Fizeste muitas viagens e sempre
regressaste, mas da última que iniciaste, há nove anos que guardas silêncio. Há
viagens eternas sim senhor com navios carregados de comida e outras coisas confortáveis
para que a viagem pelas ondas do mar seja o mais agradável possível. E os
corações em terra destroçados sempre se lembrando de ti e da tua vivência entre
nós. A mais dolorosa coisa das nossas vidas é a despedida eterna. Resta-nos as
tuas imagens gravadas nas nossas memórias e a saudade inconsolável.
É o navegar onde nunca se vai chegar.
Não abandonei as plantas que cuidavas
que muito bem tratavas, acarinhavas e de água alimentavas, continuam rejuvenescidas,
florescidas como se a falta da tua presença não notassem. Só o jasmim teima em
não me presentear com um só rebento. Parece que é por causa dos pardais que
aprenderam muito bem o parasitismo humano. Deixam algumas plantas como se
fossem esqueletos. Quando não está ninguém invadem a cozinha, procuram comida e
onde a encontram festejam com um chilrear banquete.
Aqui está frio e muita humidade, clima
muito doentio que gera doenças respiratórias. O sol está escasso, fraco, não
chega para fazer a manutenção do corpo que anda sempre coberto com uma montanha
de roupa. À noite é pior porque a humidade aumenta e provoca-nos ataques de
tosse. Com este caldo não é nada difícil imaginar aquelas pessoas que fumam,
que não têm amor pelos seus pulmões e pelos seus corações.
Nós os vivos que creio há muito estamos
mortos e não nos damos conta disso, porque deixamos, não nos interessamos, tornámo-nos
apáticos, desligámo-nos por completo dos políticos, esses ardilosos monstros
que destroem as nossas vidas no desfile, no concurso democrático pela obtenção
do primeiro lugar da corrupção. E consolidaram outro desporto violento: o
massacre de crianças com reportagens em directo que mostram a pedofilia, as
torturas, as acusações de feitiçaria, o uso como escravas, crianças soldados, o
esquartejamento como num talho para posterior venda como poderes mágicos a
feiticeiros. As mortes pela fome, por bombardeamentos, por armas químicas, sem
escola, órfãs de pais, de pátria, sem lugar neste mundo, apenas no outro. São
nados-mortos.
A democracia da hipocrisia está muito
desenvolvida sim senhor. É a democracia das matanças universais, da convivência
pacífica e do bom relacionamento entre estados e governos tirânicos. Como é
possível uma democracia manter relacionamento normal com ditaduras que
reprimem, que escravizam, que liquidam as suas populações? É sim, é possível, é
o pesadelo democrático do nosso dia-a-dia.
Parece que foi ontem, mas não, nove anos
depois a miséria cresce, os bancos levam até ao fim a sua cruel missão:
destruir o sistema financeiro. Parece que a palavra futuro desapareceu. Antes
ainda se falava muito nela, agora só ocasionalmente. Destruir o outro por todos
os meios possíveis é a lei vigente. Nove
anos de solidão.
Imagem: kikacastro.com.br
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