Vieira pretendia que
a Cidadela fosse o seu
estado-maior. E por isso juntou todos os serviços
administrativos, incluindo a central
rádio de apoio aos serviços
de segurança. As instalações
eram espaçosas. No rés-do-chão ficava a padaria,
e contíguo ficava o armazém de géneros que sustentava as refeições de todo o pessoal,
incluindo as nossas. Havia uma escada que dava acesso
à parte superior, onde se situava o escritório central.
Experimentei conectar-me à Internet
e funcionou. Também existiam telefone e fax. Um gerador
instalado no exterior supria as falhas
constantes de luz. Porque a energia
eléctrica parecia, ou era de fingimento. Seguranças alternavam-se e velavam dia e noite
pelas instalações. À noite a iluminação
era deficiente porque as lâmpadas eram insuficientes. Nas secretárias
usava-se um candeeiro
eléctrico. Tinha uma pequena suite que
servia para dormir, com casa de banho. Quatro aparelhos de ar
condicionado mantinham o ambiente agradável. Vieira diz-me que
tem uma novidade:
- Já temos boate. Logo à noite dá um bom jogo de futebol. Instalei uma parabólica
com ecrã gigante.
Assim já
te podes divertir
acompanhado das tuas mulheres.
Entra um idoso com ar de
mistério impressionante. Vai
cumprimentando os presentes, mas a sua voz não se houve. Aproxima-se de nós
lenta e silenciosamente,
como se evitasse o barulho
dos seus passos.
Vieira chama-me a atenção:
- Apresento-te o Jacinto, mais conhecido por Hitler.
Repara no bigode dele. É exactamente uma cópia do Hitler… é ou não é?!
Não prestei atenção
ao insulto, embora
me desse vontade
de rir. Deu-me uma boa noite
com uma voz
quase imperceptível.
Vieira interroga-o:
- Na boate não falta nada? Temos tudo
garantido para o sucesso?
- Tudo não. Parece-me que o gerador não aguenta com a
carga. O disjuntor dispara.
- O electricista não
resolveu, porquê?
- Bem… resolveu não é bem assim… o senhor não lhe
paga.
- Mas o que é que tu queres?! Ele deixa os trabalhos
inacabados e…
- … Acho que não é outra vez bem assim. Há dois meses que não recebe nada.
- Amanhã vou-te
dar o dinheiro, e quando ele acabar os trabalhos
ponho-o a andar.
- Muito bem, seja feita a vossa vontade.
- Jacinto, quando o contabilista
precisar de transporte
manda o motorista.
Dá-lhe o número do teu
telemóvel.
Retira uma folha do seu bloco de
notas, escreve o número e entrega-mo. Jacinto afasta-se silenciosamente.
Nota-se o cansaço da idade.
Parece arrastar as pernas.
Chega à porta
de saída, fecha-a e desaparece.
Retive a sua imagem. Tem cerca
de sessenta anos. Cabelo
e barba cor
de prata. Olhos
pequenos e profundos.
Estatura baixa.
Um pouco
gordo. Apesar
da idade nota-se que
está bem conservado. Vieira começa
a falar-me sobre ele:
- Tenho pena
dele, já está velho.
Em Portugal vivia muito
mal, por
isso trouxe-o para
aqui. Actualmente está com a responsabilidade
dos transportes e da alimentação, e supervisor
dos seguranças. É um
indivíduo culto,
mas tem um
senão, nunca
mexeu num computador, nem quer ouvir falar disso. Não tem aqui ninguém da sua família. Consegui-lhe um
apartamento na Maianga. Está a viver com uma mestiça que tem
trinta anos. Desde
que está com
ele, já
engravidou duas vezes. As crianças não são filhos
dele, mas trata-as como
se fossem suas. Depois
fala com
ele para fazer um inventário de tudo
o que se encontra
na boate, senão
vai ser uma roubalheira.
Já falei com
ele para mandar o motorista
apanhar-te às vinte horas.
Encontramo-nos na boate.
O motorista
acaba de chegar. Entro na viatura e noto que está acompanhado de uma senhora.
Ele fala
muito alto.
Diz-me que a mulher é sua esposa. Quer impressioná-la e diz-me:
- Quero ver como vai o seu trabalho. Amanhã
entregue-me um relatório sem falta.
