Heitor, já
está com muito trabalho. As tarefas que mais lhe aparecem, são a transformação
de instalações existentes para os mais variados fins. Assim, os novos
locatários mandam partir as paredes, e pedem para novas serem erguidas conforme
o seu gosto. Por exemplo, o que antes era uma colchoaria passa a ser um
escritório. Nos prédios partem-se as paredes nos interiores e erguem-se novas
para obter mais espaço. A justificação que se dá, é porque as famílias
africanas são muito numerosas.
Por todo o lado se
houve continuamente o barulho do bater e martelar. Parece que
toda a gente
está a construir. Mas
não, na realidade
estão a destruir. Então, aproveito para
pedir pequenos serviços de canalização:
- Heitor,
tenho o bidé da casa
de banho partido.
Preciso que
me montes
um novo. O tubo da evacuação
do tanque de lavar
a roupa tem uma fuga, e da torneira do contador
escapa-se um fio de água.
- Não se
preocupe que vou já mandar o canalizador tratar disso.
O canalizador tratou das reparações. Cerca
de quinze dias depois
o rodapé e azulejos
atrás do bidé
estalam. Os parafusos que o sustentam soltam-se. O bidé
com o peso
do corpo desloca-se de um lado para o outro, como num barco. O tubo
flexível deixa
passar água para o chão. Um mês depois o tubo do tanque deixa passar mais água do que antes. A torneira do contador,
ficando toda aberta
deixa passar água. Não
comentei estes acontecimentos
com Heitor. Acho que
o canalizador se voltasse para reparar
os estragos que
fez, faria ainda pior.
Contratei pessoalmente um canalizador profissional que
acabou de me contentar com o seu trabalho.
Noto que
Heitor está preocupado, abordo-o:
- O que é que se passa? Estás
doente?!
- Não... um muro que erguemos
desabou com a chuva. O terreno afundou-se e daí a origem… a que o muro
desabasse.
- Não fizeste estudos sobre a
consistência do terreno? Por exemplo se a água se acumula…
- Estudos de geologia?! Nem
vale a pena pensar, o serviço ficaria caríssimo.
Com o passar do tempo novos trabalhadores são
admitidos. Estes passam a tratar Heitor como, o senhor engenheiro de construção civil. Heitor parece gostar muito da promoção. A publicidade
espalha-se. Até que finalmente recebe o título de engenheiro. Quando alguém
pretende um serviço
tem que primeiro falar com o senhor engenheiro.
Infelizmente o seu caso não é o único nesta situação.
Vários outros
idênticos surgem. Aventureiros
da pior espécie
enriquecem facilmente à custa de vigarices, e tornam-se depois
grandes empresários.
Chegam sem um
tostão e roubando aqui, roubando ali,
enveredam com uma facilidade espantosa pelos caminhos
do crime. Até contraem empréstimos que
não pagam. Organizam-se em quadrilhas
criminosas, que pouco
a pouco minam os alicerces
do país, conduzindo-o irremediavelmente para o neocolonialismo.
Angola não tem contabilistas e
os que existem não se lhes dá valor.
Os novos empresários constituem várias empresas.
Quando fecham as contas,
intencionalmente apresentam prejuízo ou um pequeno lucro. Para isso
emitem documentos em
nome das outras empresas
que constituíram, para
a fuga ao fisco.
Com isto
torna-se evidente que
o enriquecimento rápido é um facto. Com este dinheiro ganho ilicitamente, corrompem-se os funcionários que
intervêm no circuito empresarial.
A riqueza
aumenta cada
vez mais.
Os seus tentáculos
introduzem-se no interior do regime a alto nível, onde o empresário gato-pingado
obtém protecção, sente-se seguro, à-vontade, para prosseguir a sua actividade
criminosa. E avança destemido
para outras actividades, sempre
prestando maus serviços. Na realidade
destruindo o país, ou o que dele ainda resta.
Quando os clientes
reclamam, basta telefonar
para um dos seus amigos da
nomenclatura. Como não
têm quadros para
efectuar a auditoria às suas contas,
(nos regimes altamente corruptos a palavra auditoria não existe), são biliões e biliões de dólares que se perdem anualmente.
Também ninguém
está interessado nisso, porque todas as empresas estão ligadas
a membros do poder.
