«Um país “descobre” que falta energia, e organiza-se
de última hora um sistema de racionamento energético, como se o abastecimento e
o consumo de energia não fossem previsíveis. Isto depois de décadas de
incessante martelamento publicitário incitando-nos a comprar maiores
geladeiras, aparelhos de ar condicionado e outras formas de maximização de
consumo energético. Os Estados Unidos “descobrem” que estão chegando ao fim das
suas reservas de petróleo, e se lançam em aventuras militares, quando todo o
seu modelo foi organizado na promoção do uso perdulário da energia, inclusive
como fator de “status” social. Os países produtores de petróleo contabilizam a
venda dos seus recursos como se fosse produção, fator de aumento do Pib, quando
na realidade estão vendendo hoje os recursos que faltarão às próximas gerações:
a conta dos recursos naturais dilapidados não entra na contabilidade nacional.
Os residentes de uma região não são informados sobre o uso de agrotóxicos que
podem estar contaminando os lençóis freáticos, gerando doenças, reduzindo o
valor dos seus imóveis: pelo contrário, os agrotóxicos só entrarão nos nossos
sistemas de informação aumentando o Pib dos produtores.»
In Informação para a cidadania e o desenvolvimento sustentável.
Ladislau Dowbor
http://www.dowbor.org/
Os morcegos e especialmente
os corvos vigiavam. Poisavam nas varandas, nas janelas,
nos postes
da quase meia centúria escura iluminação.
As baratas, os ratos
e as aranhas entravam nas casas atentas
a qualquer comida
que chegasse. Por imposição clerical os
esfomeados rezavam em voz alta.
- Meu Deus, por favor acaba depressa com a reunião
deles!
As crianças
destemidas devido à sua
inocência pediam feitiços.
- Faz-me um feitiço para ter
uma boneca muito
bonita!
- Faz um feitiço para que
não vá mais
à escola!
- Tenho fome, quero um
feitiço com muita comida!
Um descasebreado pegou numa espingarda
e disparou para um
corvo. Preparou o fogareiro.
A ave ficou bem
assada acompanhada por
quase um quilo de jindungo. No fim da refeição é que foram elas.
Uma chuva de corvos
e morcegos invadiu-lhe a casa. Os bicos
das aves nos
corpos pareciam ferros
em
brasa. Foi para a rua e gritou:
- Tetézinha, atira tudo
cá para baixo
incluindo os filhos! Porra! Estes feiticeiros
não são
para brincadeiras!
Como alternativa de
refúgio escolheram a igreja. O padre surpreendeu-se pela
repentina aparição
de tantas almas.
- Não vão trabalhar? Estão à espera do fim do mundo?
- Salva-nos por
amor de Deus, liberta-nos dos
feiticeiros!
Um polícia chega. Até ao momento não
conseguiu lixar a vida
de ninguém. Irá para
casa com
as mãos cheias
de fome. Ouve o barulho
de aves no cimo
da igreja. Vai ao carro
e retira uma carabina
de cano curto.
Não é a ideal
para tiro, mas vale a pena tentar, sempre se consegue algo
para comer. Aponta a arma, dispara e
um corvo
cai quase aos seus
pés. Acto contínuo, os crentes que
estavam em oração
profunda, assustam-se e pensam num castigo de Deus,
abandonam a igreja incluindo o padre. O polícia surpreso
olha para a multidão. Pensa
em pedir reforços. Depressa
vê o erro que cometeu. Atrapalhado confessa:
- Pensei que
fosse outra ave! Alguém
a quer?
- Seu parvalhão!
Isso era
uma ave disfarçada de feiticeiro. Fujam enquanto
temos tempo.
O polícia não sabia o que
fazer. Foi ensinado desde
criança a temer
o feitiço. Aliás
na sua família
eram todos feiticeiros.
Achava que tinha
que dizer algo. Era esse o seu dever.
- Hum! Essa igreja
deve ser uma célula
da Al-Qaeda. Esta cidade parece a capital do terrorismo
internacional.
Epok sentiu o que
restava da sua alma ao vibrar
com a informação
do marquês das Epidemias.
Além das existentes, outras mais poderosas estavam para chegar.
Meditou: É certo
e sabido que
somos demasiado desumanos
com os nossos
súbditos. Achou que o rei devia tomar medidas para que acontecimentos
demasiado notórios
não acontecessem jamais.
Sob pena
de uma revolta protagonizada pelos mais pacíficos. Quando
estes se revoltam não
há quem os segure.
Capítulo
XVII
A Misse
Zungueira
Um Frequentador das cantinas
de rua sentia-se orgulhoso
em estar com
os seus amigos
e olhar para a devastação à sua
volta. Um
imenso cemitério
de garrafas e latas vazias que poluíam o chão.
Quase não
se podia andar, sob
risco de tropeçar
numa delas, e a queda inevitável,
desamparada, sem sobriedade
traz sempre imprevistos.
Aí umas oito
bonitas zungueiras em fila passam como se estivessem num concurso
de misse. O Frequentador aborda-as:
- Ó bonitas… venham cá!
- Diz lá.
- Vamos fazer um concurso de misse zungueira.
