Depois
de umas bebidas, Juliana
diz que tem algo
a propor-me:
-
Preciso que me oiças com muita atenção.
-
Sou todo ouvidos.
-
Tenho uma pequena butique,
mas estou com
problemas de dinheiro.
As três empregadas
que tenho não
recebem há seis meses. Preciso mandar vir roupa de fora para aqui vender. Tenho um amigo numa embaixada que trata disso. Se me
emprestares o que
necessito ficamos sócios, depois distribuímos os lucros.
-
A butique é tua?
-
É, o meu marido ofereceu-ma.
-
O teu marido? Não sabia que eras casada?!
- Não, não sou casada. Fui amante
e fiquei com dois
filhos dele. Ainda
são muito
pequenos. Ele
tem uma fazenda no Norte,
distante de Luanda. É casado e vive lá
com a sua
esposa. Vem de vez
em quando
a Luanda, e traz-me algumas coisas, mas não é suficiente.
-
Quanto precisas?
-
Três mil dólares chegam.
Passei-lhe
um cheque
na moeda local.
Ficou muito contente, claro:
-
Querido és tão amoroso. Gosto tanto de ti que não imaginas.
-
Se tens marido, como pretendes manter a nossa relação?
- Já disse que não tenho mais relações com ele. Não te preocupes. Amanhã
não te
verei porque ele
já enviou o seu
irmão a avisar-me que
chegará amanhã. Vou livrar-me dele para sempre. Fica
tranquilo. Ter-me-ás sempre nos teus braços.
Depois
não a vi mais.
George
fez uma pausa. Abasteceu o seu copo e bebeu um
pouco. Tirou-me um
cigarro, acendeu-o e deu algumas fumaças. A chuva
e os relâmpagos não
nos abandonavam. O seu
rosto iluminado pela
luz vinda do céu,
lembrava uma estátua que de repente
parece ganhar vida.
Não me
sentia à vontade. Queria que ele
continuasse:
-
George, e o que é que aconteceu depois?
-
Fui algumas vezes a sua casa, mas nunca a encontrei. Diziam-me sempre que ela
tinha viajado. Mas não me sabiam dizer para onde. Os meses passavam, falei com
o Virgílio que se predispôs a decifrar este mistério.
-
E o que é que ele te disse?
- Que ela vendeu
a butique, e que
na companhia de um
amante viajou para
o Brasil, e depois para
Portugal.
- Como é que ela fez uma coisa dessas? E
o teu dinheiro?
- Alguns meses depois
voltou. O seu amigo
vendo que ela
não tinha
mais sustento,
abandonou-a. Entretanto a esposa do seu
amante é morta numa emboscada
próximo de Luanda, em
circunstâncias cheias
de mistério. Dizem que
a UNITA deixou os dois carros
completamente carbonizados, assim como os corpos. Dois meses depois o marido
é emboscado e morre nas mesmas circunstâncias.
Um mestiço
aparece. Consegue o apartamento ao lado do seu. Parte a parede
no interior e os dois
apartamentos ficam como
se fosse um só.
-
George parece que já estou a entender.
-
Deixa-me continuar por
favor. O que
o mestiço queria era
ficar com os
camiões do falecido. Ela ainda chegou a ficar com um, que o mestiço aproveitou para transportar diversos produtos
do Norte para os vender em Luanda. Com o dinheiro que ganhou conseguiu falsificar
documentos e ficar
com uma peixaria que
existia no prédio ao lado. Aparentemente
a peixaria estava abandonada. As câmaras
frigoríficas apenas necessitavam de uma ligeira manutenção.
Os seus amigos
de uma empresa estatal
de pescas forneciam-lhe peixe todos os dias, que pagava de vez
em quando.
Ganhou a fama de rico. No
prédio onde
a peixaria funcionava, alugou um
apartamento para colocar
a sua terceira
mulher. Já
vivia há muitos anos
com a sua
primeira mulher,
da qual tinha
seis filhos.
Naturalmente a sua
conduta habitual
diária era
o consumo de álcool.
Conseguiu amizade com
um general,
devido ao peixe
e marisco que
lhe concedia. À noite
a peixaria fechava. As esposas do mestiço e os seus
amigos, faziam festas
que acabavam a altas
horas da noite.
O mestiço torna-se prepotente e arrogante,
ao ponto de ameaçar os
moradores dos prédios por qualquer insignificância.
-
George, custa-me a acreditar que…
-
O irmão do defunto
ausentou-se para Portugal, com a intenção de não
mais voltar. Quando teve conhecimento
do que estava a acontecer
aos bens – eram sócios
– vem a Luanda e a primeira coisa que faz é retirar o camião à Juliana.
