A
José Quitério
Estou na janela do quarto, apesar de ser
dia, cerca de quinze horas, a rua está muito escura, o céu escureceu-a
Aproxima-se forte tempestade. A chuva cai com força, a rua fica alagada. Os fortes
pingos parecem bombas de prata, batem no solo e se desfazem na procura da terra
para a fecundarem.
A trovoada está próxima, pois já são
nítidas as faíscas seguidas dos trovões.
Meia hora depois a chuva faz uma pausa,
parece que já dá para sair, mas não, o vento sopra a anunciar que mais chuva
vai chegar. Não sei se hoje conseguirei viajar para o café do Frederico. Não
sei se estarei na companhia dos meus amigos a ver a série Bonanza.
A escuridão permanece, nos prédios
acendem-se as lâmpadas que assim continuarão porque dentro em pouco o oficial
da noite substituirá o oficial de dia.
A chuva não desiste da sua missão de fustigar,
alagar a terra. As árvores agitam-se contentes pelo banho, o verde intensifica-se
grato pela manifestação do festival da natureza.
Vejo crianças que saem dos carros a
correrem para brincarem na água, mas mesmo impedidas pelos seus pais resistem-lhes,
empregando todas as artimanhas da artilharia infantil. Mas uma ou outra consegue
iludir a vigilância materna e salta, rebola-se na água imaginando que é um
pato. Quando em crianças sentimos uma atracção irresistível pela água que nos
faz imaginar que viemos do mar.
Parece-me que neste sábado o café do
Frederico será um lugar óptimo para respirar, pois que devido à chuva pouca
gente o irá frequentar. Diferente dos outros sábados da Bonanza em que se pode
dizer que todos os fumadores dos Olivais-Sul ali vão encher as chaminés de
nicotina como numa fábrica.
E ao caminhares na eternidade lembra-te
sempre de mim. Tu estás lá no outro lado, eu estou neste, apesar da tua
presença imaterial consigo sentir-te como se a morte fosse apenas a dimensão
oposta da vida.
Junto ao candeeiro de luz na rua vejo
algumas plantas que assomam rejuvenescidas pelo elixir da água, como o cadinho
dos alquimistas.
A família está de regresso, as vozes são
inconfundíveis. Já não consigo pensar. As crianças batem na porta, chamam por
mim. Abro, elas entram e abraçam-me contentes.
Hoje a chuva disse que não, e aceito a
sua decisão.
Vou para a cozinha e depois para a sala
de jantar, e chamo: «Mãe! Mãe! Mãeeee!» Oh! Lembro-me que já lá não estás,
partiste na máquina do tempo para um lugar distante onde finalmente descansarás
e viverás em paz. Jamais te esquecerei!
Imagem: www.imagensfotos.com.br
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