segunda-feira, 16 de julho de 2012

AS CINCO MAGNÍFICAS (03) Contém cenas eventualmente chocantes




Depois de umas bebidas, Juliana diz que tem algo a propor-me:
- Preciso que me oiças com muita atenção.
- Sou todo ouvidos.
- Tenho uma pequena butique, mas estou com problemas de dinheiro. As três empregadas que tenho não recebem há seis meses. Preciso mandar vir roupa de fora para aqui vender. Tenho um amigo numa embaixada que trata disso. Se me emprestares o que necessito ficamos sócios, depois distribuímos os lucros.
- A butique é tua?
- É, o meu marido ofereceu-ma.
- O teu marido? Não sabia que eras casada?!
- Não, não sou casada. Fui amante e fiquei com dois filhos dele. Ainda são muito pequenos. Ele tem uma fazenda no Norte, distante de Luanda. É casado e vive lá com a sua esposa. Vem de vez em quando a Luanda, e traz-me algumas coisas, mas não é suficiente.
- Quanto precisas?
- Três mil dólares chegam.
Passei-lhe um cheque na moeda local. Ficou muito contente, claro:
- Querido és tão amoroso. Gosto tanto de ti que não imaginas.
- Se tens marido, como pretendes manter a nossa relação?
- Já disse que não tenho mais relações com ele. Não te preocupes. Amanhã não te verei porque ele já enviou o seu irmão a avisar-me que chegará amanhã. Vou livrar-me dele para sempre. Fica tranquilo. Ter-me-ás sempre nos teus braços.
Depois não a vi mais.
George fez uma pausa. Abasteceu o seu copo e bebeu um pouco. Tirou-me um cigarro, acendeu-o e deu algumas fumaças. A chuva e os relâmpagos não nos abandonavam. O seu rosto iluminado pela luz vinda do céu, lembrava uma estátua que de repente parece ganhar vida. Não me sentia à vontade. Queria que ele continuasse:
- George, e o que é que aconteceu depois?
- Fui algumas vezes a sua casa, mas nunca a encontrei. Diziam-me sempre que ela tinha viajado. Mas não me sabiam dizer para onde. Os meses passavam, falei com o Virgílio que se predispôs a decifrar este mistério.
- E o que é que ele te disse?
- Que ela vendeu a butique, e que na companhia de um amante viajou para o Brasil, e depois para Portugal.
- Como é que ela fez uma coisa dessas? E o teu dinheiro?
- Alguns meses depois voltou. O seu amigo vendo que ela não tinha mais sustento, abandonou-a. Entretanto a esposa do seu amante é morta numa emboscada próximo de Luanda, em circunstâncias cheias de mistério. Dizem que a UNITA deixou os dois carros completamente carbonizados, assim como os corpos. Dois meses depois o marido é emboscado e morre nas mesmas circunstâncias. Um mestiço aparece. Consegue o apartamento ao lado do seu. Parte a parede no interior e os dois apartamentos ficam como se fosse um só.
- George parece que já estou a entender.
- Deixa-me continuar por favor. O que o mestiço queria era ficar com os camiões do falecido. Ela ainda chegou a ficar com um, que o mestiço aproveitou para transportar diversos produtos do Norte para os vender em Luanda. Com o dinheiro que ganhou conseguiu falsificar documentos e ficar com uma peixaria que existia no prédio ao lado. Aparentemente a peixaria estava abandonada. As câmaras frigoríficas apenas necessitavam de uma ligeira manutenção. Os seus amigos de uma empresa estatal de pescas forneciam-lhe peixe todos os dias, que pagava de vez em quando. Ganhou a fama de rico. No prédio onde a peixaria funcionava, alugou um apartamento para colocar a sua terceira mulher. Já vivia há muitos anos com a sua primeira mulher, da qual tinha seis filhos. Naturalmente a sua conduta habitual diária era o consumo de álcool. Conseguiu amizade com um general, devido ao peixe e marisco que lhe concedia. À noite a peixaria fechava. As esposas do mestiço e os seus amigos, faziam festas que acabavam a altas horas da noite. O mestiço torna-se prepotente e arrogante, ao ponto de ameaçar os moradores dos prédios por qualquer insignificância.
- George, custa-me a acreditar que…