Vende o resto dos bens
e regressa para
Portugal.
-
George, que tragédia.
-
Diariamente um camião com peixe e marisco abastece a peixaria. Fazem-se bichas. O mestiço já anda de
Mercedes. Tem muitas mulheres que engravidam quase
ao mesmo tempo.
O curioso no meio
disto tudo é que
ele era
apenas um
vulgar motorista.
Aconteceu que as pessoas
ficavam muito tempo
à espera que
a peixaria abrisse. Depois de muito esperar iam-se embora. Os dias
passam. A porta não
se abre. O mestiço aparece de vez
em quando
no seu Mercedes. Depois
de se embebedar vai-se embora.
Uma vizinha dá a explicação:
A empresa que
lhe fornecia o peixe
deixou de o fazer. Ele
deve-lhes muito dinheiro.
- Que coisa George.
-
Nota-se o desespero das suas mulheres.
Os filhos nasciam em
todas elas. O dinheiro
acabou-se. A que vivia no prédio da peixaria faleceu abandonada com paludismo.
Deixou a Juliana com
três filhos.
Tentou emprego mas
não conseguiu. Juliana
que vivia na riqueza
passou a vender cerveja
para sobreviver. O mestiço nunca mais lhe
prestou a mínima atenção,
a ela e aos seus
filhos.
-
Passou a andar com
alguns homens
que conhecia de ocasião.
Mas nenhum
se interessava por ela.
Sentindo-se desesperada, sem dinheiro para alimentar
os filhos, envia-me uma sobrinha com um pequeno papel manuscrito. Já imaginava o conteúdo
antes de o ler.
Pedia-me algum dinheiro,
porque já
não suportava a fome,
e alguns dos seus
filhos estavam doentes.
George
pegou no seu copo
e ficou em silêncio.
Aproveitei o interregno para
dizer:
- Não é este mundo que é complexo. O ser humano que nele
habita é que o é. Apenas
pretendem enriquecer de um
momento para
o outro. Perdendo a noção
do que é a vida,
não querem saber
se ferem o seu semelhante.
Com isto
as leis da boa convivência
desaparecem. Só interessa conseguir
algo. Como?
Isso é de somenos
importância. A alegria
surge depois momentaneamente, porque se conseguiu extirpar
a alguém algo
dos seus haveres.
Uma sociedade a viver
nestas condições não
terá êxito. Apenas
lhe resta
o aguardar da fome
inexorável.
Não
deixei que George se distraísse devido à minha intervenção. Perguntei-lhe:
-
George, enviaste-lhe dinheiro?
- Sim. Senti pena
dela. Isso continuou por mais algum tempo.
Encontrei-me com ela
duas ou três
vezes. Da última
vez que
isso aconteceu, o seu
aspecto era francamente confrangedor. A sua
beleza já não existia. Um
pano na cabeça
escondia o seu cabelo
despenteado. A roupa que vestia era
a mais vulgar
possível. O seu
rosto quase
parecia um cadáver.
Mesmo assim
tentava sorrir, e desculpava-se de qualquer maneira.
Sentia-se muito envergonhada, porque as pessoas
ao redor estavam a ficar
intrigadas com a minha
presença.
-
George, pobre mulher.
- Depois aconteceu o pior.
A sua sobrinha
entregou-me um relatório
médico que
afirmava que ela
tinha que
ser evacuada para fora do país.
Aguardava apenas a autorização médica. Tinha
contraído cancro no útero.
Restava-lhe pouco tempo
de vida. O Governo
angolano não lhe
prestava nenhuma atenção. Vi-me numa situação desesperada. Os meios
financeiros para um
tratamento adequado no exterior, mais
as passagens aéreas e outras despesas que isso ocasiona, eram muito
avultados. Não tinha
posses para isso. Tentei por
todos os meios
enviar o relatório
médico em
português e inglês pela Internet.
- Oh! George.
- Ninguém me
respondeu. A sobrinha contou-me depois que não foi a Unita que
assassinou o seu amante
e a sua esposa.
Foi a Juliana que
contratou algumas pessoas para
efectuarem esse trabalho,
simulando que parecesse uma emboscada da UNITA. Juliana
acabou por falecer
abandonada pelo mestiço.
Os seus filhos
inicialmente ficaram ao deus-dará. O mestiço
abandonou-os pura e simplesmente.
Depois ficaram ao cuidado
dos tios. Os outros
amantes com
quem ela
conviveu, procederam do mesmo modo.
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