Quase tão estúpidas como as declarações de banqueiros,
empresários, políticos e responsáveis pelo sistema financeiro, que durante
meses e meses disseram que a crise tinha acabado, são as declarações de todos
os que olham para esta crise como o fim do liberalismo, do capitalismo, da
economia de mercado e não sei mais quantos conceitos que são coisas diferentes.
Esta crise é obviamente surpreendente e, mais importante, preocupante. E
decorre de erros básicos e gravíssimos: risco excessivo, usura, ganância,
desregulação, facilitismo, crença no progresso eterno. Custa admitir que
instituições centenárias tenham cometido erros tão primários na concessão de
crédito e que os governos e entidades de supervisão não tenham percebido o que
se estava a passar nas suas barbas. É neste campo que se devem tirar quase
todas as ilações. Um pequeno exemplo: é absurdo que só agora se questione o
‘short selling’. Essa prática nunca devia ter existido. Qualquer pessoa sabe
que vender uma coisa que não se tem é muito perigoso… e quando isso dá muito
dinheiro ainda é mais perigoso porque a tentação de eternizar a prática é
“justificada”. In Ricardo Costa, Director geral adjunto da SIC no Diário Económico
Acompanhei
o Vieira até um restaurante,
onde já
lá se encontrava o Director que se
deliciava com uma boa dose de gambas grelhadas. Sentámo-nos. Vieira com o rosto muito sério
sonda-me:
-
Vou-te fazer uma surpresa.
Chama o empregado. Este aproxima-se e Vieira encosta
os lábios no seu ouvido.
Disse-lhe qualquer coisa
que não
consegui ouvir. Depois
volta-se para mim:
- Quando precisarmos de dinheiro
basta falarmos com
o Director, ele vai ao banco, pede dinheiro sem assinar nenhum documento.
O banco é como
se fosse dele.
O
Director esforçou-se e saiu-lhe um leve sorriso de raposa que se apagou quando
enfiou uma gamba na boca. Vieira vira o disco.
- É
necessário que saibas que temos uma empresa de prestação de serviços de
contabilidade, gestão, consultoria… essa tralha toda, entendes?!
- Claro.
-
Amanhã apresentar-te-ei aos serviços de contabilidade, se é que aquilo se pode
chamar de contabilidade, dos Caminhos de Luanda. Não comentes com ninguém que o
Director é meu sócio. E arranca com aquela merda de qualquer maneira.
- O
Director é teu sócio? Mas isso mais tarde não vos trará problemas?
- Esta
merda está toda assim… o que é que tu queres?! Qualquer
director de uma empresa estatal tem empresas criadas com
o nome da esposa,
filha ou
filho, etc. Porque é que nós não podemos fazer o mesmo? São
todos uma cambada de burros, é o que
são. Só
para te lembrar que não estamos na Europa, estamos na África… aqui não há regras.
É o cada um
que se safe. Vou-te lembrar
as tuas condições monetárias. O teu vencimento
será de cinco mil dólares mensais, mais dez mil kwanzas
para as despesas
locais. Foi isso
que acertámos em
Lisboa, certo?
- Sim…
Vieira necessito de enviar um
e-mail para a
minha esposa,
a informar-lhe que cheguei bem, e que tudo corre normalmente.
-
Escreve o texto e entrega-o ao Director.
O empregado chega.
Poisa dois pratos
na mesa. Um
com gambas grelhadas, e outro com…
caracoletas. Vieira ri com satisfação:
-
Pensas que é só em Portugal que isto existe? O que é que queres beber?
- Dão
Meia Encosta.
-
Ah..! Já me esquecia… és um apreciador ferrenho dos vinhos do Dão. Tens muito
bom gosto, eu também aprecio.
-
Vieira, os vinhos do Dão são recomendados na convalescença
de doentes.
- Evidentemente que
sei. Um puro
néctar desses… podes acreditar
que até
recupera um coração.
Depois de quase
uma garrafa despejada, Vieira confidencia-me:
-
Vou-te explicar como é que esta merda funciona. Tenho duas empresas em
Portugal, outras duas na Namíbia. Aqui tenho seis e ainda vou constituir mais.
Quando alguém necessita de importar alguma coisa da Namíbia ou de Portugal,
utilizo uma das empresas em
Angola. A maioria delas são o que se pode chamar de empresas
fantasmas. Depois sobrefacturo as coisas que aqui chegam. Invento despesas numa
das outras empresas para manter um lucro fictício… invento documentos para
fugir ao fisco. Como são burros nunca detectam nada. As contas bancárias em
divisas não aparecem na contabilidade. Eles não sabem de nada. Estás a ver os
lucros que geramos? É como se fosse uma mina de diamantes.
-
Claro, claro, mas…
- Os
directores das estatais quando precisam de efectuar compras
para a sua empresa aumentam substancialmente
o seu preço,
que é creditado numa conta
no exterior. Como
é que pensas que
eles compram as casas em Portugal? Estão sempre
a falar mal
dos portugueses, mas é só para disfarçar, para
angolano ver. Quando a vida lhes correr mal em Angola
fogem para Portugal, e lá passarão a reforma. É tão simples como isso. Olha
aqui! Exclama enquanto ao mesmo tempo retira um documento da sua pasta.
