sexta-feira, 5 de abril de 2013

O EMPRESÁRIO LUSO-ANGOLANO (02)



E terminámos porque já estávamos cansados de comer caracoletas. Vieira propõe-me:
- Precisamos de um contabilista como tu para trabalhar em Luanda. Apreciei e gostei muito até agora do teu trabalho. Diz lá as tuas condições. Se for preciso também te arranjamos uma negra.
- Não sei… isso não parece assim tão fácil. Deixar o meu escritório, os meus clientes, família, amigos… isso parece-me uma aventura.
- O dinheiro que vais ganhar é superior ao que ganhas aqui. Não vais chatear-te muito. Tens boas praias, bons mariscos. Terás todas as condições necessárias. E quando precisares de uma mulher é só dizeres. Pensa bem nisso e dá-nos a resposta quando estivermos no Algarve.
Bom, decidi arriscar. Como nunca estive na África seria para mim uma aventura conhecê-la. Então, no Algarve disse ao Vieira:
- Comandante… o navio está pronto!
Ao que ele respondeu:
- Ao ataque!

Não sei explicar muito bem, porque nunca gostei de comer o que é servido a bordo de um avião. Acho que a confecção dos alimentos apresenta demasiado creme, e isso enjoa-me. Ou talvez seja por ter um estômago muito delicado. Acho que as companhias aéreas deviam autorizar que cada passageiro trouxesse a sua comida, e em consequência disso o bilhete de passagem podia sofrer uma diminuição.
Do vinho que nos foi apresentado, preferi o Dão Cardeal. Considero que os vinhos do Dão são por natureza demasiado excelentes. A maravilha que os portugueses descobriram. Talvez superior às descobertas de além-mar. Vinhos do Dão, que na realidade deveriam ser considerados vinhos do Deus Dão. Costumo beber sempre pelo menos uma garrafa de tinto, de quase um litro, de Dão Meia Encosta às refeições. É muito leve, com um tom magnificamente quase imperceptível de amargo. Quase não se sente o seu aroma, que aparece depois de ingerido. A sua leveza extraordinária faz-nos deificar o paraíso.
Passados poucos minutos o nosso cérebro extasia-se. As ideias flúem muito nítidas. O nosso cérebro agradece tão providencial relaxe. O nosso coração sente-se protegido, como um medicamento que acaba de ser receitado. A nicotina do cigarro parece atenuar-se. Estes vinhos são um poderoso auxiliar da nossa saúde. Passadas poucas horas os seus efeitos desaparecem. Como se não tivéssemos bebido nada. Ah!.. Meu Deus! Que maravilha de vinhos. Que maravilhoso país que lhes deu origem.
A viagem demoraria aí umas sete horas. Seria percorrida durante a noite. O Vieira e o mastodonte já abriam as bocas, forçadas pelo sono. Outras vozes pouco a pouco deixaram de se escutar. Apenas se ouvia o sussurrar do pessoal da tripulação. As hospedeiras nestes voos para África costumam dispensar pouca atenção aos passageiros. Notei que evitavam a todo o custo manter qualquer intimidade. Ainda tentei dialogar um pouco com uma delas, mas em resposta apenas levei com um sorriso forçado. Acho que faziam o serviço quase por imposição. Mas no fundo não deixava de concordar com elas. Bastava olhar para a anarquia que reinava no corredor, especialmente alguns sacos que impediam o vaivém do serviço do pessoal de bordo.
O filme a bordo não tinha grande interesse. Acho que a companhia aérea o alugou por um preço ínfimo, talvez para ajudar a que os passageiros adormecessem rapidamente. Pelo contrário, eu não sentia sono. Dei mais uma olhadela para os passageiros. Todos se sentiam cansados, e cada um procurava acomodar-se o melhor possível para uma boa soneca. Recostei-me o mais profundo que era possível no meu assento. Peguei na minha manta, e estendia-a sob o corpo.
Pensei na minha esposa que me disse, que eu já não tinha juízo. Como era possível abandoná-la? A ela e aos nossos dois filhos? Uma menina muito bonita e um rapagão. Instintivamente peguei na fotografia deles. Olhei-a durante uns momentos. Não iria telefonar, acho ridículo perguntar: «como estás? Está tudo bem?!» Os contactos seriam feitos por E-mail. Creio que é mais prático, porque temos mais tempo para pensar naquilo que realmente queremos dizer. Nunca gostei de telefonar. De repente surgiu-me a imagem de um amigo: Ele falava-me da teoria dos continentes à deriva do, Alfred Lothar Wegener. Ele notou que o afastamento dos continentes se encaixava perfeitamente uns nos outros. Mas, o meu amigo dizia-me a sorrir, que a deriva do Continente Negro, não era de origem geológica. Devia-se apenas à deriva económica. Por isso o seu afastamento era mais acentuado.
Lembrei-me do episódio de uma família amiga, cujo filho prestou serviço militar colonial em Angola. Decidiu voltar e ficou em Luanda. Arranjou uma jovem amante. Enviava regularmente uma mensalidade para a sua esposa em Portugal. Com o passar do tempo as mensalidades escassearam, até que terminaram. Não sei explicar como, mas acabou por ser geógrafo, o que lhe permitia um certo desafogo financeiro. Achava que uma só mulher não lhe era suficiente, talvez devido àquele famoso ardor latino, e ao mítico calor sensual que só a mulher negra, angolana neste caso, oferece. Passou a ir a casa da sua amante de vez em quando. Quando aparecia era para a engravidar. Assim, pensava ele, ela não teria filhos de outro homem. O Don Juan português já ia com nove filhos…
Gostava muito das jovens de catorze anos. Ultimamente quando aparecia, já vinha bêbado. Mesmo assim mandava sempre comprar uma garrafa de uísque. Tornou-se prepotente e agressivo com os vizinhos. Conseguiu outra casa para a outra amante, uma jovem quase com dezoito anos, e passou a viver com ela. Vangloriava-se de manter relações sexuais com várias jovens, e elas sabiam disso, aceitavam, como uma fatalidade do destino. Mas não se preocupavam muito com isso, a não ser o receio da SIDA. Desde que ele lhes desse o sustento necessário, elas ficariam tranquilas. Afinal tinham casa, comida, enfim, o mínimo da necessária tranquilidade.
Um dia, um amigo dos copos convida-o para sua casa. Depois de ingerirem uma boa quantidade de uísque, o amigo lembra-se de lhe mostrar algumas fotografias pornográficas, que ele mesmo fotografou, de uma jovem que ele andava a comer. Gabava-se que ela lhe dava um grande gozo sexual. Começou a ver as fotografias. De repente dá-lhe um grande ataque de tosse. Convence-se que está prestes a ter um ataque cardíaco. O seu amigo muito preocupado pergunta-lhe:
- O que é que tens?
- Não, não é nada… já passa.
- Queres que te leve a um médico?
- Não… não acho que seja necessário.
Levanta-se e sem dizer palavra vai embora. Afinal, as fotografias eram da sua segunda amante. A partir daí deixou de beber. O seu comportamento passou a ser agradável em casa e com os vizinhos. Deixou de andar com mulheres.
Acordo assustado, Vieira interroga-me excitado:
- Estavas a gritar porquê? Já estamos a chegar. Olha, já se começa a ver a cidade.
Acabei de despertar de um pesadelo, onde via a minha esposa e filhos vestidos de fardas militares. E enquanto dormia apontavam-me armas e preparavam-se para disparar.

