quarta-feira, 28 de maio de 2014

Seis anos na eternidade da vida já caminhados






A
José Quitério


Estou na janela do quarto, apesar de ser dia, cerca de quinze horas, a rua está muito escura, o céu escureceu-a Aproxima-se forte tempestade. A chuva cai com força, a rua fica alagada. Os fortes pingos parecem bombas de prata, batem no solo e se desfazem na procura da terra para a fecundarem.
A trovoada está próxima, pois já são nítidas as faíscas seguidas dos trovões.
Meia hora depois a chuva faz uma pausa, parece que já dá para sair, mas não, o vento sopra a anunciar que mais chuva vai chegar. Não sei se hoje conseguirei viajar para o café do Frederico. Não sei se estarei na companhia dos meus amigos a ver a série Bonanza.
A escuridão permanece, nos prédios acendem-se as lâmpadas que assim continuarão porque dentro em pouco o oficial da noite substituirá o oficial de dia.
A chuva não desiste da sua missão de fustigar, alagar a terra. As árvores agitam-se contentes pelo banho, o verde intensifica-se grato pela manifestação do festival da natureza.
Vejo crianças que saem dos carros a correrem para brincarem na água, mas mesmo impedidas pelos seus pais resistem-lhes, empregando todas as artimanhas da artilharia infantil. Mas uma ou outra consegue iludir a vigilância materna e salta, rebola-se na água imaginando que é um pato. Quando em crianças sentimos uma atracção irresistível pela água que nos faz imaginar que viemos do mar.
Parece-me que neste sábado o café do Frederico será um lugar óptimo para respirar, pois que devido à chuva pouca gente o irá frequentar. Diferente dos outros sábados da Bonanza em que se pode dizer que todos os fumadores dos Olivais-Sul ali vão encher as chaminés de nicotina como numa fábrica.

E ao caminhares na eternidade lembra-te sempre de mim. Tu estás lá no outro lado, eu estou neste, apesar da tua presença imaterial consigo sentir-te como se a morte fosse apenas a dimensão oposta da vida.
Junto ao candeeiro de luz na rua vejo algumas plantas que assomam rejuvenescidas pelo elixir da água, como o cadinho dos alquimistas.
A família está de regresso, as vozes são inconfundíveis. Já não consigo pensar. As crianças batem na porta, chamam por mim. Abro, elas entram e abraçam-me contentes.

Hoje a chuva disse que não, e aceito a sua decisão.  
Vou para a cozinha e depois para a sala de jantar, e chamo: «Mãe! Mãe! Mãeeee!» Oh! Lembro-me que já lá não estás, partiste na máquina do tempo para um lugar distante onde finalmente descansarás e viverás em paz. Jamais te esquecerei!


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