Exceptuando-se
a corrupção, nunca tão poucos entenderam de mais nada.
Conta-se
que um mais velho, perguntado sobre o porque é que ninguém reage
contra tantas situações
escandalosas no domínio
da moral público-política em Angola, ele terá sentenciado o seguinte:
− Meu filho, Angola está hoje como uma loja assaltada por um
pistoleiro. A loja é única do bairro e o pistoleiro meteu tudo num
grande embrulho, mas de forma tão
desajeitada que à medida que vai arrastando o grande saco, alguns produtos vão caindo, para os quais todos se atiram para
garantir um mínimo de subsistência para os próximos dias; em vez de arriscarem a levar um
tiro do gatuno ao tentarem agarrá-lo. In
Marcolino Moco
Na
casa da eterna bandeira, permanecia inadiável discussão entre mãe e filho sobre
quem é que deveria ter direito ao uso exclusivo de bandeira naquela casa. É que
a mãe gostava de uma bandeira com uma estrela negra, e o filho, de outra com um
galo que despertava um sol fervente. E claro que não se entendiam, muito pelo
contrário, a mãe decidiu-se, como era da praxe, pelos rumos da nova vida de uma
só bandeira, um só partido, um só povo, e também da outra bandeira das
responsabilidades acrescidas, e de outras corrupções.
A
mãe garantia que a experiencia de luta adquirida pelos patriotas do partido da
única bandeira conduziriam o navio e do que restava da sua ferrugem naval,
outra vez e sempre pelos mares da liberdade, da independência, rumo ao homem
novo. E que para isso só um partido é mais do que suficiente para atingir o tal
desiderato.
Mas
o filho já cansado - e quem é que não o estava? - de escutar durante
incontáveis anos sempre a mesma sinfonia com os mesmos executantes e também
sempre com o mesmo maestro, onde qualquer um fica estarrecido e apela à manifestação,
e até, como alguns, à desordem, e um ou outro à guerra, o filho, apresentava
como num debate os seus argumentos: «Mãe, a minha bandeira do alvorecer vai
ganhar as eleições, porque essa tua bandeira da estrela já lhe secou a luz,
dela só restam alguns príncipes das trevas que nos consomem os anseios da
liberdade. Ademais, essa bandeira actualmente é o símbolo da corrupção. Quando
se olha para ela, vêm-nos à mente tudo o que é miséria, corrupção, arrasar de
casebres, espoliação de terras, desemprego, falta de água, luz … escravos dela
e dos seus amigos estrangeiros, etc., etc.» Mas a mãe, como os férreos
seguidores de uma religião que obriga os seus fieis a oferecerem em holocausto
as suas vidas, apertava-lhe como numa visão mística, numa profecia: «Meu filho,
bandeira com um só coração não se pode dividir com mais nenhuma… já viste o que
é quando um coração se parte em dois? É um grande sofrimento para a alma. Nós,
no nosso querido, amado e idolatrado partido leninista da ainda oprimida classe
operária, isso da classe camponesa ainda teremos de reencenar uma luta pela sua
liberdade, porque as cooperativas parece que acabaram e os produtos hortícolas
e os campos definitivamente murcharam, mas meu filho, aviso-te solenemente que
não quero... tira-me daqui essa PORRA DE BANDEIRA DO GALO!!! OUVISTE???!!!
E
o movimento dos citadinos, a gíria generalizada dos jornalistas dos nossos
órgãos de informação sem excepção, fazia-se sentir multicolorido, também outra
gíria dos nossos consagrados lentes das penas, arrastava-se pela rua da centralidade
da tribo da casa da bandeira eterna. O horroroso barulho de chineses instalados
nas traseiras dos edifícios arruinados, que sem problemas, agora Angola é deles
e de todos os estrangeiros, que com uma máquina serram tubos de ferro, isto
porque os mwangolés não são capazes de o fazer, garantem os nossos amigos do
império asiático, e como chinês trabalha de dia e de noite, imaginem a poluição
sonora e ambiental que se instalou em Angola. E os chineses, como mais um dos
milhões de produtos importados, assentam arraiais, e transformam as traseiras
das nossas residências em oficinas com o apoio incondicional das nossas
estruturas das mais-valias. E via-se claramente um chinês a mijar com tão
grande à vontade, para quem o quisesse apreciar, como um cartaz de publicidade
pornográfica de baixo nível, que se juntava que festejava a restante imundície
acumulada.
Ouvia-se
também o estridente escape de alguns geradores também instalados nas traseiras
do que antes era propriedade angolana e agora espoliada. O barulho e o fumo
tóxico não têm problemas, vale como lei, porque os dirigentes sentados na eternidade
dos seus cadeirões imperiais, há muito que não sabem, desconhecem por completo
que afinal Angola tem povo. Mas a palavra de ordem é acabar com tudo o que
ainda se chama de população, apenas os ratos, as baratas e as moscas lhes resistem,
até ver. Angola não é dos angolanos, é da tribo de uma só bandeira.