CAPÍTULO II
MALCOLM X

«07.09.2008 - 12h21 - Robin dos Bosques, Porto: O MPLA é o dono de Angola. Tem nas mãos o petróleo, os diamantes e todos os outros recursos minerais que geram fortunas fabulosas. Toda a máquina do MPLA, a começar pelo seu Presidente e acabar no oficial do exército e polícia mais pequeno, é milionária. Fartaram-se de roubar e ainda continuam. Mas, apesar de tudo, eu, como conhecedor dos problemas africanos, especialmente Moçambique, prefiro que fique o MPLA no poder porque já tem " o baú cheio de nota " e agora pode começar a dar algum ao povinho. Qualquer outro partido que vá para o governo, os primeiros 10 anos é só para encher " o baú dos boys" e só depois é que poderão pensar no povinho.» In públicoúltimahora

À saída do aeroporto esperavam-nos dois carros. Vieira disse-me que ia entregar uma encomenda a uma amiga. Antes de entrar num deles com o Director, informa-me:
- O motorista vai entregar-te um telemóvel. Os números dos nossos para nos contactares, estão aqui.
Entregou-me uma pequena folha de papel onde confirmei os números dos contactos. O motorista que me conduziria esperava. Abri a porta e preparei-me para entrar. De repente oiço três disparos de pistola. Olho à minha volta e vejo a cerca de duzentos metros, junto a alguns contentores um grupo de polícias, que tomam posições estratégicas. Num ápice, um jovem saído não sei donde, empurra-me para dentro do carro, entra e fecha a porta. E fala muito agitado:
- Os police querem matar-me, procuram-me, mas consegui enganá-los!
Não sabia o que dizer, ou fazer. O motorista quebra-me o silêncio:
- Vamos embora, se eles vêm para aqui, vamos ter problemas!
Movimentou o carro e rapidamente dali saímos. Lembrei-me do anúncio que vi em letras gigantes: BEM-VINDO. Estranha maneira de saudação. Acho que o mais correcto seria escrever: BEM-VINDO A TIRO, BEM-VINDO À SELVA.
O jovem permanecia quase deitado, para se esconder de possíveis olhares suspeitos. Ele rogou para o motorista:
- Faz favor, deixe-me no fim da descida, antes do hospital.
Pelo estudo que antes fiz da cidade, este hospital, creio que era o Maria Pia, construído no tempo colonial, mas com as estruturas actuais bastante degradadas. O carro parou. O jovem antes de sair agradece-me:
- Muito obrigado amigo branco… dá-me o número do teu móbaile.
- Móbaile?!






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