sexta-feira, 6 de julho de 2012

AS CINCO MAGNÍFICAS (01) Contém cenas eventualmente chocantes




Prefácio

Ilha do Mussulo, Luanda, Angola.
A Ilha do Mussulo era, já não é, o local adequado para aventuras piscatórias, e o paraíso perdido de Adão e Eva. Recordo-me quando entrava pelas Palmeirinhas, e depois feria-me nos mangais para pescar alguns pargos e roncadores. Ou quando entrava pelo embarcadouro, o barco que nos transportava acabava a deslizar na areia, na praia. Areia muito fina que ao caminhar, facilmente deixava enterrar os pés. Sentava-me, preparava a minha cana de pesca, e aguardava que algum peixe distraído ficasse no anzol. À minha esquerda e direita via o ondular dos coqueiros porque a brisa marítima sempre assinava o livro de ponto… ondulavam satisfeitos pelo convite do vento. A água era transparente, via-se o fundo como que apregoando silenciosamente, a convidar, que podia mergulhar à vontade. O silêncio era quase absoluto.
Depois chegaram os nostálgicos, os continuadores da gloriosa Revolução Francesa. Confiscaram, e edificaram construções porque entendiam, entendem, que assim é que ficava, fica bem. Acabaram por privatizar o que não lhes pertence. Esse pedaço de terra que sempre foi livre, hoje perdeu a sua liberdade. Nalguns locais, ou quase todos, construíram muros, fortalezas, acabando com o que é pertença de todos. Já não se pode caminhar na margem, porque os donos do mar têm seguranças privados. Os donos da vida fácil insistem em tornar-nos a vida difícil. Três dias de bebedeira e quatro a dormirem. Assim se passam os sete dias da semana.
Nos tempos áureos revividos, da magia “mussológica”, conheci um inglês que lá me contou episódios, creio que interessantes, da vivência que manteve com algumas das nossas beldades. E aproveitei para reportar a prostituição, a vida fácil, que na realidade é a vida difícil.
G.G.

