Liguei o portátil e
verifiquei que o disco
rígido tinha
pouca capacidade:
- Olhe meu amigo, infelizmente não lhe posso fazer
nada. O seu disco rígido não suporta mais nada. Só dá para um sistema
operativo. Não sobra mais espaço.
- Mas como não tem mais espaço!? Não estou a entender.
- Terá que comprar um disco com mais capacidade.
O Chileno decide-se, ordena-me:
- Está bem, então faça isso.
- Desculpe, agora sou eu que não estou a entender…
tenho que comprar
um novo
disco?!
- O Dr. Vieira disse-me que
o senhor trataria de tudo
o que fosse necessário.
Também necessito que
compre um modem
para ter acesso à Internet,
para entrar em contacto com
os meus amigos
na Espanha, por causa
dos negócios.
Mais uma embrulhada
do Vieira, achei que devia esclarecer o Chileno:
- Acho que o melhor é o senhor falar com o Dr. Vieira.
- Meu amigo, preciso
da sua ajuda.
Encontro-me numa condição miserável.
Ficou muito pensativo, o seu rosto transformou-se numa profunda
amargura. Caminhou lentamente na
direcção das janelas. Parou numa, depois avançou para outra. Continuou a arrastar-se por
entre elas.
Por fim
parou ao acaso numa delas. Encostou os braços no parapeito
e estendeu o olhar para a
rua de areia.
Ficou assim como
que pretendendo mostrar
que não
queria mais sair
dessa posição. Comovido, caminhei na sua direcção, encostei-me bem próximo dele e
perguntei-lhe:
- Parece-me que está muito abalado, porquê?
- Há vários dias que sinto dores de cabeça.
- Felizmente que raramente sinto isso. Posso quase
assegurar-lhe que nunca tive dores de cabeça.
- Isso, meu amigo, é porque você tem boa circulação
sanguínea no cérebro.
- Mas, o que é que o afecta?
Olhou-me, depois
desviou o olhar para o chão. Agitou as mãos
e o corpo, e caminhou na direcção da cafeteira eléctrica do café, parecia muito estranho,
muito sem soluções:
- Pois é! Agora ninguém sabe como fazer para sair da
grande depressão. Mas, que eu saiba… gatunos só sabem roubar. Não sabem fazer
mais nada, não é?!
E a menina de nove, dez, onze anos, passeia na noite,
aproxima-se de um segurança e quase lhe grita: «Vá, puxa comigo, são só cem
kwanzas!» Vou aquecer o café… também
quer?
Não me apetecia
mas dadas as circunstâncias achei por bem aceitar.
- Sim, faço-lhe
companhia.
Preparámos os cafés. Pegámos nas chávenas
e dirigimo-nos para a que
já era
a sua secretária.
Arrastei uma cadeira e sentei-me o mais próximo dele. Bebemos
e quase ao mesmo
tempo acendemos cigarros.
Sentia que ele
tinha necessidade
de falar o que
lhe ia na alma.
Olhava para um
lado e para outro, como que a buscar auxilio.
Tardava a falar. Já
sentia vontade de me
retirar. Ele
sentiu o meu nervosismo, ganhou coragem e começou lentamente:
- Sou… vizinho… do Dr. Vieira… num condomínio. Ele
também conseguiu lá
uma residência. Vim para
Angola como
refugiado político. Fugi do regime do Pinochet. Sou engenheiro
mecânico de máquinas
agrícolas. Quando
estava no Uíge em serviço, conheci uma formosa
e simpática senhora
que tinha
trinta anos. Enamorámo-nos e depois formámos família.
Tudo corria muito
bem, lutei… trabalhei imenso
para que nada nos
faltasse. Já tínhamos um bom pé-de-meia. O nosso
lar já estava bem
mobilado, não muito
luxuoso, mas
agradavelmente confortável. A nossa conta bancária era conjunta. Ela
conseguiu emprego numa empresa
de um amigo,
que frequentava habitualmente
a nossa casa.
Vivíamos felizes. Que
me lembre, nunca
ouve entre nós nenhum
episódio desagradável.
Ele guardou o que parecia um precioso
silêncio. Vi lágrimas lentamente saírem dos seus
olhos e espalharem-se pela face. Queria
continuar mas
não conseguia. A voz
prendia-lhe na garganta, ávida mas
interrompida por soluços.
