E terminámos porque já
estávamos cansados de comer caracoletas. Vieira propõe-me:
- Precisamos de um contabilista como tu para trabalhar
em Luanda. Apreciei
e gostei muito até agora do teu trabalho. Diz lá as tuas condições. Se for
preciso também te arranjamos uma negra.
- Não sei… isso não parece assim tão fácil. Deixar o
meu escritório, os meus clientes, família, amigos… isso parece-me uma aventura.
- O dinheiro que vais ganhar é superior ao que ganhas
aqui. Não vais chatear-te muito. Tens boas praias, bons mariscos. Terás todas
as condições necessárias. E quando precisares de uma mulher é só dizeres. Pensa
bem nisso e dá-nos a resposta quando estivermos no Algarve.
Bom, decidi arriscar. Como nunca
estive na África seria para mim
uma aventura conhecê-la. Então, no
Algarve disse ao Vieira:
- Comandante… o navio está pronto!
Ao que ele respondeu:
- Ao ataque!
Não sei explicar muito bem, porque
nunca gostei de comer
o que é servido a bordo
de um avião.
Acho que a confecção dos alimentos
apresenta demasiado creme, e isso enjoa-me. Ou talvez seja por ter um estômago
muito delicado. Acho que as companhias aéreas deviam autorizar
que cada
passageiro trouxesse a sua comida, e em consequência disso o bilhete
de passagem podia sofrer uma diminuição.
Do vinho que nos foi
apresentado, preferi o Dão Cardeal.
Considero que os vinhos
do Dão são por
natureza demasiado
excelentes. A maravilha
que os portugueses descobriram. Talvez superior
às descobertas de além-mar. Vinhos do Dão, que
na realidade deveriam ser
considerados vinhos do Deus Dão. Costumo beber sempre pelo menos uma garrafa de tinto,
de quase um
litro, de Dão Meia Encosta
às refeições. É muito
leve, com
um tom
magnificamente quase imperceptível
de amargo. Quase
não se sente o seu
aroma, que aparece depois de ingerido. A sua
leveza extraordinária
faz-nos deificar o paraíso.
Passados poucos
minutos o nosso
cérebro extasia-se. As ideias flúem
muito nítidas. O nosso cérebro agradece tão
providencial relaxe. O nosso coração
sente-se protegido, como um medicamento que
acaba de ser receitado. A nicotina
do cigarro parece atenuar-se. Estes vinhos são um poderoso auxiliar da nossa saúde. Passadas poucas horas
os seus efeitos
desaparecem. Como se não tivéssemos bebido nada.
Ah!.. Meu Deus!
Que maravilha
de vinhos. Que
maravilhoso país
que lhes
deu origem.
A viagem
demoraria aí umas sete
horas. Seria percorrida durante a noite.
O Vieira e o mastodonte já abriam as bocas, forçadas pelo sono.
Outras vozes pouco
a pouco deixaram de se escutar.
Apenas se ouvia o sussurrar
do pessoal da tripulação.
As hospedeiras nestes voos para África costumam dispensar pouca atenção aos passageiros. Notei que
evitavam a todo o custo
manter qualquer
intimidade. Ainda
tentei dialogar um
pouco com
uma delas, mas em
resposta apenas
levei com um
sorriso forçado.
Acho que faziam o serviço
quase por
imposição. Mas
no fundo não
deixava de concordar com
elas. Bastava olhar
para a anarquia
que reinava no corredor,
especialmente alguns
sacos que
impediam o vaivém do serviço do pessoal de bordo.
O filme a bordo não tinha grande interesse. Acho que
a companhia aérea o alugou por um preço ínfimo, talvez para ajudar
a que os passageiros
adormecessem rapidamente. Pelo contrário, eu não sentia sono.
Dei mais uma olhadela
para os passageiros.
Todos se sentiam cansados, e cada um
procurava acomodar-se o melhor possível para uma boa soneca. Recostei-me o mais
profundo que
era possível
no meu assento.
Peguei na minha manta,
e estendia-a sob o corpo.
Pensei na minha
esposa que
me disse, que
eu já
não tinha
juízo. Como
era possível
abandoná-la? A ela e aos nossos dois filhos? Uma menina
muito bonita e um
rapagão. Instintivamente
peguei na fotografia deles. Olhei-a durante uns momentos.
Não iria telefonar,
acho ridículo perguntar: «como estás?
Está tudo bem?!» Os contactos seriam feitos por E-mail. Creio que
é mais prático,
porque temos mais
tempo para pensar naquilo que realmente queremos dizer. Nunca gostei de telefonar.
De repente surgiu-me a imagem de um amigo: Ele falava-me da teoria
dos continentes à deriva
do, Alfred Lothar Wegener. Ele notou que o afastamento dos continentes
se encaixava perfeitamente uns nos outros. Mas, o meu amigo dizia-me a sorrir, que a deriva do
Continente Negro, não era de origem geológica. Devia-se apenas
à deriva económica. Por
isso o seu
afastamento era mais
acentuado.
Lembrei-me do episódio de uma família amiga, cujo filho
prestou serviço militar colonial em
Angola. Decidiu voltar e ficou em
Luanda. Arranjou uma jovem
amante. Enviava regularmente
uma mensalidade para
a sua esposa
em
Portugal. Com o passar do tempo as mensalidades escassearam, até
que terminaram. Não
sei explicar como,
mas acabou por
ser geógrafo,
o que lhe
permitia um certo
desafogo financeiro.
