Diário da cidade dos leilões de escravos
08
de Setembro
No dia 07 de Setembro, por lapso
escrevi, igreja universal do reino de deus, quando na realidade queria dizer,
igreja adventista do sétimo dia. As minhas desculpas.
Nas cantinas dos sênê (senegaleses) e
indianos não se pode comprar ovos. Devido ao seu mau acondicionamento, os ovos
lá comprados chegam a casa estragados, e para o lixo vão inutilizados. Tudo em
Luanda funciona para nos roubar – um limão cem kwanzas - o dinheiro que
conseguimos sem a militância do poder do petróleo. É assim que em Luanda
qualquer estrangeiro enriquece com incrível facilidade nesta sociedade
bestializada.
09
de Setembro
Sem lei! O vizinho para alugar o seu
apartamento instalou um reservatório de água no rés-do-chão e serrou
completamente o corrimão das escadas até ao primeiro andar. Ninguém se opôs,
pois destruir é construir.
Enquanto não há lei aproveitem,
desmandem e saqueiem à vontade, porque quando ela chegar as prisões serão
pequenas.
Não há nenhuma diferença entre os fiéis
do futebol e os das igrejas. Nos campos de futebol os fiéis adoram o seu deus e
nas igrejas também.
Sem lei! Mais protagonistas para
alimentar o caos: um português e uma portuguesa chegaram e casa no prédio
alugaram e no primeiro andar se instalaram buerere de kumbu pagaram. Um
segurança disse que viu – nenhum morador apareceu - aí pelas vinte e duas horas
carregarem potente gerador, desses que não dá para colocar num prédio, e que é
um gerador muto grande, muito potente. O único local disponível é na varanda
das traseiras já com fissuras por todo o prédio de cinco andares antigo e
precocemente no fim devido aos maus tratos que se notam muito bem a olho nu. O
gerador quando em serviço, o primeiro a desabar é a loja no rés-do-chão, depois
é o segundo andar e o vizinho do primeiro andar, e claro, o apartamento onde
está instalado o gerador. Os pilares sofrerão um ataque severo. Será possível
que gente tão evoluída, tão erudita, de tão vasta engenharia, de tão ilustre
erudição, desconheça que um potente gerador instalado no interior de um prédio
facilmente o fará cair aos bocados. Ignorância também é analfabetismo.
Está tudo ao contrário. Um exemplo: as
escadas estão ao contrário, antes eram a subir agora é a descer. Outro exemplo:
dos bancos já não se levanta dinheiro só se deposita.
Pelas onze horas da manhã ao lado da
Igreja Adventista do Sétimo Dia, junto à Angop, um carro civil com seis
indivíduos trajados à civil, dirigiram-se para a cantina de um indiano e saíram
de lá com ele algemado. Uma mamã perguntou-lhes para quê isso das algemas, e um
deles respondeu-lhe que não foi ele que as inventou. Depois, outro indivíduo
acercou-se da cantina perguntou pela chave e acrescentou: se a chave não está
aqui, isto está fechado é porque está com ele. Os povos suspeitam que se trata
de bandidos que o levaram para parte incerta.
Outra vez! Disseram-me que num cemitério
– em todos?, – cavam pouco e sepultam os mortos com pouca profundidade para
depois carregarem com os caixões e os venderem. Um casal enterrou a sua filha e
depois mandou partir o caixão para que não o possam depois vender. O pessoal do
cemitério estava bem chateado.
Vinte horas e dezoito minutos.
Confirmado: Não, não é o escape de uma motorizada, foram mesmo três disparos de
arma de fogo.
Um espírito branco. Quem me contou isto
jura que é verdade. Há várias horas
que o dia desapareceu, escureceu. Um carro com um português ao volante pára
junto de uma jovem, o português convida-a a entrar mas a jovem mostra-se
relutante. O português insiste com o português dele, ela aceita a boleia e
põem-se a caminho. Depois de algum tempo a jovem nota que o carro mudou de
rumo, sem saber onde vai parar. O carro entra num cemitério, pára próximo de
uma cova aberta do que já fora uma jazida, agora é um buraco bem fundo. O
português leva-a para dentro do buraco, a jovem muito espantada vê a sua irmã
que muito surpresa lhe pergunta: «Mana, o que é que estás aqui a fazer?» A
jovem vê muitas velas acesas no local, não consegue falar. A irmã diz-lhe:
«Estás com muito medo, não é?» A jovem não consegue responder-lhe, a irmã
passa-lhe com os dedos molhados na testa e nas faces e diz-lhe que assim pode
sair do local em segurança. Quando chegou em casa contou o sucedido aos seus
pais e pouco depois faleceu. O meu amigo acrescentou que também já temos
espíritos brancos.