E o
lugar-comum da vozearia de quem já foi assaltado, o prato da manhã, da tarde,
da noite, enfim, de todos os momentos, entrava-nos pelos ouvidos como se
perseguidos pelo inferno. E os fortes sons de bater com tampas de panelas, ou
algo similar, escutava-se, informando que a uma mamã já lhe raptaram o filho. E
com ou sem polícias os motoqueiros rasgavam, ultrapassavam os instrumentos
medidores de som com os seus loucos escapes drogados pelas mais violentas
drogas conhecidas e desconhecidas. E como se não bastasse, ouvia-se mais um som
de um motoqueiro especial, o batedor do trânsito da escolta presidencial assinalando
que a maratona do cortejo presidencial se aproxima. O terror apodera-se de nós,
porque não é imaginável que alguém ouse fazer um gesto qualquer, porque se
arrisca a levar um tiro, enfim, coisas da democracia. Mas, os esclarecidos
dirigentes da bandeira publicitavam, decerto por engano, na sua imprensa
particular que: «Está tudo sob controlo.»
E
perante a intransigência do seu filho e da sua bandeira, a mãe, extremada
zeladora da sua única bandeira queixou-se nos seus amigos e amigas do seu
coração, e muito rápido, quase à velocidade da luz, chegou um pelotão de
execução, uma chusma que cumprindo desordens superiores, atiraram-se como
piranhas sobre o traidor salafrário da causa do povo angolano. E tanto lhe
batucaram, lhe amassaram que o aniquilaram e mais à sua bandeira. E dentro da
maior impunidade que a caracteriza, a estrela da bandeira de um só partido
sorriu por mais uma missão cumprida.
E
logo de seguida, como que já de antecedência programado, noticiou-se de lés-a-lés
nos órgãos que só falam a verdade:
Conselho
da Revolução. Decreto 001/CR/12.
Convindo
harmonizar, legislar, o uso de bandeiras e camisolas dos partidos políticos,
este CR decreta e promulga o seguinte:
1 – Doravante, qualquer
partido da oposição que deseje utilizar as suas bandeiras ou camisolas, terá
que solicitar a este CR através de requerimento, acompanhado da quantia
monetária de dois mil dólares que servirá como caução para despesas de
expediente, porque este processo é longo e demorado. Pois que terá de subir até
ao nosso chefe supremo da revolução. A coisa, a autorização
demorará pelo menos um ano até à sua implementação. Mas não desesperem, porque
as coisas revolucionárias são mesmo assim.
ÚNICO:
O
único partido que está autorizado a utilizar camisolas e bandeiras, é o da nossa
vanguarda eterna, aquele partido que conduz os destinos desta portentosa Nação
até à vitória final e suas consequências.
Quem
não cumprir este desiderato decretado será de imediato espancado até à morte,
sem poder recorrer, como é óbvio, às instâncias policiais e judiciais.
Está
isento de recurso ao Tribunal do Supremo Conselho da Revolução.
E
logo um serviçal bajulador tratou de organizar em regimento militar a voz destemperada
da sua informação nacionalizada.
E
a evolução da nossa revolução dos 32 biliões segue o rumo imparável de mais
outros 32 biliões. E contra 32 biliões ninguém luta. A nossa revolução não é
corrupta, os revolucionários é que são corruptos.
Não se é revolucionário
por vontade própria, mas por certidão de nascimento. E
nas nossas fileiras os nossos militantes ao nascerem portam na pele a gravação
das letras do nosso imortal partido. Os nossos também imortais líderes
guiam-nos, mostram-nos o caminho do sucesso revolucionário dos nossos camaradas
e amigos de luta da Coreia do Norte. Onde existir um revolucionário há
revolução, e quem portar uma bandeira com cheiro a galo, vai apanhar até se finar.
E porque estamos
enxameados de revolucionários, dispensamo-los definitivamente porque os
corruptos ultrapassam-nos.
E
apontaremos os nossos canhões para os militantes de outros partidos com
bandeiras que serão canhoneadas, e os nossos homens dos canhões devidamente
honrados com a medalha de herói nacional da pancadaria.
A
nossa luta é dirigida contra todos aqueles que não comungam com os nossos
ideais de liberdade e de democracia.
A
nossa estratégia de combate é a seguinte: primeiro, aniquilar a bandeira do
cantar de galo, o nosso inimigo principal. Segundo, na lista negra, o partido
da banda desenhada, nome dado pelo partido da nossa estrela, depois… os outros…
é muito fácil, basta um sopro das nossas forças que estão há muito preparadas
no terreno.
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