O carro passa num buraco
e ouve-se o barulho de garrafas vazias a baterem umas nas outras. O homem grita por tudo e por nada. A sua condução é
perigosa. Temo pela minha
vida. Baixo-me e começo
a contar. São
oito garrafas
de cerveja que
andam de um lado
para o outro
a passear. Algumas chocam com
os seus pés
e incomodam o acesso aos comandos. O homem
não se preocupa. Está bêbado. Será um
milagre se conseguirmos chegar ao destino. Num cruzamento
surge um carro
com polícias.
O motorista despreza-os. O condutor do carro
da polícia faz-lhe sinal
de luzes. Lembro-lhe:
- Então você não sabe que eles têm direito a
prioridade?!
O motorista
pára de repente. Os polícias
avançam. O motorista pergunta-me:
- Ah! Eles têm direito a prioridade?!
(Muleke Rio
de Janeiro. Á falta de noticias assume-se que devem ter assinado algum contrato
de venda de petroleo a uns 100 ou 120 dls por barril e agora esse contrato vai
ser revisto. Agora os Chineses que já podem comprar o ouro negro a 20 ou 30
dols/bl não querem assumir o contrato e compromisso assinado. Já fizeram isso
com a Malasia com Oleo de Palma á pouco tempo, soja do brasil e com outros. Os
acordos dos Chineses só são válidos para eles, enquanto forem lucrativos. Assim,
mais um país africano fica empenhado e sem saber como sair do buraco em que se
meteu. Nem os chinas nem o governo angolano sabiam que haviam tanto petroleo
barato no brasil e venezuela... estavam mal informados e as coisas acontecem. In Angonotícias)
A pista de dança funcionava na cave da boate, e a parte de cima
dedicava-se a convívio. Em frente à porta de acesso
do lado da rua, disfarçava-se um segurança acompanhado
de um cão
corpulento. Quando
a pista de dança
não funcionava o ambiente
era calmo.
Quando aberta o barulho
era insuportável.
Pessoalmente, devido a este inconveniente
sempre evitei frequentar boates. Nunca
consegui entender como
as pessoas suportam tanto
barulho. Abordo o Jacinto:
- O Dr… disse que
tem que se fazer
um inventário
de tudo o que
aqui existe.
- Amanhã mando tratar disso.
Vieira acaba de chegar e
anuncia a sua presença
aos berros:
- O Benfica é o melhor do mundo. Mas o que é que tu
queres?! Tem andado com azar. Todos os clientes que provarem que são do Benfica
têm direito a um desconto especial. Os do Sporting e do Porto pagam uma taxa de
entrada para suportar o custo dos adeptos do Benfica.
Dirige-se ao balcão.
Chama o Jacinto
e a responsável dos serviços
de atendimento aos clientes:
- Os gastos que o contabilista aqui fizer ponham tudo
na minha conta.
Depois disparata para o Jacinto, exige-lhe:
- Quero o inventário… ninguém sai daqui enquanto não
estiver pronto!
Jacinto observa-lhe:
- Já falei com o contabilista acerca disso.
Vieira aponta para uma mesa num canto que está sempre
reservada para
ele, e convida-me a sentar.
Mostra-se preocupado, com ar implorativo:
- Na noite passada assaltaram um
estabelecimento de venda
de vestuário de um
dos nossos clientes.
Não houve arrombamento. O nosso segurança está
envolvido nisso porque desapareceu. Não se sabe onde
está. Roubaram muito vestuário… lingerie e relógios
das melhores marcas.
Exigem a indemnização... é pá, estou
fodido!
- E o que é que queres que eu faça?
- Tens que ir lá e controlar o inventário
deles. Para sabermos exactamente o que roubaram. A quantia
não é nada
pequena… são milhares
de dólares.
O ambiente agita-se por causa da parabólica. As
imagens na TV desaparecem e aparecem. Um
cliente amigo do copo provoca:
- Não pagaram o
aluguer da parabólica?!
Vieira agita-se, muda
de posição e grita-lhe:
- Tens que me dizer qual das parabólicas: se é a tua ou
a minha!
Depois calmamente
pergunta-me.
- E como vai a aventura
dos Caminhos de Luanda?
- Vai a conta gotas. Vieira, para fazer o trabalho da loja de vestuários não poderei dedicar muito tempo nos Caminhos de Luanda.
- Não te preocupes. Vou falar com o Director. O que é
que queres beber?
- Acho que não é necessário responder.
- Já sei, vinho Dão!
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