Afinal o indiano foi sequestrado.
Primeiro, sob a acusação de que vendia o açúcar utilizando uma lata como
medida, quando isso deve ser feito numa balança. Andaram com ele aí pelos
bairros, especialmente pelo Cazenga a meter-lhe medo, dando a entender que iam
matá-lo. Pediram-lhe dinheiro, ele entregou-lhes algum mas recusaram porque era
pouco. Mais tarde conseguiram quarenta mil kwanzas e libertaram-no com vida. Foi
esta a informação que consegui recolher, se está certa ou errada mais tarde se
saberá.
10
de Setembro
O segurança estava em casa, o seu dia de
descanso gozava, apreciava. De súbito a sua esposa num acto de premonição
extra-sensorial alerta-o que seis bandidos se aproximam da casa para
assaltá-la. Ordena à esposa para que feche portas e janelas como se uma
tremenda praga de petróleo se abatesse como uma violenta tempestade. Dito e
certo, os seis indomáveis patifes já estão defronte da porta preparados para a
demolição. O segurança deixou um pequeno buraco na casa que só ele sabe onde
fica, por ele espreita e diz para a sua esposa: «É pá, estes gajos vêm mesmo
para me invadir. E estão todos armados!» Um dos assaltantes inicia o derrube da
única porta da casa. O segurança está armado e pelo buraco vê os assaltantes,
dá um tiro mortal num e os outros debandam em pânico. Mais tarde o segurança
foi nos polícias fazer o relato do sucedido e acto contínuo recebe voz de
prisão porque matou um assaltante em legítima defesa. O segurança replica que
eles iam lhe matar e à sua esposa e a casa pilhar. Mas os polícias
contra-argumentam que ele – ninguém – pode matar, têm que apanhar os bandidos à
mão. E o segurança foi sentenciado com vinte e dois anãos de prisão.
11
de Setembro
Não parece, mas isto está no caos. O
povo já faz debates nas ruas, depois narrarei um deles que ouvi. Sem lei!
Acabadinha de chegar, cito tal e qual: «Lá na minha empresa têm daqueles
brancos que ganham cinco e dez mil dólares e não fazem nada, passam o tempo só
a tomarem café. São amigos ou familiares dos outros brancos. Isto está uma
máfia. Um colega mwangolé segredou-nos que eles se preparam para nos tirarem os
lugares. Eles que tentem, eles vão ver!»
Mais um benefício do regime, desse nosso
melhor amigo que das 09.15 até às 11.44 horas nos lembrou que a brincadeira da
energia eléctrica ainda não acabou. Parece que está tudo bem, mas a qualquer
momento ficamos sem a tal luz. Da energia eléctrica é assim: no ano de 1997,
que até ao ano de 2012 o fornecimento da energia eléctrica ficará
definitivamente assegurado. Em 2012 que em 2014 estará normalizado. Em 2014 que
será ultrapassado e finalmente tudo devidamente estruturado e o pleno
abastecimento assegurado em 2017. E neste ano devido ao desvio das verbas só
será possível em 2020. Neste ano, depois de consultados os melhores
feiticeiros, eles passaram a premonição que em 2023 não existirão mais
problemas. Isto é demasiado primitivo, é terrorismo eléctrico. Há muitas
reclamações dos vendedores de geradores e portanto são necessários apagões
estratégicos para lembrar que geradores se devem comprar.
12
de Setembro
Sem lei! Está generalizado. Eles
consideram-se imprescindíveis. Estamos entregues à bicharada. No CEFOJOR-
Centro de Formação de Jornalistas, o director (?) viajou e não assinou as
folhas deixando os trabalhadores sem salários.
O tuga acabado de chegar de Portugal,
entrou na empresa e outro tuga ordenou a dois mwangolés que andassem com ele
como seguranças pessoais a passear por Luanda para lhe mostrarem a cidade.
O caso Oscar Pistorius. Está bem que foi ilibado da acusação de ter morto
premeditadamente a namorada, mas, acompanhei - como soe dizer-se - o
caso a par e passo. Desde os momentos iniciais e seguintes as provas eram por
demais conclusivas, o homem estava mesmo arrumado na cela, depois há este
desfecho... cada vez menos acredito na justiça dos homens corruptos porque ela
e eles parecem loucos.
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