Conseguiu controlar-se, respirou fundo:
- Ela…ela…ela…fugiu… e roubou tudo. Até a minha roupa
roubou. Deixou-me sem dinheiro. Estou… completamente… na miséria.
Deixou-se dominar por um choro quase intenso. Retirou um
lenço do bolso das suas
calças. Limpou as lágrimas, lamentou:
- O pior é o nosso filho… tem apenas
sete anos… também o abandonou. Como tenho uma filha
no Chile, que está com
os meus pais,
vou enviá-lo para lá.
Não quero que
a criança sofra. Lá, a educação e o ensino
não se comparam com
esta merda.
- Onde supõe que ela esteja?
- Não sei, não faço a mínima ideia. Em casa da família
não está. Eles dizem que desconhecem totalmente o seu paradeiro. Mas verifiquei
que não estão muito preocupados. Uma irmã dela alertou-me que o seu amigo
também não está em
Angola. Presume que fugiram os dois para França, porque de
vez em quando falavam que seriam felizes lá.
- Inclino-me a apoiar a sua opinião, e confesso que os dois se aproveitaram
da sua franqueza.
O dia renasce, clareia, ilumina-se. Os
pilotos-taxistas acomodam-se nos cokpits. Levantam voo como se estivessem num
aeroporto militar. À velocidade supersónica conduzem os seus caças-bombardeiros
Hiace. Hoje, quantos mais mortos e feridos juntaremos?! Podemos chamar este
acontecimento de epidemia supersónica.
- Sim, também já
cheguei a essa conclusão. Custa-me a entender como isto foi possível.
Ela era
tão agradável,
tão amorosa,
muito minha
amiga.
Queria dar-lhe algum
alento, mas
não sabia como.
Consegui emitir uma opinião:
- Acho que durante esse tempo preparou o terreno
para lhe dar a golpada, quando
visse o momento oportuno.
- Já não confio mais nestas mulheres!
- E agora, o que pensa fazer?
- Estou a trabalhar com o Vieira. Tudo
o que conseguir
importar dos meus
amigos, ganho uma comissão.
Agradeço que me
auxilie no computador, especialmente na Internet,
porque pouco
sei disso.
Peguei nalgum dinheiro que tinha comigo e entreguei-lho. Disse-me:
- Obrigado. Vou-lhe
devolver assim
que o Vieira me
pague. Até para
comer, neste momento,
é graças a ele
que o consigo.
Chegaram dois cubanos.
Disseram-me que apenas
utilizariam o meu computador
de manhã, durante
uns breves minutos
para enviarem um
e-mail, e verificarem a sua caixa do correio. Na primeira
manhã ficaram ocupados
durante cinco
minutos. No outro
dia meia
hora. A seguir
duas horas. Passaram também a ocupar-me as tardes.
Os seus textos
eram longos, cada
vez mais
longínquos.
O Chileno também
reclamava constantemente a minha presença. Conseguiu junto dos seus amigos um novo disco rígido e um modem.
Reinstalei tudo o que
era necessário
no seu computador.
Configurei-lhe o acesso à Internet. Estava tudo
ok. Mas mesmo
assim estava sempre
com dúvidas.
O trabalho que
eu tinha
para fazer, era minimamente executado, pois
que o tempo
que me
restava era curto.
Preocupado dei conhecimento
ao Vieira do que se passava. Mas os meus protestos foram em
vão.
À noite
verifiquei a minha caixa
do correio. A minha
esposa confirmava que
uma transferência bancária
tinha sido efectuada. Protestava com veemência a falta
de atenção que
eu lhe
dispensava. Fiz-lhe recordar como tudo está tão
difícil, e que as vicissitudes são de grande monta. Ela não se fez rogada e escreveu que
provavelmente eu já
tinha arranjado uma preta,
e que se isso
acontecesse também arranjaria um amante.
Vieira entra, bate com
a porta de tal
maneira que
parece uma explosão. Depois do susto
diz-me com cara
de caso:
- Já sabes o que aconteceu no meu prédio esta noite?
- Não, não faço a mínima ideia.
Sem comentários:
Enviar um comentário