Pode-se ressaltar que o país está à deriva.
Um cliente
contratou Heitor para cimentar
o quintal da sua
casa. Serviria para
parque de estacionamento,
para si e sua família. Pouco tempo depois do mau trabalho efectuado surgem fissuras.
Evidencia-se que o trabalho foi feito
por um
amador. O cliente
sentindo-se ludibriado reclama que o trabalho foi mal feito. Exige a reparação
dos danos sem
dispêndio monetário
da sua parte.
Heitor tranquiliza-o:
- Já
vou mandar alguém
tratar disso.
Os dias
passam e tudo continua na mesma. O cliente
ameaça-lhe que vai levar
o assunto a tribunal.
Heitor apenas diz muito convicto:
- Faça o que quiser e bem lhe
apetecer, cá nos defenderemos.
Findo o diálogo e como que a desculpar-se Heitor diz-me:
- Vai ficar assim como está...
quero que ele se foda!
Entretanto, Heitor consegue um bruto contrato. A construção
de seis vivendas
para duas empresas
que servirão para
alojamento dos seus
administradores e directores, e também para funcionarem como casas de trânsito. Consegue receber
um avanço de
cinquenta por cento
do valor total.
Heitor, aflito com tanta massa socorre-se
do Director para pesquisar
na Internet fotografias
de vivendas. Mostra os modelos aos clientes
para ganhar tempo. Vieira orgulha-se.
- Com este dinheiro vou já
importar diversas mercadorias, vendo-as e vou obter um grande lucro sem gastar
um tostão.
Intrigo-me com tal atitude e
fazendo-me de parvo interrogo-o:
- Vieira, e a construção
das vivendas?!
- Vamos ganhar o maior espaço
de tempo possível. Depois devolvemos os cinquenta por cento… a prestações… e
alegando motivos de força maior. Estás a ver como é que se ganha dinheiro por
aqui? Isto é Angola!
CAPÍTULO IV
JACINTO
Transmito a Vieira que o apartamento
na cozinha tem uma infiltração de água proveniente do vizinho
de cima, e que
nas escadas existe quase
um depósito de lixo municipal. Nas traseiras
o panorama é também
desolador.
- Vieira, já falei com o
vizinho de cima. Ele disse-me que ia imediatamente parar com isso… mas não
estou a ver nada. Parece-me que cada vez está pior.
Vieira de repente
fica colérico. Gesticula qualquer coisa. Dá um soco violento na secretária
que estremece, como numa explosão.
Receei que o computador avariasse devido à violência
da pancada. Grita fora de si:
- Negros de merda! É impossível
viver com eles… alguns constroem e eles destroem! Deviam viver numa pocilga de
porcos que é o lugar onde merecem viver! Heitor!!! Heitor!!!!!
- Vieira, o vizinho de cima é
branco, não é negro.
- Eh!.. Porra... já não me
lembrava. O vizinho anterior
vendeu-lhe o apartamento… Heitor! Heitor!
Heitor chega
meio atrapalhado a sorrir de gozo. Já se habituou a suportar
os ataques de cólera
do irmão:
- Diz lá Vieira.
- Quero que
me resolvas o mais
rápido possível
uma infiltração de água na cozinha do meu
apartamento. Se for preciso parte aquilo tudo... mas eles têm que pagar as despesas.
- Ok chefe.
Heitor aproveita, dá meia volta
e afasta-se rápido. Satisfeito por se ver livre da tormenta. Hélder volta-se
para mim.
- Já podemos mudar para a
Cidadela?
- Sim chefe.
- Então amanhã mudamos, trata
de tudo o que for necessário. Carro para transportar as coisas, etc.
- Sim chefe.
- Já abriste conta no IP?
- IP?! O que é isso?!
- Seu burro!.. Se já abriste
conta no provedor de serviços Internet.
- Ah!.. sim… já abri.
Vieira reforça o diálogo
anterior, talvez por não encontrar, ou não lhe interessar outro.
- Então amanhã vamos para a Cidadela. Como vês já temos Internet.
Estão todas as condições criadas. Vamos
facturar em força… a padaria já funciona. Isso
quer dizer que temos sempre
pão fresco e dinheiro a qualquer hora.
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