07.09.2008 - 23h19 - Pedro227,
Amadora. Público última hora
Luís de Almada, o senhor que
tem tido comentários relativamente à Geórgia dignos de uma pessoa esclarecida e
culturalmente a um nível superior, acredita sinceramente que estas eleições
angolanas foram livres, justas e democráticas? Não há democracia nenhuma em que
algum partido ganhe com um avanço de mais de 70% sobre o segundo e é óbvio que
nas presidenciais do próximo ano se irão repetir estes resultados. Estas
eleições foram uma farsa mas os observadores europeus vão validar os resultados
porque o Sr. Eduardo dos Santos, apesar de tudo, não incomoda os europeus como
acontece com o Sr.Mugabe. No entanto, Angola deu um passo em frente: passou de
um regime de ditadura para uma 'democracia formal' - as pessoas podem votar mas
'não conta para nada' porque ganham sempre os mesmos. Este regime vigorava no
Iraque até à intervenção americana e vigora actualmente em Moçambique e no
Zimbabué. Tenhamos esperança... um dia a verdadeira democracia há-de chegar a
Angola. Infelizmente, talvez nenhum de nós ainda esteja cá para ver....
De repente lembrei-me da conversa
que mantive com
Malcolm X. Como é possível
acabar com a criminalidade num país
assim? Pelo contrário, ela subirá de tal
modo que
será impossível estancá-la. Vieira
chama-me a atenção:
- Bom
vinho… vou mandar vir mais duas garrafas… ainda bebes mais?
Assenti
com um leve
agitar de cabeça.
Vieira agita-se, desperta-me a atenção para alguém que se aproxima. Com
olhos gulosos, cheios de desejo sensual,
desgarra-se.
- Porra!
Mas que negra tão bonita. Não me importava nada de passar toda a noite com ela
na cama.
Ela
acompanha-se de um jovem.
Dirigem-se para a nossa
mesa, parecem conhecidos. Vieira cumprimenta-os. Depois convida-os para se sentarem, crava os olhos
nela e interpela-a:
- Ó
Princesa das mil e uma noites, revela-me o teu segredo de uma só noite.
- Não
sei... só o senhor é que pode saber.
Vieira
insiste:
-
Durante mil e uma noites?!
- Ai
é?! Naturalmente… nunca ouvi falar disso.
Acercaram-se
mais alguns jovens
que agitaram as mãos
na direcção da nossa mesa. Os nossos
convidados desculparam-se, saíram e
juntaram-se aos recém chegados. Nota-se
que Vieira está com uma grande vontade
de galhofar, não se contém.
- São
muito bonitas, mas basta abrirem a boca estragam tudo. Seria melhor que
ficassem sempre caladas. Bom… por hoje chega. Vou-te levar a casa. Depois
vou-te arranjar um carro para uso pessoal. Se amanhã não aparecer irá o
motorista buscar-te. Fica pronto às nove da manhã.
Veio o
motorista. Os Caminhos
de Luanda ficavam próximo do Porto
de Luanda. Ainda mantinha a estrutura
colonial que necessitava urgentemente de beneficiação. Por
todo o local
notava-se a improvisação. Vieira
aguarda-me à entrada dos serviços administrativos.
Está acompanhado de um casal. Vieira dá-lhes uma lição
de economia elementar.
Acaba de falar sobre
o desenvolvimento económico da Alemanha,
graças à organização
dos seus caminhos-de-ferro. O homem ausenta-se, talvez
feliz pela minha chegada. Talvez cansado
de escutar o Vieira, que me apresenta à senhora:
- Este
é o técnico de contas que vai recuperar a vossa contabilidade. Agora
entendam-se... desejo-vos bom trabalho.
A senhora era a chefe do departamento financeiro. Levou-me até
ao seu gabinete.
Convidou-me a sentar. Rondava os quarenta anos e
parecia simpática. Ainda se notava que quando jovem devia ser muito bonita, porque conseguia conservar parte
substancial dessa beleza. Vestia uma saia um tanto
ousada e muito justa. Quando se sentava cruzava as pernas
e mostrava umas coxas bem torneadas, sensuais. Tudo
no seu gabinete
era improvisado. Não
tinha computador, apenas uma vulgar calculadora.
Começa, improvisa, introduz.
- O
maior problema aqui é a luz. Está constantemente a falhar, e quando vem é muito
fraca.
- Não
conseguem resolver isso?
-
Resolver?! Como?! Os cabos da rua precisam de ser substituídos.
-
Então vai ser difícil trabalhar… como é que faremos?
O seu
rosto desalenta-se, esforça-se e responde.
- É
pá… não sei!
- Já
falou com o Director?
- Ele sabe disso há muito
tempo. Não
liga… tenho tantos assuntos para resolver,
ele nunca
aparece. De vez em
quando vou a casa
dele, mas nem
mesmo assim.
De repente sorriu. Pareceu-me que
queria dar uma sonora
gargalhada mas
conteve-se:
- A melhor maneira
de o apanhar é no restaurante.
Passa lá
a maior parte
do tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário