mais valioso do que o maravilhoso trinar de um – por
exemplo – um beija-flor no seu incessante, feliz e pairado voo na busca da
perfumada seiva das flores a anunciar que o dia rejuvenesceu e o jardim
floresceu?
E como os namorados farão mais promessas de amor sem o
mundo verde, inspirador? Decerto será um amor seco, frustrador.
Creio que tinha vinte anos
quando a despediram da vida. Era muito atraente, oferecia, tinha ainda muitos promissores
frutos proeminentes
em frente.
Cheios e cheia
de saúde e assim
morrer tão prematuramente… os frutos
saborosos com
que nos
deliciava, a sua sombra e a sua frescura terminaram no reino
inglório do lixo, em mais um monte de madeira para
cozinhar refeições e aquecer dos dias e das noites frias.
Era uma árvore,
uma mangueira altiva
e muito orgulhosa,
nunca se deitava e não
se cansava de viver sempre
em pé.
Convivia, participava, acompanhava as nossas vidas.
Fincou raízes nas traseiras de três prédios,
num grande largo
que a juventude
utilizava para disputar
campeonatos de futebol.
Junto dela vivia um
homem de idade
avançada, numa modesta habitação, e porque
a saúde lhe
desistia contactou um general para a sua venda. Feito o negócio,
ainda se sentia o frio
das notas bancárias e já alguns militares, mais
um arquitecto e um
engenheiro começam a rodear
a mangueira. Com
curiosidade olham-na de cima a baixo. Depois
faíscam-na como inimiga,
soldados trepam-na, e a rir
como a festejar
grande vitória
contra um
inimigo poderoso,
tratam de esquartejar primeiro
os seus ramos
mais pesados, mais
volumosos. A árvore
rapidamente sente o fim aproximar-se, e entre suspiros
e lamentos, gritos
silenciosos, como
só as árvores
fazem, sons que
os seres humanos
não ouvem, não
querem ouvir.
E a árvore
continua a resistir ao assédio. Heroicamente resiste a cada
golpe que
sem piedade
lhe assestam os seus
inimigos poderosos.
Já estava quase
careca, desnuda. Creio que se sentia muito
envergonhada da sua nudez.
Restava apenas o tronco
que teimosamente
insistia em estar
ligado à Terra Mãe,
aquela que a viu nascer.
E a Terra sentia-se ferida.
E num ronco descomunal
surgiu uma fera de metal,
que lançava fumo
por todos
os lados, como
um dragão
invencível… e com
uma pá de aço mergulhou nas entranhas da Terra e
retirou as raízes, o esqueleto, o pouco que
restava da pobre árvore,
deixando lá uma cratera,
o que alegrou os militares habituados
aos cadáveres no campo de batalha. E gritaram numa só voz como que ao comando do
seu chefe: «Madeira!!!»
Depois, entre o tilintar de copos de
bebida, o general,
os seus soldados,
o arquitecto e o engenheiro beberam à saúde
de mais um
inimigo aniquilado. A seguir
veio a máquina niveladora, nivelou a terra, apagou os vestígios
da descomunal batalha.
Seguiu-se outra máquina
que despejou cimento
e areia. Os tijolos
e demais materiais
já aguardavam para
iniciar mais
uma obra da especulação
imobiliária. Passados
poucos dias
já ninguém
se lembrava que ali
existiu uma árvore, uma mangueira. No seu
lugar cresceria mais
uma árvore de cimento
e areia, de betão.
Quem não dá valor a uma árvore decerto maltrata também os
animais e considera os seres humanos como irracionais.
Quando era criança, com os meus sete anos, recordo-me das
minhas brincadeiras, das minhas aventuras entre eucaliptos e pinheiros. E ainda
sinto as vozes surdas do vento vindo deles. Sozinho, sentia medo como se uma
multidão de pessoas me sussurrasse, me perseguisse, como se cada eucalipto e
cada pinheiro fossem pessoas que de repente se desprendessem da terra e me quisessem
agarrar. E quando havia tempestade o barulho do movimento dos troncos
impressionava-me, como um mundo desconhecido dos humanos.
Acabar com as árvores é acabar com os sonhos do nosso
inconsciente colectivo.
E nos dias, nos tempos seguintes os nossos avós
recordarão aos seus netos que lhes contarão em forma de lenda: «Era uma vez uma
árvore que diariamente nos saudava, fazia parte das nossas vidas, era como uma
filha.»
Sem comentários:
Enviar um comentário