Poucos anos depois
da independência de Angola, 11 de Novembro de 1975, o velho Rocha, já quase nos
sessenta anos, magro, estatura mediana e bem conservado, o Siro e eu preparávamos
as bagagens no rumo da Barra do rio Kwanza. No trajecto apreciava o intenso
perfume a jasmim na zona das Palmeirinhas. Atravessávamos a ponte que tinha uma
pequena guarnição. Distribuíamos alguns maços de cigarros pelos jovens Faplas,
eles já nos conheciam, depois mais uns poucos de quilómetros percorridos
virávamos à direita numa picada que dava para o mar, avançávamos no pequeno
jipe Suzuki até atingirmos uma língua de areia que separava, à direita o fim do
rio, a sua desembocadura, e à esquerda o mar, possante, de ondas sonhadoras. O
Velho construiu uma caixa térmica que cabia no suzuki. Como ele fazia a
manutenção da refrigeração da fábrica de cerveja Cuca, tinha direito a quatro
caixas de cerveja semanalmente, e assim a nossa caixa térmica ficava bem atestada
e a cerveja bem conservada no gelo, que também servia para conservar o peixe
que eventualmente pescássemos, e que também habitualmente assávamos. Preparávamos
as canas de pesca e depois fazíamos lançamentos o mais longe possível. De manhã
bem cedo o mar parecia um lago gigantesco de água muito mansa, tímida, parecia
como que uma auto-estrada. Mas lá para as treze horas mudava e começava a
ventania, de ondas agitadas. Depois das canas no mar, já o sol nos atacava,
queimava com força, e a praia ficava como que um forno. A areia fina, branca,
queimava-nos os pés. A praia era só nossa, não se via mais ninguém, era um
paraíso, portanto além de nós, não se avistava vivalma. O apetite subia, voraz,
comíamos do nosso farnel e a cerveja começava a desaparecer. É que estas coisas
do mar fazem muita sede, e a cerveja é uma bebida muito agradável, mata de
facto a sede. E o Velho previdente controlava o estoque, senão a cerveja não
chegaria.
E por mais
lançamentos que fizéssemos nem um peixe nos anzóis. Mais um dia em vão, da
santa paciência de quem pesca, é por isso que se diz que a pesca à cana é o
desporto da paciência.
E já era meio-dia,
depois treze horas… dezasseis horas, de peixe, nada. Já tínhamos tudo arrumado
no suzuki para regressarmos, mas o Velho não desistia e disse que ia fazer o
último lançamento e que após isso iríamos embora. Inspirou-se e colocou uma
sardinha pequena bem ressequida pelo sol, no anzol. E ainda inspirado deu-lhe
para atirar o anzol com a isca para o cimo de uma onda anormal, dessas que de
mil em mil ondas, a última será a maior. E ficámos a olhar, a aguardar pelos
acontecimentos, embora críticos porque achávamos que o Velho nos estava a fazer
perder tempo. Mais uns cigarros nos lábios e já sentados no jipe à espera que o
Velho o viesse conduzir, quando de repente surgiu o inesperado.
A cana dobrava-se
quase até ao chão, indicando que se tratava de um bruto peixão. O Velho lutava,
manobrava para que a linha não se partisse. Ouvia-se o assobiar da linha,
indicando que estava muito tensa, muto esticada e que poderia partir-se. O Velho
não descansava, já ia numa hora de luta. Era uma bruta macoa, que pelo tamanho
fazia lembrar um porco. O Velho perdia as forças, já se ajoelhava, tentei
dar-lhe uma ajuda mas o Siro disse-me que é o pescador que tem de tirar o seu
peixe da água sem a ajuda de ninguém. Foram quase duas horas e meia de luta, e
o Velho muito cansado disse que, afinal ganhámos o dia. E o Siro disse-lhe que
ele merecia o prémio da persistência.
Imagem: Angola, barra
do rio Kwanza. ab4-cronicasecontos.blogspot.com
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