CAPÍTULO I
A TEMPESTADE

Recebi um convite para passar o fim-de-semana na Ilha do Mussulo. Já navegávamos no barco de recreio. Na realidade era quase um pequeno iate. Tinha dois motores fora de borda, para no caso de um falhar, entrava o outro em funcionamento. Zarpámos do clube militar. A bordo iam apetrechos de pesca suficientes para uma boa pescaria. Os víveres aguardavam-nos devidamente armazenados nas instalações em terra.
A distância não era longa, por isso rapidamente chegámos ao nosso destino. O barco ficou na margem seguro por uma corda amarrada num pequeno pilar em terra, construído para o efeito. O fim do dia aproximava-se. No horizonte surgiam nuvens muito escuras. Voltei-me e do lado contrário era a mesma coisa. Parecia que a noite seria regada por uma grande tempestade.
Fui convidado por três amigos a instalar-me confortavelmente. Enquanto arrumávamos algumas roupas e artigos de higiene pessoal que retirávamos dos sacos que transportámos, notei que o vento aumentava de intensidade. A noite preparava-se para uma grande chuvada. Os meus amigos eram sócios de uma empresa que prestava serviços de comunicações tácticas.
João veio de Moçambique. Muito alto e magro, com quarenta anos, raramente ria. Falava o estritamente necessário e ia embora. Primeiro, foi chefe de vendas de uma grande multinacional europeia de electrodomésticos. Devido ao seu inglês impecável, e aos contactos que tinha com várias empresas europeias, era o sócio ideal para dirigir as comunicações.
Roque nasceu no Sumbe. Ainda criança vendia jornais para sobreviver. Estudou contabilidade. Depois tirou um curso de perito contabilista. Conseguiu namorar, e depois viver com a secretária de uma grande empresa americana de informática. Ela passou-lhe todos os segredos que sabia. Ele lançou-se na informática. Tinha trinta e cinco anos. Baixo e forte. A sua cabeça tinha metade do cabelo. Era muito despistado, muito trapalhão, daquelas pessoas que tem a mania que sabem tudo. Os seus sócios diziam que não era honesto com eles. Era o chefe da informática e das finanças.
Virgílio era natural da Cela. Alto e forte, com trinta anos. Quase sem nenhum cabelo na cabeça. Coxeava ligeiramente, mas disfarçava muito bem. Fingia que estudava economia e informática. Não lhe foi difícil licenciar-se na ciência económica. Sentia-se envergonhado quando o tratavam por doutor. Foi admitido como sócio devido à sua família estar bem posicionada em alguns ministérios. As suas funções eram variadas. Pode-se afirmar que era o logístico.
João olha à sua volta e sugere:
- Isto está um bocado apertado. O nosso amigo vai ficar com o George.
Volta-se para Virgílio e pergunta-lhe:
- O George já chegou?
- Parece-me que sim, vou ver.
Virgílio volta pouco depois:
- João, o George já chegou.
Fui devidamente apresentado a George, ele convidou-me a instalar-me. George era engenheiro de uma grande empresa inglesa de comunicações tácticas. Há vários anos que residia em Luanda. Baixo e forte com cerca de quarenta anos. Tinha casado com uma espanhola, mas depois divorciou-se. Dominava razoavelmente a língua portuguesa. Prosseguiu na tarefa de me por à vontade, dando-me algumas explicações:
- A luz vem do gerador que está lá fora. A água está armazenada num depósito, e circula através de electrobomba. Na despensa temos vários produtos enlatados. Na arca frigorífica temos carnes e mariscos congelados.
As janelas bateram com muita força. Uma grande ventania arrastava tudo o que podia. George gritou:
- Ajude-me a fechar as portas e as janelas, vem aí uma grande chuvada!
Pouco tempo depois a água começou a invadir tudo. George diz:
- Isto não é chuva, é um dilúvio. Se continuar assim vamos ter problemas.
O vento mudou de direcção e fazia com que a chuva entrasse por baixo da porta. Colocámos alguns panos no chão. De repente ficámos às escuras. Batem à porta. Vou abrir, é o nosso vizinho João que anuncia:
- Tivemos que desligar o gerador por motivos de segurança. A água está a subir. Nunca vi chover assim. Trouxe-lhes um candeeiro a gás. Como é que estão as coisas por aqui?
Respondi que estávamos bem. Acendemos o nosso candeeiro e preparámo-nos para passar a noite. George já estava com duas suculentas lagostas. Tirou as tampas a duas garrafas de cerveja e ofereceu-me uma. A chuva abrandou um pouco. Comemos, e bebemos mais algumas cervejas.
- George, a lagosta estava deliciosa.
- Vou fazer café, queres?
- Acho boa ideia, aceito. Pensei que ias servir chá. Não é assim que os ingleses fazem?
- Hoje apetece-me beber um bom café.
O café estava delicioso. George explicava que era um dos melhores cafés enlatados produzidos pelos americanos, o Maxwell Coffee Ground. Depois da lata fechada o seu cheiro ainda permanecia no ambiente. George trouxe dois cálices:
- Vamos beber um bom conhaque.
Estávamos bem confortados. George faz-me um pedido:
- Dá-me um cigarro.
- Pelo que notei até agora, tu não fumas.
- Fumo um de vez em quando.
George colocou o cigarro nos lábios. Estava desajeitado com o seu isqueiro. Acendi o meu. Encostei-lhe a chama no início do cigarro. George aspirou o fumo profundamente. Tal como esperava foi invadido por um ataque de tosse. O seu rosto parecia uma chaminé. Fez-me um convite:
- Vamos para o sofá. A conversa será mais confortável.
Encostou-se profundamente. Voltou a colocar mais conhaque nos copos. Cruzou as pernas e disse:
- Infelizmente não temos luz. Gostaria imenso de ouvir música medieval.
Ia responder mas fui interrompido por um relâmpago de luz intensa que iluminou tudo à nossa volta. Depois seguiu-se um violento trovão, que nos deixou assustados. Olhei para o relógio de parede. Pouco passava da meia-noite. Disse apreensivo:
- George, parece que vem mais tempestade.
- Assim parece. Creio que vai chover toda a noite.
Os relâmpagos continuavam a dar um tom irreal à cena. Nós e os objectos mudávamos de cor continuamente. Parecem ouvir-se pancadas na porta. Ficámos confundidos porque achámos que era o barulho da trovoada. Os sons na porta voltam a ouvir-se, mas desta vez parecem ser de uma chave que bate insistentemente. Talvez para que nós não tenhamos dúvidas de quem é. George vai abrir:
- Boa noite George. Como estás? Tudo bem por aqui? Dás-me licença? Ah! Pelo que vejo estás acompanhado.

Imagem: Luanda-Ilha do Mussulo
angolabelazebelo.com

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