Prefácio
Après moi le déluge. Depois de mim o dilúvio.
Máxima
egoísta, atribuída a Luís XV, rei de
França, que previa a derrocada
próxima da monarquia, mas esperava que
esta ainda durasse pelo
menos tanto
quanto ele
próprio. In Dicionário Lello)
Começo
com uma simples pergunta: a democracia é um mal necessário?
Todos
lutamos por melhores condições de vida.
Não
é possível, viver, sobreviver numa sociedade sem solidariedade e sem
educação.
Quando
jovens acreditamos, sonhamos que brandindo flores nos transporta para uma
revolução e que após isso vemos, temos o caminho aberto definitivamente para a
conquista da felicidade e de todos os nossos problemas resolvidos, um mundo de
amor, de concórdia, de paz e onde todos os seres humanos se abraçam, se
entendem e que jamais haverá guerras, uma sociedade perfeita sem miséria, com
muita riqueza, com muita sabedoria, extrema alegria.
Os
agitadores políticos tudo nos prometem que se o poder for derrubado, haverá
riqueza para todos e nada nos faltará, como o prometido divino Maná.
E
nós arriscamos, damos as nossas vidas para que possamos conquistar esse paraíso
que nos cai de bandeja, mas depois verificamos com tristeza que onde há muita
riqueza há a certeza da abundante pobreza.
E nas
universidades começa a agitação estudantil que chega nas fábricas e o
operariado impõe greves selvagens para que a economia se arruíne e o país
desfeito caia nas mãos dos revolucionários.
E
depois marchamos, de corpos trucidados ficamos na defesa de ideologias
políticas que afinal nada nos contemplam, em nada nos sustentam. E que mais
tarde essas ideologias políticas se transformam em corporações do mal e com o
maior à-vontade incitam à guerra e assim destruam nações, povos, genuínas
ideologias do mal.
E
tudo aquilo que foi prometido, e pelo qual o povo lutou em vão, convencido,
vencido, é assim a revolução.
E
se a revolução não for votada pelo povo, jamais os revolucionários serão
democráticos.
E
porque os democratas vivem na miséria democrática? E aceitam-na como a panaceia
de todas as virtudes? Sabendo que laboram no erro deixam-se arrastar para a
morte lenta da fome vitoriosa que sempre desperta, triunfante os espera. E deixam-se
embalar no som da morte como a coisa mais natural que possa existir, deixando-se
roer pelos ratos, que sem forças para lutarem contra eles lá vão com a sua existência
sem sentido, do viver para morrer na execução do pelotão de fuzilamento da democracia.
Quem
perde a coragem de lutar, deixa-se escravizar, entrega-se ao poder que se diz
democrata, e não é capaz de dizer, basta!
Este
é o bem-estar que a revolução de Abril nos sorteou, nos aprisionou. Passados
quarenta anos – e por quanto tempo mais? Porque a trama parece infindável numa
revolução permanente, incoerente – as multidões de escravos seguem em filas
indianas no trajecto da escravidão, sem solução que se aviste pois o seu periscópio
nada consegue ver à superfície pois está cego, embaciado, totalmente opaco.
São
tantos os desiludidos no cume das democracias mundiais que ninguém os pode
contar.
Um
cortejo fúnebre de desempregados cerca o mundo.
E
também são tantos os terroristas mundiais que ninguém os consegue contar.
E
a juventude cai outra vez - como uma menina que na sua candidez se entrega no
aríete carnal do pedófilo – no engodo de mais alguns propagandistas que exigem
que os sigam - que ao contrário dos déspotas esclarecidos, estes são democratas
assumidos, corrompidos – e mais revoluções se semeiam, para mais um pequeno
grupo de indivíduos dominarem a seu bel-prazer os destinos (?) dos navios
naufragados.
Sim!
As revoluções actuais são – como as catástrofes mundiais – um mal necessário.
E nas
democracias consagradas como viver é um prazer, não há assaltos, não há roubos,
não há despejos de idosos e crianças para o frio glacial das ruas.
Há
sessenta anos que o meu comboio circula por revoluções, e a minha vida não se
compõe, anda aos tropeções, a minha vida se descompõe.
E
quando depois de uma revolução – quando antes o fornecimento de energia eléctrica
e água funcionavam normalmente – os revolucionários não conseguem abastecer de
água e energia eléctrica uma cidade, não estão lá a fazer absolutamente nada,
porque quem não consegue garantir estas coisas não consegue garantir seja o que
for. Porque sem isto não é possível realizar nada. É conversa balofa, de
escroque.
E
a África Negra continua a fiel, a fértil fábrica de escravos à disposição de
quem lhes pague o menos possível, sem salários. É o baluarte seguro do
nascimento de novos terroristas. Assim, no futuro teremos as democracias que
deram origem ao terrorismo, na prática com as suas instituições obcecadas, com
as suas populações mobilizadas e os seus recursos monetários utilizados para sobrevivência
contra a luta dos povos marginalizados, abandonados. Porque considerados seres
inferiores, servindo de pretexto para a mão-de-obra escrava, sem dispêndios
financeiros, e daqui o incremento de milionários com populações esfomeadas, com
tão rudimentares meios de sobrevivência inimagináveis, quando se previa que no
planeta Terra todos seriamos felizes.
A
hipocrisia destrói a cidade e a nação.
E
depois dos anos 60 o mundo acabou.
Eis
a aventura épica de um ser humano honesto que na ditadura salazarista vivia na
pobreza, e que depois livre pelo 25 de Abril continua na constante luta para se
libertar dos latifúndios bancários democráticos.
Esta
é a história de um humilde e simples homem que acreditou na mudança, na
abastança das várias revoluções que prometiam o bem-estar, democracia,
liberdade, quando na realidade ano após ano os cortejos fúnebres carregam
cadáveres como num extermínio da espécie humana, com prisões superlotadas e
cemitérios insuficientes. Na realidade são os cemitérios das democracias
cadavéricas.
Dat veniam corvis, vexat censura columbas. A censura poupa os corvos e persegue as pombas.
Verso de Juvenal (Sátiras, II, 63).
Cita-se todas as vezes que são
perseguidos os inocentes e se deixam impunes os culpados. (Dicionário Lello)
Gil Gonçalves
Imagem: www.imagensdeflores.net.br
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