Achava que uma só
mulher não
lhe era
suficiente, talvez
devido àquele
famoso ardor latino, e ao mítico calor sensual
que só
a mulher negra,
angolana neste caso, oferece. Passou a ir a casa da sua amante de vez em quando.
Quando aparecia era para a engravidar.
Assim, pensava ele,
ela não
teria filhos de outro
homem. O Don Juan português
já ia com
nove filhos…
Gostava muito
das jovens de catorze
anos. Ultimamente quando
aparecia, já vinha
bêbado. Mesmo
assim mandava sempre
comprar uma garrafa de uísque. Tornou-se prepotente e agressivo
com os vizinhos.
Conseguiu outra casa
para a outra amante, uma jovem
quase com
dezoito anos, e passou a viver
com ela.
Vangloriava-se de manter relações
sexuais com várias jovens, e elas sabiam disso, aceitavam, como uma fatalidade do
destino. Mas não se preocupavam muito com isso, a não ser o receio
da SIDA. Desde que
ele lhes
desse o sustento necessário,
elas ficariam tranquilas. Afinal tinham casa,
comida, enfim,
o mínimo da necessária
tranquilidade.
Um dia, um amigo dos copos convida-o para sua casa. Depois de ingerirem uma boa quantidade
de uísque, o amigo
lembra-se de lhe mostrar
algumas fotografias pornográficas, que ele mesmo fotografou, de uma jovem
que ele
andava a comer. Gabava-se que
ela lhe
dava um grande
gozo sexual.
Começou a ver as fotografias.
De repente dá-lhe um
grande ataque
de tosse. Convence-se que está prestes
a ter um ataque cardíaco. O seu amigo muito preocupado
pergunta-lhe:
- O que é que tens?
- Não, não é nada… já passa.
- Queres que te leve a um médico?
- Não… não acho que seja necessário.
Levanta-se e sem
dizer palavra vai embora.
Afinal, as fotografias eram da sua segunda amante. A partir daí deixou
de beber. O seu
comportamento passou a ser
agradável em
casa e com
os vizinhos. Deixou de andar
com mulheres.
Acordo assustado, Vieira interroga-me excitado:
- Estavas a gritar porquê? Já
estamos a chegar. Olha, já
se começa a ver
a cidade.
Acabei de despertar de um
pesadelo, onde
via a minha esposa e filhos
vestidos de fardas
militares. E enquanto dormia
apontavam-me armas e preparavam-se para disparar.
CAPÍTULO II
MALCOLM X
«07.09.2008 -
12h21 - Robin dos Bosques, Porto: O MPLA é o dono de Angola. Tem nas mãos o
petróleo, os diamantes e todos os outros recursos minerais que geram fortunas
fabulosas. Toda a máquina do MPLA, a começar pelo seu Presidente e acabar no
oficial do exército e polícia mais pequeno, é milionária. Fartaram-se de roubar
e ainda continuam. Mas, apesar de tudo, eu, como conhecedor dos problemas
africanos, especialmente Moçambique, prefiro que fique o MPLA no poder porque
já tem " o baú cheio de nota " e agora pode começar a dar algum ao
povinho. Qualquer outro partido que vá para o governo, os primeiros 10 anos é
só para encher " o baú dos boys" e só depois é que poderão pensar no
povinho.» In públicoúltimahora
À saída do aeroporto esperavam-nos dois
carros. Vieira disse-me que ia entregar uma encomenda a uma amiga.
Antes de entrar
num deles com o Director, informa-me:
- O motorista vai entregar-te um telemóvel. Os números
dos nossos para nos contactares, estão aqui.
Entregou-me uma pequena
folha de papel
onde confirmei os números dos contactos.
O motorista que
me conduziria esperava. Abri a porta e preparei-me para entrar. De repente oiço três
disparos de pistola.
Olho à minha
volta e vejo a cerca
de duzentos metros, junto
a alguns contentores um grupo de polícias, que
tomam posições estratégicas. Num ápice, um jovem saído não sei
donde, empurra-me para dentro
do carro, entra e fecha
a porta. E fala muito agitado:
- Os police querem matar-me, procuram-me, mas consegui
enganá-los!
Não sabia o que dizer, ou fazer. O motorista
quebra-me o silêncio:
- Vamos embora, se eles vêm para aqui, vamos ter
problemas!
Movimentou o carro e rapidamente dali saímos.
Lembrei-me do anúncio que vi em letras gigantes: BEM-VINDO.
Estranha maneira
de saudação. Acho que o mais correcto
seria escrever: BEM-VINDO A TIRO, BEM-VINDO À SELVA.
O jovem
permanecia quase deitado,
para se esconder de possíveis olhares
suspeitos. Ele
rogou para o motorista:
- Faz favor, deixe-me no fim da descida,
antes do hospital.
Pelo estudo que antes fiz da cidade, este
hospital, creio que era
o Maria Pia, construído
no tempo colonial, mas
com as estruturas
actuais bastante degradadas. O carro parou. O jovem
antes de sair
agradece-me:
- Muito obrigado amigo branco… dá-me o número do teu
móbaile.
- Móbaile?!
Sem comentários:
Enviar um comentário