Diário da cidade dos leilões de escravos
23
de Janeiro
Nada mudou, os mwangolés continuam a
vender nas ruas como antes, e os colonos governam também como antes.
Jamais esqueçam Bhopal: “Em 3 de dezembro
de 1984, na região de Bhopal, Índia, aconteceu na fábrica de pesticidas Union
Carbide um terrível vazamento de isocianato de metila que, ao entrar em contato
com a atmosfera, se decompôs em gases tóxicos que geraram uma nuvem letal, que
começou a se dissipar próximo ao solo da cidade. Milhares de pessoas e animais
morreram de forma quase que imediata e outras em acidentes durante o desespero
pela fuga. Acredita-se que 8.000 pessoas morreram na primeira semana e outros
12.000 depois, devido às sequelas deixadas pelos gases. No total, calcula-se
que morreram cerca de 25.000 pessoas e cerca de 600.000 foram afetadas. Vale
destacar que aquela fábrica era propriedade de um grupo americano que, em
negociações acertadas com os políticos da região, estabeleceu a operação no
meio de uma área residencial, cujos habitantes receberam felizes a novidade nos
anos setenta. Eles precisavam de trabalho, precisavam de infraestrutura (águas,
pavimentação) que a empresa lhes deu. ” In blogdomax
Creio que já notaram que o actual clima de
Luanda se parece muito com o cacimbo, porque está sempre nublado, exceptuando a
temperatura é exactamente o cacimbo. Está tudo virado.
Das 10.41 até às 14.42 horas levámos com
mais um apagão. Às 16.13 fomos chicoteados com uma violenta oscilação
eléctrica. Só se aposta na destruição. Às 23.41 outra terrível oscilação na
energia eléctrica. E nada nos resta, nada nos restará.
05.30 horas. Acordo com a vozearia do
vizinho indiano a rezar. Quando será que nesta cidade se poderá dormir em paz?!
Sem sono reparador não se poder pensar, não há desenvolvimento mental, económico,
e claro, muito menos social. Na verdade é como se estivéssemos em guerra.
24
de Janeiro
O mundo está cheio de pessoas boas que
fazem coisas ruins. In Hercule Poirot, Os Relógios, de Agatha Christie.
(1890-1976)
Às 00.35 horas outra oscilação na rede
de abastecimento de energia eléctrica – será que os terroristas estão aqui em
força e nós não sabemos?, é bem possível, pois se eles são imprevisíveis –
ouviram-se estrondos dos ares-condicionados como se fosse o fim do mundo.
Acredito que muita coisa se destruiu, ou se não aconteceu, o tempo de vida dos
equipamentos diminuiu, e se forem chineses, nada há a comentar, excepto o:
comprem-lhes mais.
23.53 horas. Para os lados da Ilha de
Luanda ouve-se intenso ribombar de fogo-de-artifício. Para eles o preço baixo
do petróleo não os aflige. A merda não mudou, continua na mesma.
Dois litros de lixívia Lavax comprada
numa cantina dos asiáticos… eram água. Um país sem lei é faroeste!
As três moças muito bonitas afinal eram
espíritos. Fizeram buraco no tecto, entraram na casa, dominaram o senhor, ele
pensava que eram anjos vindos do paraíso. Fizeram-lhe tudo o que ele pediu, foi
uma grandiosa noite de orgia sexual. De repente fugiram, desapareceram. Elas
apresentam-se muito bonitas, mas são almas do outro mundo.
25
de Janeiro
A religião não nos liberta, oprime-nos,
dizima-nos, escraviza-nos.
Circula por aí a notícia de que no
Cacuaco, arredores de Luanda, nasceu um demónio. A mãe recusa-se a amamentar o
recém-nascido. Outra mamã disse para não o matarem, para o deixarem ficar assim
até morrer. Mas parece que já o mataram, disse outra mamã.
Vinte e uma horas, no rumo da derrocada:
a cerveja cuca está a cem kwanzas, mandei comprar duas. A Lwena como sempre
tomou conta do comando das operações especiais. Mandou um jovem vizinho. No fim
ela apresentou o relatório: «Ali nos brancos estão a vender a duzentos kwanzas.
