«Uma vez mais, como frente à
globalização de uma parte da economia não se desenvolveram as correspondentes
capacidades mundiais de política econômica, setores inteiros da economia de um
país podem ficar inviabilizados por produtos importados incomparavelmente mais
baratos, ou a poupança arduamente acumulada de uma sociedade pode evaporar sob
o impacto de algumas iniciativas de especulação financeira. É importante
lembrar que o processo caótico de globalização que sofremos gera regras únicas
para realidades desiguais, confrontando economias onde se trabalha 12 horas por
20 centavos a hora, com outras onde se trabalha 7 horas com remuneração de 20
dólares por hora, para mencionar só este fator.» In o que acontece com o trabalho? Ladislau
Dowbor
dowbor.org/
Armazéns, estabelecimentos,
lojas, o que
resta de fábricas,
sofrem uma grande pilhagem.
O pretexto era
sempre o mesmo:
- Alimentos impróprios para consumo, ou
bens com defeitos
de fabrico.
A vida no reino pára. Não
há comida, não há nada. Roubam camiões,
carregam-nos e dirigem-se para a Namíbia. A fila é imensa.
Conseguem passar nas calmas.
É tarde quando
Epok ordena prender os chefes. Estes já estão bem escondidos nos paraísos fiscais a gozarem os rendimentos na companhia
de mulheres de ocasião.
Nem o dinheiro
disponibilizado para os gastos
do Exército Real
Anti-corrupção escapou. Foi o maior roubo da história do reino. (Foi isto que originou os nossos novos-ricos)
Capítulo XIX
Os
congressos
Em Jingola, o que um faz os outros copiam. Então, começa
a moda dos congressos.
Agora é a vez
do Congresso dos Alcoólicos
Petrolíferos.
Epok gostava de beber o seu copito. De vez
em quando
embebedava-se, mas disfarçava muito bem.
Dizia que estava com
paludismo, que
lhe doíam as costas,
que lhe
doía a cabeça, que
não sabia o que
tinha, ou
que desconfiava que
tinha sido enfeitiçado. Declinou o convite que lhe apresentaram com
a desculpa que tinha
deixado de beber.
Agora que a moda pegou, e no reino
imitam tudo o que
vêem, surgirão congressos por todo o lado. Como as lanchonetes e as cantinas.
Patrocinadores sobravam. Eram todos
do reino português. Não
patrocinavam comida, só bebida. Era obrigatório
levar bebidas
de todas as marcas para dar
um ambiente
salutar, acolhedor e turístico... que revelasse o nosso folclore e a nossa
identidade cultural actuais. As crianças,
futuras continuadoras da grande revolução alcoólica,
incentivavam-nas a beberem com à-vontade. Pelo menos seis ambulâncias
aguardavam impacientes com os motores prontos à espera dos motoristas que os acelerassem. Como era festa
nacional a população foi convidada a participar. No exterior colocaram-se torneiras. Quem
quisesse beber o seu
copo bastava aproximar-se. Havia um grande cartaz: AMIGO DO COPO É
NOSSO AMIGO. Outro dizia:
EM
CASA DO BÊBADO HÁ: COMIDA. FELICIDADE. SAÚDE. RIQUEZA
O Grande
Destilador enfrenta os convidados,
atira-lhes o seu discurso:
Como resolver problemas no lar?
Beber uma caixa de cerveja,
chegar em casa e dar uma grande surra na esposa e nos filhos.
Como perder amizades?
Beber muito todos os dias.
Como perder o medo de falar com o chefe?
Beber uma garrafa de uísque. Virá uma coragem que nunca mais acaba.
Exigimos subvenções
para bebermos. As bebidas
estão muito caras.
É por isso
que nunca
temos dinheiro.
Quando algum trabalhador aparecer no local de trabalho bêbado, será tratado
como herói
do trabalho.
Quem conseguir beber três dias e três noites sem parar, terá direito a
enterro no Panteão Real.
Existem poucos locais de venda,
queremos mais. Isto
é o caminho de Deus.
Bebam sempre. Andem, tendo por companhia
uma garrafa. Droguem-se à vontade.
Comprem armas que
disparem bebida. Suicidem-se quando quiserem.
O congresso durou
apenas três
horas porque
ninguém aguentou mais.
O álcool encerrou os trabalhos. As latas,
garrafas e garrafões
vazios eram de tal
monta que
parecia uma grande maré, um maremoto
vindo do sem mar.
Epok preparou-se, rejubilou com
o aniversário do rei.
Para os festejos são criadas dezassete comissões
organizadoras nos vice-reinos. No reino são às centenas.
Todos os funcionários
do reino e das empresas
reais aguentarão dois meses, ou mais, de atraso
nos seus
vencimentos para
que nada
falte. Suspender-se-ão as obras em curso,
incluindo as mais prioritárias. Desviar-se-ão
as suas verbas
para o grande acontecimento.
