26 de
Fevereiro de 2016
De manhã faço chá com as cascas que houver de
bananas, laranjas, limão, maçãs, mangas. Coloco-as dentro de um recipiente com
quase metade de água de um copo normal, desses com cerca de três decilitros, depois
de ferver despejo numa chávena e junto-lhe o resto que ficou no copo de água.
Adiciono uma colher de chá com açúcar, se o houver porque aqui na cantina está
a seiscentos kwanzas o quilo.
Hoje almocei arroz com arroz. Graças ao Mpla a
nossa fome é certa.
Algumas vizinhas disseram que o jantar delas
será pão com chá, hoje algumas, amanhã e dias seguintes muita gente.
Imaginem um país com uma população analfabeta. É
como viver na Idade da Pedra.
Desabafo de uma mulher-polícia: «Quem me dera
ser outra vez criança, davam-me tudo, brincava à vontade. Suspira e continua:
do que aturar as tristezas da terra.»
De um segurança, dos que seguram as corruptas
riquezas dos outros porque a fome ninguém a segura: «Nas casas das minhas três
mulheres há muita fome. Não têm nada para comer.»
E o nosso governo sempre atento às necessidades
mais prementes da população, criou mais um ministério – são tantos, tantos que
esvaziam os cofres públicos – chamado de Ministério da Família e da Promoção da
Fome.
O mistério dos 54,73 Megabites. Tinha
este saldo na minha pen drive da Unitel de acesso à Internet. Quando liguei a
pen drive… não tinha saldo. Creio que estamos de regresso ao tempo em que os saldos
residuais dos telefones desapareciam. É só negociatas.
27 de Fevereiro
Os conselhos do grande escritor Ray Bradbury, (1920-2012)
do Fahrenheit 451. “Bradbury não foi para
a faculdade, porque ele não tinha dinheiro para isso. Entretanto, ele ia para a
biblioteca religiosamente e lia tudo o que podia pegar; ele informa que se
“formou” da biblioteca com a idade de 28 anos. A próxima coisa que Bradbury
recomenda é que você despeça todos aqueles amigos que não acreditam em você, e
que zombam de suas aspirações de se tornar um escritor. Se alguma garota não
gosta do que você está fazendo, Fora de sua vida! Se seus amigos zombam de
você, Para o inferno com eles. Fora! Eu passei três dias por semana, por 10
anos, educando-me na biblioteca pública, e isso é melhor do que faculdade. As
pessoas deveriam educar a si mesmas – você pode obter uma educação completa por
zero de dinheiro. Ao final de 10 anos, eu tinha lido todos os livros da
biblioteca e tinha escrito mil histórias. Você não pode aprender a escrever na
faculdade. É um lugar muito ruim para escritores, porque os professores sempre
acham que sabem mais do que você – e eles não sabem. Eles têm preconceitos.”
28 de Fevereiro
Para os nossos presos políticos, para todos os
presos políticos.
“Eu o alertei, Leonardo, (Leonardo da Vinci,
(1452-1519) sobre passar dos limites. Você pensa que a vida é um jogo, mas os
chacais de Roma já decidiram seu destino. E como têm influência na multidão,
vão deixar-lhe apodrecer na cela até que seus sentidos já reduzidos sejam todos
corroídos. … Quanto mais atrasarmos este processo, mais envergonharemos Lorenzo
(Lorenzo Medici, chefe da cidade. Os Medici eram poderosos banqueiros de
Florença, gastaram muito dinheiro na arte e no suporte financeiro a muitos
artistas.) perante o povo. E quanto mais da Vinci apodreça na cela, mais sua
mente se degenerará e mais culpado ele parecerá … regimes moribundos debatem-se
dramaticamente na sua agonia.” In Da Vinci’s Demons. Quinto episódio da série
televisiva, primeira temporada.
29 de Fevereiro
Hoje consegui juntar ao arroz algumas rodelas de
chouriço.
Perante tanta injustiça, muita justiça há para
fazer.
Ainda me lembro do meu filho quando há vários
anos foi parar no Hospital Josina Machel, em Luanda, para uma transfusão de
sangue, devido a febre tifóide, hepatite e paludismo, salvo erro era isso tudo.
Não havia sangue, a coisa estava a ficar muito preocupante, até que alguém sussurra
que há sangue sim senhor e que bastam dez mil kwanzas. E assim foi, mostrou-se
o dinheiro, o sangue apareceu e o meu filho salvou-se.
01 de Março
O arroz continua a sua marcha triunfal, estomacal
e graças, porque se não fossem as netas que carregaram com um saco de 25
quilos, nem isso teria.
Estou convicto de que brevemente Angola
conquistará o muito merecido prémio do país mais corrupto do mundo.
Quando alguém está no erro, e chamando-lhe a atenção
nele teimosamente persiste, não há nada nem ninguém que o possa salvar. E
quando se trata de um governante essa persistência no erro arrasta funestas
consequências, um infindável cortejo de mortos.
02 de Março
A miséria, a grande inspiradora e grande
conselheira da fome. Não se vê, nem se verá melhorias. Graças a uma vizinha,
hoje juntámos ao arroz o peixe que ela nos deu. Os dias são muito tristes, só
penso em bazar porque corro o grande risco de morrer por aqui à fome.
E os partidos da oposição continuam com a sua
intervenção ocasional sobre as aflições do povo angolano. De vez em quando na
Rádio Despertar atiram umas bocas e vão-se embora. Não entendo o porquê desta
oposição “burra” não conseguir fazer um comício sobre a fome.
“Defendida expansão do ensino superior e mais
emprego para a juventude.” Li isto na TPA, a televisão partidária de Angola.
Mais parece propaganda hitleriana. Ainda falta muito para isto acabar?
03 de Março
Os custos de produção não suportam o preço de
venda e Angola armazena petróleo à espera que o preço suba. O armazenamento
está a chegar ao fim e os poços de petróleo a fecharem. E totalmente dependente
do petróleo, a corrupção que o diga, não será possível, pior, isto é, já não dá
para sobreviver no capim de Angola. Preparem as malas pois está na hora de
bazar. Ou muito pior dito: o fim da grande catástrofe está a um passo. Perante
o descalabro económico, financeiro, social e político, creio que haverá mais
uma ponte aérea para evacuar portugueses.
O jornalista da Voz da América, VOA, Manuel
José, quando em serviço no zango 1, Viana, arredores de Luanda, foi confundido
com um marginal. Apesar de dizer que se podia identificar, algemaram-no e
levaram-no para a esquadra da polícia e lá ficou uma hora considerado como um
marginal altamente perigoso. As autoridades descobriram que foi preso por
engano e soltaram-no com pedidos de desculpas. Há um ano que tal aconteceu,
escreveu para todos os órgãos de justiça e outros da comunicação social, só o
silêncio da justiça de olhos vendados lhe respondeu. A VOA transfere os seus
salários dos EUA para um banco angolano, mas desde Novembro de 2015 que não os
consegue levantar porque o banco alega sempre que não tem divisas. Fez um teste
para levantar 10 dólares, mas nem mesmo assim conseguiu. Mudou de banco, mas
ficou pior. Os bancos querem-lhe obrigar a converter os seus dólares em kwanzas
ao câmbio oficial, mas na rua há dólares e nos bancos não. In Rádio Despertar.
Sem comentários:
Enviar um comentário