Custava-me a acreditar
no que o jovem
me dizia. Quanto
mais me
falava, mais me
sentia noutro mundo. Naturalmente que
ele compreendeu facilmente o que se passava:
- Vizinho, essas mulheres não servem para ti.
São muito perigosas. São viciadas. São mulheres socialistas. O que elas querem
é arranjar dinheiro e gastarem-no com outros homens. Tens que ter muito cuidado.
Deixa essas mulheres. Sentem-se muito felizes a roubarem tudo o que podem. E se
não ficas atento, vão buscar o resto da quadrilha e ficas sem casa. Elas só
querem é andar na moda. Qualquer homem lhes serve.
Era mais do que suficiente. Tinha jurado a mim
mesmo que mais nenhuma mulher me faria pouco. Iria preparar a minha vingança.
Jandira vem muito
sorridente. Faço um
esforço para retribuir. Mostra-me a sua
hipocrisia:
- George, este mês está a acabar. Não te
esqueças da minha mensalidade.
- Pois não querida.
- Vejo que já te passou a má disposição. Despe
as calças. Deves estar muito cheio. Vou-te despejar tudo.
- Não, não me sinto bem.
- Hoje é sábado, por acaso vais sair?
- Não! Daqui a pouco vou-me deitar.
- Óptimo. Vou levar alguma coisa para comer.
Também estou muito cansada. Estudar, parece que não, é muito cansativo. Também
me vou deitar cedo. Tchau meu querido. Desejo-te uma noite muito feliz.
Iria fazer-lhe a maior
surpresa desagradável da sua vida. Uma lição que jamais esqueceria. Decidi que
não dormiria. Sentia-me como um louco do amor. Quando se ama
verdadeiramente, é como se estivéssemos próximo de Deus.
Sentimos um poder
incrível. Não
tememos nada. Desafiamos a morte. Depois desse amor profundo,
surge um ódio
carregado do que
dele resta.
Fiquei atento
aos sons da porta
da sua casa.
Não parava de beber
cerveja. Pelas vinte e três horas ouvi
um som
familiar. O som
dos seus passos
na escada era
inconfundível. Eram os seus sapatos de
salto alto
que bem
conhecia. Ia muito apressada.
Corri para a varanda
e esperei pela sua passagem. Ia apressada,
via-a entrar num carro
que a esperava. Entrou e tive tempo de ver o abraço e o beijo
que deu àquele
que a esperava.
Mudei para o conhaque. Não
sentia sono. Fiz da varanda
quase uma cama.
Esperaria que ela
chegasse. Adormecia encostado ao gradeamento
da varanda, e quando
acordava bebia um pouco
de conhaque. Era
a noite mais
terrível da minha
vida. Quando
me levantava não
conseguia caminhar regularmente.
Estava tonto por
causa do sono
e da bebida. Depois
da longa vigília,
por volta
das cinco da manhã,
vi um carro
chegar. Um vulto saiu apressadamente
e entrou no prédio. Pelas características só
podia ser ela.
Corri para a porta
e fiquei atento. Ouvi um leve barulho na porta
em frente.
Abri a porta silenciosamente,
mas um
leve barulho
denunciou-me. Ela desconfiada
voltou-se e encarou-se comigo. Ficou como uma estátua.
Abriu a boca com
espanto. Não
conseguia fechá-la. Disse-lhe:
- Jandira, entra para
conversarmos.
Estava como
um autómato. Entrou e encostou-se no primeiro local que encontrou, o lava-loiça da cozinha.
Fui buscar o copo
e enchi-o com conhaque.
Bebi mais. O que
restava do nosso amor
estava consumido no conhaque, que fluía no meu
cérebro:
- Jandira, vou desgraçar
a tua vida para
sempre.
- George, espera deixa-me explicar.
- Não é necessário, já sei tudo.
- Quem te contou?
- Jandira, podes-me explicar
porque é que
tens o lábio inferior
da boca inchado e muito
transparente?
- Ah, é das garrafas
de gasosa.
- Passaste a noite
a chupar garrafas
de gasosa? Jandira, vou fazer
escândalo na tua casa.
- Não, por favor não me faças isso.
- Vou fazer sim.
O seu corpo começou a tremer
descontrolado. As calças ficaram
molhadas. Jandira não conseguia aguentar
a urina que lhe
escorria até aos pés.
Suplicou-me:
- Por favor não me exponhas na minha família.
- Dá-me a chave de casa.
Muito atrapalhada, procurou
na sua carteira.
Teve que despejar
o seu conteúdo:
- Está aqui. Mas, por favor não me abandones. O
que será de mim?
- Somos marido e mulher, ou não?
- Somos sim,
para toda a vida.
- Então vai buscar metade do que eu gastei
contigo.
- Não estou a entender.
- Estão aqui as contas, quero metade do valor.
Abriu as portas
silenciosamente e voltou pouco tempo depois. Trouxe roupa
e algum dinheiro:
- Isto chega para pagar?
- Parece-me que sim. Agora falta o resto.
Denunciar tudo à tua família.
Colocou-se à minha
frente de joelhos
no chão a implorar:
- Não me faças isso. Faço tudo o que tu
quiseres. Sabes, eu sou muito fraca de cabeça. Esta minha cabeça não dá nada.
- Mereces umas boas chapadas na cara.
- Sim,
tens razão. Bate-me, bate-me com muita força. Mereço isso,
vá bate-me, bate-me.
Nunca apreciei bater numa mulher, e
condeno os que o fazem. Dei-lhe uma leve chapada na
face:
- Isso,
vá bate-me, bate-me meu amor. Dá-me mais
tempo até
aprender a ser mulher. Perdoa-me, perdoa-me.
- Não, não te vou perdoar.
- Então vou-me matar.
- Acho que é a melhor coisa que podes fazer.
Assim resolves os nossos problemas do modo mais fácil.
Foi para a varanda, inclinou a cabeça
e um pouco
do corpo. Olhou para
baixo e ficou indecisa.
Eu sabia que
era um
truque para tentar desorientar-me. Antes
tinha feito
um estudo
sobre suicídios,
e sabia que os suicidas
nunca anunciam os seus
actos. Esperam que sintamos compaixão. Isso
dá-lhes força. Pelo
contrário, reagi brutalmente.
Peguei-lhe nas pernas e deixei-a
suspensa no vazio:
- Queres
matar-te? Vou ajudar-te.
O seu corpo agitou-se freneticamente. As suas pernas de repente ganharam vida.
Parecia uma égua que
queria dar coices.
Pousei-a calmamente no solo:
- Desistis-te de te matar?
Não conseguia falar. Abraçou-me e chorou intensamente.
Colocou-se novamente de joelhos:
- Perdoa-me por tudo o que te fiz.
- Então confessas que me fizestes muita
maldade?
- Sim, confesso. Fui muito maldosa contigo.
Perdoa-me meu amor. Faço tudo o que quiseres. Mas não vás lá em casa. Não me
exponhas a isso.
- Já te disse que vou na tua casa queixar-me.
- Olha, acho que a minha pressão arterial está
a ficar muito baixa. Não consigo manter-me em pé. Se morrer foi por causa de
ti.
- Jandira põe-te a andar. Se morreres, ainda
bem. Nunca mais me farás nenhuma maldade.
- Dá-me ao menos um simples beijo de despedida.
Para me recordar destes últimos momentos.
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