- Ah! Vamos embora, esse está bêbado!
- Estou a falar verdade. Vá, desfilem aí
uma de cada vez.
O prémio para quem
ganhar é mil
dólares. A segunda classificada,
quinhentos, e a terceira duzentos.
Consultou os amigos
e estes concordaram. As zungueiras
desconfiadas criaram uma comissão de inquérito e depois convocaram uma reunião. Poisaram os alguidares
no chão. Sentaram-se à sua volta para evitar os roubos. A conclusão foi rápida,
não é como
as reuniões dos partidos políticos que nunca mais
acabam. Andar um
dia inteiro
para nem conseguir cem
kwanzas e ganhar o que
os bêbados ofereciam sem trabalhar era tentador. A
porta-voz das esfomeadas e sem casebres
falou:
- Está bem, mas primeiro
passem o dinheiro.
- Não, depois fogem com
ele!
- Não
fugimos... Ah! pá... Vamos embora!
- Está bem, está bem, está aqui
o dinheiro.
Improvisaram uma passarela.
Elas passearam, riam muito, estavam muito contentes.
O dinheiro já
estava seguro nos seus sutiãs. Achar
a vencedora foi fácil. Era a única que tinha uma saia muito
curta e os seios quase
nus.
Recebeu uma salva
de palmas da assistência.
Preparavam-se para sair a
correr. O Frequentador impede-as:
- Ó misse
zungueira vem cá!
Indecisa e desconfiada
guardou uma prudente distância.
- Fala amigo!
- Se desfilares
de sutiã e biquíni ganhas mais
mil.
O Frequentador consultou os bêbados
que gulosos
de prazer encorajaram e concordaram. Ela aquiesceu, claro:
- Por esse dinheiro até desfilo nua… passa aí esse mambo.
Como o sutiã e o seu
biquíni estavam uma vergonha, não imaginam as
dificuldades crescentes para conseguir água, pediu às suas
amigas que lhos emprestassem. Abriram os
panos que
serviram de protecção. Trocaram as roupas.
Um bêbado
reclamou:
- Falta uma coisa. Onde se viu
uma misse desfilar
sem sapatos
altos?!
Uma jovem amiga
da assistência tirou os sapatos e
emprestou-os à miss zungueira. A multidão
crescia para assistir ao insólito espectáculo. A misse
apresentou a sua beleza
à multidão que crescia barulhenta. O
Frequentador faz-lhe nova proposta:
- Cinco mil… se desfilares
nua!
- Passa já o
dinheiro!!!
- Calma aí!
Vira-se para a multidão, e pede-lhes que
façam uma colecta porque vai aparecer nua. Muito rápido o dinheiro é
recolhido. A misse zungueira passa na passarela
a correr. A multidão já demasiado numerosa protesta.
- Queremos o nosso
dinheiro de volta.
Queremos sentir, ver a alma do material
Jingola!
Ela volta e
passeia com lentidão. Nestas ocasiões
solenes sempre algum nervosismo
apodera-se dos presentes.
- Não estou a ver nada!
- Deixem-me ver porra!
- É muito
cabeluda parece que não
tem racha!?
A coisa pegou a sério. Nas outras cantinas
de rua criaram-se concursos
semelhantes. Tornava-se necessário
existir um órgão centralizador. Numa reunião
geral o Frequentador propôs a criação do Comité Miss Jingola que
foi aceite. Os prémios subiam. Criou-se
um comité especial que
circulava pelas ruas a observar
qual era
a zungueira mais bonita.
Tinha um
prémio de mil dólares. O desfile passou a ser semanal. Nas cantinas
de rua o prémio chegou a subir até aos cinquenta
mil dólares. Aboliu-se o desfile nu porque
as desgraçadas chegavam em casa e apanhavam surra dos maridos
e namorados ciumentos, entretanto bêbados
com o dinheiro ganho nos concursos. No fim
de um concurso
alguém propôs à vencedora que no futuro
contavam com o patrocínio de um casebre. Ela
não concordou e até protestou indignada:
- Dessas da nova
vida, dos zangos e da patriotada que
acabaram de ser construídas e estão a cair
aos bocados… não!!!
Então as zungueiras puseram-se mais bonitas que nunca. Sempre à espera de um prémio. Metiam inveja a muita boa gente da nomenclatura. O Comité entrou em contacto com
outros países
para criar o Miss
Zungueira Universal. Todas queriam participar,
esfomeadas não faltavam, especialmente as do Níger, Sudão, Mali etc, etc. Era óptimo para mostrar a verdadeira beleza da
Mulher Jingola. Todas se preparavam com ansiedade para disputarem o
concurso e ganhar a coroa Universal.
A marquesa das Mulheres
Abandonadas levou esta pretensão ao cavaleiro Epok. Pediu-lhe a opinião.
- Nobre Epok,
estas gajas estão a ir longe
de mais, que lhes faço?
- Nobre
marquesa, acha que
devo preocupar-me com isso? É apenas um assunto de
mulheres… decidam vocês.
- Cavaleiro… estou aqui
em nome
da centralização dos poderes!
Imagem: portaldoprofessor.mec.gov.b
Sem comentários:
Enviar um comentário