Mais longe na Mariquinha, está e cem kwanzas.»
26
de Janeiro
Quando uma maluca e um maluco se juntam
e depois fazem filhos, isto chama-se manicómio.
Onde esta cidade chegou: um chinês veio
de tão longe, da China, parte madeira que mistura com resíduos plásticos,
queima produtos altamente tóxicos para fazer alcatrão, que usa para revestimento
de interiores e exteriores, e faz fogueira para as suas refeições, não se
importando que o fumo entre nas casas dos prédios próximos, criando problemas
respiratórios e posteriores cancros. Ele faz isso porque por trás está um
general, chama-se Ledi. Que horrível cidade onde não nos podemos queixar,
porque parece dominada por pistoleiros profissionais.
27
de Janeiro
Infelizmente esta verdade do filme, 55
Dias em Pequim, continua válida em Angola. “O filme de Nicholas Ray (que se
reserva o papel de cônsul norte-americano) é uma ode às "razões do
Colonialismo". Nele, os colonialistas são os heróicos defensores da Civilização,
os chineses (construtores de uma cultura milenar) são um povo atrasado e
inferior, e os boxers não passam de bandidos "terroristas".” In Wikipédia.
A França tem cinco mil islamistas
suspeitos de terrorismo, mas que é impossível vigiar tão grande número. É caso
para dizer: o apocalipse chegou.
Há cada mwangolé mais burro. Então o
mwangolé está a pôr sal – desse de mesa muito fino que ilude a quantidade – e
não pára. Chamo-lhe a atenção que demasiado sal mata. Mas ele como bom mwangolé
não liga e continua a por sal na comida. Creio que os mwangolés conseguiram
mais uma vitória: a loucura.
Se em Angola existirem trezentos mil
chineses, isso significa que temos trezentos mil focos de poluição.
28
de Janeiro
Na Mabunda, bairro da Corimba, em
Luanda, um segurança disse que um mais velho perseguia uma criança talvez aí
dos seus cinco, seis anos, com intenções visíveis de a aniquilar. O segurança
manipulou a arma e ameaçou o mais velho que largou a criança. Depois a criança
disse-lhe que conseguiu fugir de um saco que esse mais velho lhe tinha enfiado
no corpo e atirara-o ao mar. Mas a criança conseguiu escapar. E quando o mais
velho a viu ficou muito espantado por ainda estar com vida. E então perseguiu-a
para a matar para que ela não dissesse a ninguém o que se tinha passado. Depois
a criança levou o segurança num quarto e lá estavam muitas crianças, dessas
muito pequenas que ainda não sabem falar, as preferidas dessa rede de crianças.
E que essa rede dedica-se ao negócio da compra de crianças.
Um senhor reuniu três kinguilas e
disse-lhes para arranjarem trinta mil dólares porque tinha o equivalente em
kwanzas para trocar. Elas assim fizeram e quando chegou o momento da troca o
senhor disse-lhes para virem para o carro dele porque fora, na rua, era muito
perigoso. Elas entraram e o senhor apontou-lhes uma pistola e disse-lhes para
deixarem o dinheiro e porem-se a andar.
As kinguilas andam cheias de medo porque
os meliantes andam a assediá-las para as assaltarem.
O ouro está a 1.291.70 dólares, o brent
crude a 49.60 e o WTI crude a 46.23 dólares. E um ciclone financeiro varre
Angola. A história da galinha dos ovos de ouro repete-se, como se a sua história
fosse desconhecida. Fácil é viver no paraíso do petróleo mas quando os preços
ficam uma pechincha, dramático é viver no inferno.
Tornou-se vulgar dizerem-me que algumas
mwangolés quando desaparecem da circulação é porque foram em missão de serviço.
Afinal elas vão para o estrangeiro fazerem operações cirúrgicas.
Temos que diversificar a nossa economia,
diz-se por aí, isto é, devemos redobrar os nossos esforços para os
investimentos no petróleo porque é a única coisa que nos dá dinheiro. O resto
não nos interessa porque dá muito trabalho pensar, e como as nossas cabeças há
muito estão gastas pelo tempo, nada há a fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário