Eram cerca de vinte
e duas horas de um cacimbo violento, muito frio e de intensa humidade, daqueles
que faz com que até os cães sumam das ruas, que nos faz tossir imenso devido ao
aglomerar do pó e de partículas de ferro, e de outros materiais que serrados e
partidos pelas brocas industriais se disseminam pela atmosfera sem vento, ou
quase sem ele, e que acumulados constituem a desgraça dos nossos pulmões, especialmente
das crianças e idosos.
Os seguranças dos
prédios costumam se associar para depois nascer numa panela de cozinha quase
industrial um bruto funji de carne, jimboa, quiabos, a farinha de mandioca e o
jindungo do Cahombo.
E já a
matéria-prima flutuava na panela, pronta para deglutir. Cada um dos seguranças,
aí uns dez, levava o seu prato e se servia, chegava e sobrava para todos. O meu
prato foi-me servido sem grande cerimónia pois já era da casa.
Fiquei num grupo de
três seguranças - os meus kambas de todos os dias - o Pastor, o Leão e o Tony.
Comemos, deliciámo-nos, aquecemo-nos confortados pela comida e pelo ambiente
humano. Para beber apenas água, ou gasosa, pois se os chefes dos seguranças os apanham
a beber, dá direito a despedimento imediato.
E o Pastor – assim
designado, pois ele quando está de serviço prega o evangelho aos seus colegas –
corta o silêncio e fala, desta vez não é do evangelho: «Num armazém onde
prestava serviço, os empregados desapareciam misteriosamente, ninguém sabia
porquê. Até que num dia – desses mesmo onde tudo se descobre – uma esposa foi
procurar pelo seu marido, e lá no armazém lhe disseram que não sabiam nada
dele, talvez fugisse com outra mulher – coisa tão vulgar, tão circense que até
já ninguém presta atenção, pois faz parte do nosso dia-a-dia na cidade – assim
explicaram na esposa. Ela anuiu, e assim de lá saiu. Mas, desconfiada e sempre
com o sexto sentido alerta – isso em que as mulheres são exímias, já nasceram
assim com tal intuição - foi como que arrastada para a lixeira existente no
armazém e se deparou com restos de vestuário que lhe despertaram a atenção. Com
o coração a bater frenético olhou atentamente e não lhe restaram dúvidas que
eram os restos do vestuário do seu marido. Alertou as outras esposas do
sucedido e combinaram que no outro dia lá estariam no armazém para averiguarem
o que lá se passava. Elas acabaram por descobrir que os corpos dos seus maridos
depois de mortos eram esquartejados e vendidos como pinchos nas praças da
cidade. Confirmados os factos a Polícia chegou e prendeu os donos do armazém.»
E o Leão, assim alcunhado
porque dizia que tal como a personagem bíblica Daniel, tinha caído numa cova de
leões e salvou-se milagrosamente: «Uma minha prima apanhou o último táxi
candongueiro da noite, desses que têm coragem de circular às vinte e duas horas.
Com ela viajavam apenas duas jovens, por sinal muito bonitas, a minha prima
achou muito estranho que o táxi não parasse em nenhum local, parecia um comboio
directo, desses que só param na estação de destino. Começou a sentir-se
insegura, a amedrontar-se, depois de falar com as duas jovens e com o motorista
e como resposta ouviu gargalhadas de vozes guturais, dessas que dizem que são
do outro mundo. Entretanto o motorista do táxi candongueiro acelera, de tal
maneira que parecia que voava, e a minha prima gritou: «Ai meu Deus, meu Deus
salva-me!» E começou a rezar muito, a pedir a Deus que a salvasse de tão grande
infortúnio. E o táxi mais parecia um caça-bombardeiro, e a minha prima sentiu
que a sua vida nos próximos momentos ali acabaria. E de repente o táxi
imobilizou-se, ela encheu-se de coragem, olhou pelo vidro da janela e viu que
estavam num cemitério, e que o taxista e as duas jovens saíram do táxi e
dirigiram-se na direcção das tumbas e lá desapareceram. Ela depois confessou
com extremo horror que correu sem parar até alcançar a sua casa, sem saber bem
como o conseguiu.»
O Tony também tinha a sua crónica de um acontecimento passado na casa de um
seu familiar, quando festejavam o seu aniversário: «Eram já para aí duas da
manhã, o ambiente estava muito bom, com a família e amigos reunidos que comiam,
bebiam e riam nas calmas num quintal algures no bairro Rocha Pinto. De repente
uma senhora jovem vinda do céu montada numa vassoura aterra em cima das
pessoas. Ela levanta-se e nas calmas explica-lhes que a gasolina se acabou e por
isso caí aqui.»
Entretanto o mano Pastor volta à carga com mais uma crónica. «Esta
aconteceu no Uíje, quando alguém se dispunha lá a alugar uma casa num local
mais ou menos isolado. Diziam que nessa casa toda a família foi morta durante a
guerra antes da independência, eram brancos que lá moravam, não tiveram tempo
de fugir para Portugal, e também diziam que durante as noites a família que lá
vivia costumava interpretar saraus musicais. Então, durante algumas noites os futuros
inquilinos aproximam-se da casa para a observarem como é que se apresentava no período
nocturno, e de repente a casa se iluminava e lá estava toda a família na execução
de mais um sarau musical. Ainda há pouco tempo me garantiram que a casa ainda
continua na mesma, bem iluminada à noite e sempre com os mesmos intérpretes a
tocarem música.»
Ainda me lembro de mais outra cena que já lhes vou contar, disse o Pastor: «No
Hotel Alameda, na rua que dá para a avenida Comandante Valódia, ex/Combatentes,
as kinguilas dizem que por volta das vinte e uma, vinte e duas horas, uma
menina aí com uns cinco anos costuma aparecer no meio da rua a caminhar, a
descer, e depois desaparece, e que as kinguilas que lhe tentam falar, ela não
lhes responde. Ninguém sabe quem é essa menina e o que faz ali. As kinguilas
quando ela aparece fogem dali cheias de medo.»
E o Tony também narra um acontecimento quando estava num dia de serviço:
«Os polícias da
DNIC – Direcção Nacional da Investigação Criminal, há muito que andavam na caça
de mais um nomeado perigoso delinquente, numa manhã de um dia de cacimbo de céu
parcialmente nublado, com muita humidade onde toda a gente se queixava de que
não se lembrava de um cacimbo tão frio como este - um dos tais dias
extraordinariamente ridículos – montaram-lhe uma emboscada para acabarem com a
sua actividade da desestabilização da sociedade. Os polícias montaram guarda em
todos os locais estratégicos, até em cima do telhado de chapas de zinco do
homem muito perigoso, assim estirados como nos filmes fabricados nos Estados
Unidos, esperaram, esperaram, e do delinquente nada. Não entrou nem saiu de
casa, mas ele nesse dia protagonizou mais alguns assaltos. Os homens da DNIC já
desesperavam pelo baile que ele lhes dava. Como é que ele continuava a
protagonizar assaltos, pois se estava super vigiado noite e dia? E a cena
mantinha-se, não havia sinais de mudança, até que um dos agentes da DNIC teve
uma ideia genial – acho que é assim que as coisa funcionam, porque sem ideias
ninguém vai a lado nenhum, não se sai da cepa torta – foi na sala e mirou um
grande sofá, com a ajuda de alguns dos seus companheiros arrastaram-no e viram
o inimaginável, debaixo dele notavam-se muito bem alguns mosaicos mal
alinhados, levantaram-nos e logo foram conduzidos a outra casa subterrânea, onde
ele entrava e saía com o maior à-vontade. Claro que o bandido quando chegou foi
de imediato algemado.»
Imagem: arquivosdoinsolito.blogspot.com
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