1. O
direito à manifestação tem sido bárbara e sistematicamente reprimido em Angola,
violando, assim, um dos preceitos constitucionais que mais dá forma e
substância à democracia e aos regimes democráticos.
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2. Temos
assistido a uma muito ridícula cobertura mediática das manifestações públicas,
sempre que sejam protagonizadas por sectores ligados, directa ou
indirectamente, ao poder. Temos também assistido à diabolização – por vezes,
antecipada - daquelas manifestações inspiradas por sectores ligados às
oposições, ou então, por jovens contestatários sem partido, activistas cívicos
assumidamente críticos do poder actual.
3. Não
poucas vezes, a mídia estatal alerta a sociedade contra supostas “intenções de
agentes provocadores, movidos por uma perigosa vontade de desestabilizar o
nosso país, semeando o caos”. Logo de imediato, são “accionados” os analistas e
os comentaristas do costume, assim como figuras públicas de variados estratos
sociais e diversas vocações profissionais que emprestam, alegremente, o seu
testemunho, numa maratona de depoimentos acusatórios. Fazem questão da dar
pois, a ideia de que a pátria está em perigo de colapsar, de se mergulhar o
país num abismo infindável.
4. A dissuasão
às manifestações tem sido acompanhada de uma onda de repressão sem precedentes.
A cada nova vez, ela aumenta de tom e, também, de sofisticação.
5. De
início, os manifestantes (ou putativos manifestantes) eram previamente
molestados nas suas casas. E os que escapassem a essa moléstia prévia, sovados
no espaço público escolhido (ou nos seus arredores). Agora a moda passou a ser
“despejá-los” a dezenas de quilómetros de distância, em locais ermos ou mesmo
perigosos. As redes sociais estão cada vez mais pejadas de imagens de jovens
feridos, arrastados por indivíduos fardados ou à paisana, numa verdadeira orgia
de sangue.
6. A
última acção repressiva abateu-se sobre 3 jovens contestatários, sendo um deles
uma jovem rapariga, estudante universitária, de nome Laurinda Manuel Gouveia,
cujo depoimento têm chocado a opinião pública, pela agressividade com que foi
molestada.
7. A jovem
Laurinda Manuel Gouveia não só relatou ao pormenor o sucedido, como também
identificou parte dos agressores. Quer então dizer que não se trata de gente
estranha e de difícil localização. Os seus agressores são pessoas físicas
perfeitamente identificáveis.
8. Se as
autoridades quisessem responsabilizá-los pelo acto bárbaro cometido, facilmente
o fariam. E, inclusive, teriam provas bastantes do modo selvagem como eles
agrediram a jovem Laurinda Manuel Gouveia. Para isso, bastava visionarem os
registos que os próprios fizeram. A vítima declarou, inclusive, que alguns
deles estariam munidos de câmaras de filmagem, tendo registado as cerca de 2
horas que durou a agressão.
9. A inacção das autoridades policiais e
políticas só pode ser assumida como um silêncio cúmplice. Logo, concordam. Não
há outra forma de o ver. Num verdadeiro Estado de Direito Democrático, a
Procuradoria-Geral da República entraria imediatamente em campo, apurando as
responsabilidades que levariam à punição dos infractores.
10.
Também não se ouviu qualquer repúdio público e inequívoco por parte do partido
político que assume a governação do país. Continua a manter um silêncio
ensurdecedor, o que demonstra a sua insensibilidade quando se trata de vítimas
que não são seus apoiantes declarados.
11.
Estamos, sim, a caminhar por um trilho perigoso, dando livre curso a agentes policiais
que agem sem limites, violando os direitos mais elementares dos cidadãos.
12.
O direito à manifestação tem que ser garantido e protegido, independentemente
das opções políticas de cada um. E isso deve ser feito sem equívocos, sob pena
de virmos a pôr também em causa outros direitos igualmente plasmados na nossa
Constituição.
13.
O uso do direito de expressão e de manifestação permite avaliar o sentimento
das pessoas, da sociedade. Entre dois actos eleitorais, a sociedade que
legitimou um determinado poder deve possuir diversas formas de expressão da sua
vontade. A manifestação pública é uma delas e não pode ser negligenciada, pois
é uma forma de evidenciar a dinâmica social.
14.
Um regime que não aceita ouvir vozes discordantes, de modo algum é democrático.
Quem tenta circunscrever o regime democrático ao sistema multipartidário, está
a estimular a busca de soluções violentas para as transformações políticas. Eu,
pessoalmente, penso que esse não é o caminho certo.
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