Afinal é apenas
uma vez por
ano. Obrigar-se-ão todos a participarem.
Organizar-se-ão grandiosos torneios com os
melhores cavaleiros
do mundo. Uma semana
de maratonas para
que os esfomeados e alcoólicos
se lembrem do seu rei.
As comissões organizadoras ficam
dispensadas da apresentação de contas.
O nobre Epok recebe um
convite da empresa, Única Carga Real,
para uma visita.
Não tem nada
de extraordinário porque
tudo foi montado
pelo reino
sueco. Foi chegar, sentar
e trabalhar. O nobre
marquês, dirigente máximo recebe-o. Entra no departamento
das finanças e pára, sente-se incomodado.
As portas, os computadores, a alcatifa muito peluda… é tudo de cor negra. Os trabalhadores também são negros. Como se
não bastasse, o chefe
usa óculos
muito escuros.
Tem no seu gabinete
um quadro
grande com
uma fotografia em
que aparece a mexer
num teclado de computador negro. Epok pede
esclarecimentos:
- Isto é humor negro?!
- O carro do chefe também é negro.
- A alcatifa muito
peluda provoca electricidade estática!
- Até agora ninguém
sentiu nada.
- Só faltam flores negras.
- Andam à procura
delas.
- Nobre marquês
máximo… porquê?!
- É por causa do feitiço.
Capítulo XX
Diário do
Reino
No vice-reino do Namibe, provenientes de um navio que encalhou, oito
toneladas de açúcar impróprio
para consumo são
despejadas algures no deserto. Milhares
de esfomeados correm na sua direcção como se fosse uma mina
de oiro. Alguém alerta uma jovem:
- Esse açúcar está contaminado, não
sabes que podes morrer?!
- Nós temos muita fome,
comemos tudo o que
aparece.
- Não tens medo de morrer?!
- Vamos comer, se não morrermos é porque
não faz mal.
- Quantos sacos já
apanharam?
- Eu apanhei dois, a mamã quatro,
a tia oito
e o papá dez… né?!
- Hummm! Hummm!
- E o que é que vão fazer com o açúcar?
- Vamos vender e fazer bebida. Temos muita
fome, muita
fome!
Os engenheiros
chineses avançam com as suas máquinas para a construção do novo aeroporto de
Jingola. Protegidos por polícias e militares arrasam as lavras
dos camponeses. Estes surpreendidos
reclamam. Mas nada
conseguem fazer perante
tal aparato.
Com generais
e militares não
parece um aeroporto
civil, parece uma gigantesca unidade
militar.
Mais oitenta e quatro
jovens que
se dedicavam ao roubo são capturados pela polícia.
Um repórter pergunta-lhes:
- Mas roubam porquê?
- Porque não conseguimos trabalho. Como precisamos de comer,
temos que roubar.
Uma empresa de diamantes não assume os compromissos
com os seus
trabalhadores. O jornalista interroga um
deles:
- O que é que se passa com vocês?
- O director não
nos paga
há dois meses. Além
disso nunca nos
pagou os subsídios. Queremos falar com ele, em resposta diz que
está à espera de visitas.
Criámos uma comissão sindical. Como represália
despediu dez. Agora
vamos fazer uma greve
geral
Estudantes cansados pela
espera de seis
meses para obterem o passe
que lhes
dá acesso ao transporte
público, fazem vigília
no pátio do Marquês dos Cofres Gerais.
Estão cansados e fartos de serem
aldrabados.
Quinhentas vítimas
dos massacres da Baixa
de Cassanje farão uma manifestação com início no largo do Quinaxixi às dez
horas, até
à embaixada do reino português para reclamarem as
indemnizações. O Vice-rei da capital não autorizou.
Um general, nas traseiras
de dois prédios montou ferros e colocou cortinas verdes
para esconder o que
lá se passa.
Mas o que
é que lá
se passará?
Ocupou as traseiras
de outro prédio,
e construiu até ao terceiro
andar um
edifício. Mas quem é que manda no reino?! Quando chover
e sem acesso à luz solar, como emparedados, os vizinhos
sofrerão muito, e quando incendiar arderá à vontade porque fecharam os acessos.
Tentamos sobreviver como
toda a gente.
Vamos trabalhar e ninguém nos quer pagar. O reino
está nas mãos de aventureiros
que sugam tudo
o que resta.
Fazemos o nosso trabalho e ficamos eternamente à espera do pagamento.
Já disse à Lwena para vendermos a casa
e fugirmos para outro reino, talvez o português, senão morreremos aqui à fome. Ela é teimosa, prefere vender
cigarros, guloseimas
e gasosas. Temos que pagar
a conta da luz
e ainda não
conseguimos dinheiro. Vamos ficar
às escuras. O pouco que
consegue com as vendas
que faz, não
chega para nos alimentarmos convenientemente.
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