Ela
intrigava-se muito com a fuba que a outra vendia, porque acabava-lhe depressa,
os clientes só a ela compravam. Então, decidiu-se e submeteu-a a um
interrogatório: «Mana, porque é que só a tua fuba compram, anda bem, muito
depressa te desaparece? Todos te compram, só a minha não dá, não anda, ninguém
ma compra, como é que consegues mana? Me explica só!» A outra olhou-lhe bem,
quase de cima abaixo e explicou-lhe o segredo do êxito das suas vendas: «Fui no
feiticeiro, ele me fez um feitiço, vai lá também… podes lá ir». E ela foi. O
feiticeiro disse-lhe que depois do dinheiro ganho nas vendas teria que lá ir e
entregar-lhe um galo e uma galinha para serem mortos. Ele queria-lhes o sangue.
E ela começou a vender a fuba, e andava muito bem, e vendeu muito, muito, toda,
e ganhou muito dinheiro. E foi no feiticeiro pagar-lhe a promessa. Mas ele
exaltou-se: «Não, não… não é nada disso. Tens que me trazer a tua filha e o teu
filho». E com tal espanto, ela disse-lhe que estava bem, que concordava. Foi
para casa, juntou o dinheiro todo e reuniu-se com o marido e os filhos.
Contou-lhes a cena do feitiço garantindo que não, nunca mataria os seus filhos.
E acrescentou: «Está aqui… com este dinheiro que eu amealhei comprem-me o
caixão… porque vou morrer». E foi para o seu quarto, deitou-se… e morreu.
Atirou-se
a chorar para cima dele:
-
Akalesela, este mundo
é uma selva insuportável.
É lamentável a maldade.
Não sei qual
é o interesse em
acabar com
ele… maldito dinheiro.
- Querida, passámos mais
um Natal e ano-novo na selva.
Como se estivéssemos muito longe da pátria
que teima
em nos
recusar. E nesta onde
estamos por vontade
própria está longínqua de o ser. Não respeitam ninguém.
É uma selva perfeita.
Ela acalmou-se e
comentou com desalento:
- Se o combate
à criminalidade não
começar do alto,
em baixo
nunca acabará.
Não há lei.
Devido a isso
as pessoas recorrem cada
vez mais
ao feitiço. A rádio
informa com verdade, noticiou que o Natal
é lembrado em todo
o mundo. Acho que se referia somente ao nosso país.
- Minha feiticeira,
alguns novos-ricos que
andam por aí
devem-no a mim. Agora quando passo por eles
fingem que não
me conhecem.
Ela realça-lhe:
- Quando um soldado da guarda
presidencial se suicida porque não lhe pagaram
o salário, estamos perante
um feitiço poderoso. Um feiticeiro com grandes poderes
que se prepara
para dirigir o país. Acreditem pois que a nossa vida depende de um
feitiço.
Ele sintoniza-se para a informação:
- A rádio informa com
verdade e a TV, do telejornal
está a recomeçar, e os ecléticos, insistem há anos a cansar-nos com
a mesma filosofia.
Os ecléticos aparentemente
estão cansados porque não conseguem, ou
não querem, mudar
a sua linha
editorial. Deviam ser
mais contundentes,
mais directos.
Entretanto a parabólica informa-lhes que
no Iraque aconteceu mais um atentado suicida. Akalesela é peremptório:
- É fácil acabar com o terrorismo.
A fome e a miséria
são a sua
origem. As democracias
ocidentais devem preocupar-se em extinguirem os ditadores
que apoiam… que se servem deles para continuar dissimuladamente a
explorar os povos.
Significa isto que
o colonialismo não
acabou. Tornou-se mais bárbaro. As potências mundiais não podem continuar a impor a lei da selva no mundo, que se
resume a: riqueza para nós e desgraça e fome para os outros. Se as regras
do jogo não
se alterarem rapidamente, nada nem ninguém
deterá a sangrenta caminhada dos milhões
de esfomeados mundiais. O holocausto
espalhar-se-á como uma nuvem dantesca e atingirá a nação
mais poderosa.
Depois surgirá uma nova
idade das trevas.
Morrer à fome
ou com
bombas à volta
da cintura não
lhes faz nenhuma diferença.
Ela acha que chega de tanta tristeza, de
tanto desalento, de tanto futuro perdido e pede-lhe com
ternura:
- Trova para a tua princesa feiticeira.
Na encruzilhada desta floresta de betão fissurado
o cavaleiro impaciente
olhava
os medonhos luares
das
nossas noites
A sua amada
princesa
lá
estava, lá continuava na masmorra
Que
no castelo ansiava o seu
cavaleiro
Mas
ele cansou-se da desespera
e esporeou
a sua montada
na eternidade destes nossos efémeros
luares
corruptos
e
esqueceu-se da sua amada
Ele vê no visor do seu telemóvel quem
é que lhe
está a ligar. É Ma Yuan:
- Sim? – Responde ele.