- O irmão do defunto ausentou-se para Portugal, com a intenção de não mais voltar. Quando teve conhecimento do que estava a acontecer aos bens – eram sócios – vem a Luanda e a primeira coisa que faz é retirar o camião à Juliana. Vende o resto dos bens e regressa para Portugal.
- George, que tragédia.
- Diariamente um camião com peixe e marisco abastece a peixaria. Fazem-se bichas. O mestiço já anda de Mercedes. Tem muitas mulheres que engravidam quase ao mesmo tempo. O curioso no meio disto tudo é que ele era apenas um vulgar motorista. Aconteceu que as pessoas ficavam muito tempo à espera que a peixaria abrisse. Depois de muito esperar iam-se embora. Os dias passam. A porta não se abre. O mestiço aparece de vez em quando no seu Mercedes. Depois de se embebedar vai-se embora. Uma vizinha dá a explicação: A empresa que lhe fornecia o peixe deixou de o fazer. Ele deve-lhes muito dinheiro.
- Que coisa George.
- Nota-se o desespero das suas mulheres. Os filhos nasciam em todas elas. O dinheiro acabou-se. A que vivia no prédio da peixaria faleceu abandonada com paludismo. Deixou a Juliana com três filhos. Tentou emprego mas não conseguiu. Juliana que vivia na riqueza passou a vender cerveja para sobreviver. O mestiço nunca mais lhe prestou a mínima atenção, a ela e aos seus filhos.
- Passou a andar com alguns homens que conhecia de ocasião. Mas nenhum se interessava por ela. Sentindo-se desesperada, sem dinheiro para alimentar os filhos, envia-me uma sobrinha com um pequeno papel manuscrito. Já imaginava o conteúdo antes de o ler. Pedia-me algum dinheiro, porque já não suportava a fome, e alguns dos seus filhos estavam doentes.
George pegou no seu copo e ficou em silêncio. Aproveitei o interregno para dizer:
- Não é este mundo que é complexo. O ser humano que nele habita é que o é. Apenas pretendem enriquecer de um momento para o outro. Perdendo a noção do que é a vida, não querem saber se ferem o seu semelhante. Com isto as leis da boa convivência desaparecem. Só interessa conseguir algo. Como? Isso é de somenos importância. A alegria surge depois momentaneamente, porque se conseguiu extirpar a alguém algo dos seus haveres. Uma sociedade a viver nestas condições não terá êxito. Apenas lhe resta o aguardar da fome inexorável.
Não deixei que George se distraísse devido à minha intervenção. Perguntei-lhe:
- George, enviaste-lhe dinheiro?
- Sim. Senti pena dela. Isso continuou por mais algum tempo. Encontrei-me com ela duas ou três vezes. Da última vez que isso aconteceu, o seu aspecto era francamente confrangedor. A sua beleza já não existia. Um pano na cabeça escondia o seu cabelo despenteado. A roupa que vestia era a mais vulgar possível. O seu rosto quase parecia um cadáver. Mesmo assim tentava sorrir, e desculpava-se de qualquer maneira. Sentia-se muito envergonhada, porque as pessoas ao redor estavam a ficar intrigadas com a minha presença.
- George, pobre mulher.
- Depois aconteceu o pior. A sua sobrinha entregou-me um relatório médico que afirmava que ela tinha que ser evacuada para fora do país. Aguardava apenas a autorização médica. Tinha contraído cancro no útero. Restava-lhe pouco tempo de vida. O Governo angolano não lhe prestava nenhuma atenção. Vi-me numa situação desesperada. Os meios financeiros para um tratamento adequado no exterior, mais as passagens aéreas e outras despesas que isso ocasiona, eram muito avultados. Não tinha posses para isso. Tentei por todos os meios enviar o relatório médico em português e inglês pela Internet.
- Oh! George.
- Ninguém me respondeu. A sobrinha contou-me depois que não foi a Unita que assassinou o seu amante e a sua esposa. Foi a Juliana que contratou algumas pessoas para efectuarem esse trabalho, simulando que parecesse uma emboscada da UNITA. Juliana acabou por falecer abandonada pelo mestiço. Os seus filhos inicialmente ficaram ao deus-dará. O mestiço abandonou-os pura e simplesmente. Depois ficaram ao cuidado dos tios. Os outros amantes com quem ela conviveu, procederam do mesmo modo.

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