-
Akalesela, vem fazer-me companhia ao jantar. Aproveitamos e conversamos um
bocado.
- De
acordo, daqui a pouco estarei aí.
Ele
chegou à Ruela Muito Mal Iluminada. Olhou para o
prédio e sentiu arrepios
de terror. Viam-se restos
de persianas nas janelas.
A pintura estava a desfazer-se. Rachas nas varandas
indicavam que podiam desabar.
Uma planta bem
desenvolvida tombava de um buraco a meio de uma sacada.
Gradeamentos de ferro
ferrugento nas varandas e janelas. Muitos
aparelhos de ar
condicionado potentes, que todos em funcionamento a instalação
eléctrica não suportaria a carga. De alguns
andares, bacias com
águas porcas atiravam-se, atolavam-se na rua.
Uma jovem vassourava a água da varanda
que parecia uma cascata.
Próximo, uma tampa de esgoto entupido não
suportava a pressão dos dejectos. Alguns jovens
bebiam acompanhando-se de algazarra. À sua
volta o cortejo
habitual de garrafas
e latas vazias. Em
frente a uma montra de um estabelecimento
havia uma grande mesa no passeio, onde se celebrava um
óbito por falta de espaço
no interior do seu
apartamento.
Ele entrou com
cuidado porque
a entrada tinha
uma fuga de água
de um contador
que necessitava de substituição. Algum lixo
desfazia-se em contacto com o líquido. A caixa dos fusíveis
desprotegidos quase que rasava o chão. Quando a água lhe tocar causará morte e incêndio.
A caixa do elevador
servia como contentor para
guardar os detritos.
O ambiente fez-lhe lembrar
um castelo tenebroso da Idade Média. Conseguiu subir
as escadas até
à morada de Ma Yuan. Carregou no botão da campainha e
ouviu um som
melódico. Ela abriu a porta e depois
o gradeamento reforçado. Cumprimentou
rapidamente:
- Boa noite… entra!
Depois de fechar
as portas e mover
as fechaduras convidou-o a sentar. Em seguida perguntou-lhe:
- O que
é que bebes?
- Cerveja.
- Também
vou beber.
Estava com
um vestido
de noite curto
que intencionalmente deixava contemplar os
seios bem cuidados e nutridos, reforçados pelas aprazíveis e
modeladas coxas, firmes e voluptuosas. Lábios cheios com vermelho de incêndio.
Uma peruca de cabelo
comprido dava-lhe uma aparência jovem.
Ao caminhar, os sapatos vermelhos de salto
alto moviam as ancas
que oscilavam provocadoras. Sentou-se enquanto
pegava na sua cerveja
a lamentar-se:
- Ah! Que cozinha chata com água a cair do tecto. Os de
cima também
dizem a mesma coisa.
Ele deplora:
- Os feiticeiros
não gostam de quem
vive nos prédios.
Acho que é inveja, estão a apostar na sua destruição.
Entretanto ela trouxe algumas gambas para aperitivo.
Pouco tempo depois sentiam-se relaxados com a cervejada. Perderam a timidez inicial. Ele enleva-se e gaba-lhe os seus
dotes:
- A noite deu-me uma princesa que
faria inveja no Olimpo.
Ela suspirou profundamente. Agitou os ombros
com falso nervosismo para mostrar a fenda profunda
do seu busto.
Retribuiu:
- Sinto-me arrebatada.
Entre príncipes
e princesas ousamos falar de amor.
Entre mendigos
e miseráveis não
ousamos falar da fome.
Entre príncipes
e princesas ousamos falar de reinos.
Entre mendigos
e miseráveis não
ousamos falar na noite
das ruas. Entre
príncipes e princesas, mendigos e miseráveis
não existe nada
de novo.
Ele mostrou-se conciso:
- Parece-me que isso é a fórmula do nosso neocolonialismo.
- Claro! Os neocolonialistas internos e externos
chegam, pagam-nos parte dos vencimentos, ou
não os pagam, embarcam no avião e regressam a casa.
A desculpa é habitual:
Dizem sempre que
não têm dinheiro.
Ele denuncia como é fácil ganhar dinheiro:
- Os bancos deixam cair o sistema informático. Desesperados, os clientes aguardam para
levantarem dinheiro. Os telemóveis deixam de funcionar porque a rede não
suporta a quantidade de aparelhos
vendidos. A salvaguarda dos arquivos usa equipamentos remendados para
não se gastar dinheiro.
A lei é clara.
Gastar e carregar os lucros nas malas
diplomáticas, porque de um momento para o outro vem o receio dos tumultos, da guerra civil.
Não se pode perder
muito tempo
com o dinheiro
parado. É chegar, roubar
e voar. Acabar com a raça.
Imagem:
O "homem das finanças" caprichou no feitiço.
blogdogusmao.com.br
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