Et campos ubi Tróia fuit. E os campos
onde foi Tróia: Hemistíquio de Virgílio
(Eneida, III, 12), quando alude ao momento
em que
Eneias e os seus companheiros
se dispõem a abandonar Tróia incendiada e alongam tristemente o olhar para as suas ruínas fumegantes .
Claro que numa democracia de barras de ferro o diálogo
político é efervescido na torrente do ferro, da chacina do bater no ferro
quente e forjar, o ser humano aniquilar. É o retorno da civilização da Idade do
Ferro onde os animálculos estrebucham na inquietude da certeza da queda do seu
poleiro.
E um mandatário do comité de especialidade da barbaridade
das barras de ferro, traiçoeiro como as silenciosas serpentes venenosas
perigosas, postou-se nas costas do nosso herói e desferiu-lhe violentíssima
cacetada com uma barra de ferro na cabeça. O nosso herói pensou que a sua vida
ao fim chegou. Sentiu que a cabeça lhe ia desaparecer, estava prostrado como
que desmaiado. Sentia dor intensa acompanhada de um zumbido como se disparassem
tiros no seu cérebro. Assim ficou sem saber o tempo que passou. O sangue que
escorria secou parecendo uma peça de caça algures abandonada à sorte dos mabecos
numa chana. O cavaleiro Luaty conseguiu adormecer, mas pouco depois despertou
com o frio de um pano que lhe deslizava pelas partes feridas. Moveu-se um pouco
para o lado, conseguiu levantar a cabeça e viu um guarda que lhe limpava os ferimentos.
Parecia um guarda caridoso, pois a equipa de mabecos humanos tinha-o abandonado
à sua sorte, isto é, à sua morte, para depois comunicarem que o nosso herói
caiu acidentalmente, e feriu-se com gravidade e não conseguiu escapar dos ferimentos.
O guarda colocou-lhe um penso na cabeça, antes teve o cuidado de lhe rapar o
cabelo para evitar infecção, e terminou com uma fita adesiva para segurar o
penso. Mas Luaty não sabia se escaparia, pois a espécie humana que o capturou
era dessa semelhante aos tubarões mako, muito agressivos que tudo atacam e
matam sem justificação, apenas pelo prazer de destruir o que é vivo.
E como uma república das bananas onde os comités de especialidade
são um bananal, apresentou-se na masmorra um enviado especial do comité de
especialidade dos bajuladores, que logo se sentou. Eles fingiam andar muito
cansados como se trabalhassem muito, mas na realidade sentiam-se sempre muito
cansados de não fazerem nada. É verdade amigo leitor, não fazer a ponta de um
corno também cansa pra caraças. O bajulador sentou-se próximo do cavaleiro,
enquanto um guarda bem armado em pose de estado islâmico como se o cavaleiro
fosse degolado a qualquer momento. Luaty parecia o Cristo com uma coroa de
espinhos de barras de ferro na cabeça, à espera do golpe fatal dos seus
algozes. E o interrogatório fez-se presente:
- Ó revolucionário de merda, armado em libertador do que
já está libertado. Mas o que é que tu e os teus amigos querem fazer o que ao
longo de quarenta anos já está feito?! Senão vê: as vias primárias, secundárias
e terciárias funcionam a cem por cento. Já não há picadas, isso das estradas estarem
esburacadas é invenção da oposição que só pensa no poder. A nossa população
vive feliz com o apoio e carinho que o nosso governo lhe dispensa, lhe oferece.
Posso garantir-te que nenhum ouro povo no mundo tem tanta qualidade de vida
como o povo angolano. Pontes para ligação das aldeias, vilas e cidades não
faltam. Os serviços de saúde estão com muitos hospitais espalhados por todo o
país, de lés-a-lés como soe dizer-se. Bem apetrechados com equipamentos,
medicamentos, técnicos hospitalares, enfermagem e médicos que garantem o normal
funcionamento e o carinhoso atendimento aos pacientes. Já quase não é necessário
evacuar pacientes para o exterior. Isto é um grande benefício do nosso sábio, o
Grande Inquisidor. Quer dizer, vocês querem destruir as conquistas do nosso Grande
Inquisidor que não se poupa a esforços de noite e de dia… ele quase não dorme
para garantir o bem-estar do seu povo. Este povo que ele imensamente ama. Vejam
o milagre da água para todos que nunca mais faltou, está abundante como nunca
esteve no tempo colonial. Até dá para as crianças nos chafarizes brincarem,
esbanjarem e tomarem banho. Conseguimos a nossa promessa da água para todos.
Outro feito notável da nossa sábia governação superiormente dirigida pelo nosso
inigualável timoneiro que já granjeou a admiração de todo o mundo, como o
exemplo da boa governação a seguir, é a energia eléctrica, que tal como a água
também jorra nos condutores eléctricos desta vasta planície que é Angola. Que
seria do nosso são e extraordinário desenvolvimento económico e social sem esse
prodígio que diga-se em abono da verdade também suplantou o tempo colonial,
pois os colonialistas não tinham tudo electrificado e nós temos. Nas ruas nem
há necessidade dos postes de iluminação pública porque a luz dos anúncios luminosos
dos estabelecimentos comerciais garantem iluminação em pleno. É por isso que os
assaltos diminuíram, quase já não os há, devido à intensa claridade nocturna.
Quer dizer: fizemos da noite dia, e a bandidagem recolhe-se nas suas tocas com
receio de assaltarem os transeuntes. O grande princípio que encetámos logo que
tomámos posse como partido do trabalho dirigente e motor da nossa sociedade foi
a agricultura. Nunca nos deixámos levar pela miragem do petróleo, pois só quem
dele depende acaba num tsunami político e económico, esvai-se como o corpo sem
sangue. Com a agricultura em pleno funcionamento logo deixámos de importar
quase tudo, só algumas coisitas. Criámos o tal pleno emprego. Criámos imensos e
poderosos motores económicos, os modelos que nos permitem a estruturação, a
criação do bem-estar e a nossa balança de pagamentos é saudavelmente positiva.
Quer dizer, saldamos as nossas contas com o exterior e ainda nos sobra muito dinheiro.
As nossas reservas monetárias são astronómicas. Temos um imenso acervo de
biliões de dólares que nos permitem muitos anos a viver sem sobressaltos, se a
conjuntura internacional não nos for favorável. Isso é que se chama governar.
Conseguimos instituir a democracia como sistema de governação.
As manifestações pacíficas sucedem-se praticamente todos os dias sem
incidentes. Os jovens usam e abusam desse instrumento democrático para chamarem
a atenção, lembrarem os erros da nossa governação que logo são corrigidos. Não
há, nem nunca houve intolerância política, pois as opiniões contrárias e as
acerbas críticas são bem-vindas como um salutar incentivo de governação, pois
sem isso não há democracia. As eleições são cumpridas sem necessidade de observadores
internacionais, pois a honestidade do escrutínio eleitoral está mais que confiável
e nenhum partido apresentou qualquer reclamação sobre a idoneidade eleitoral,
que diga-se de passagem é escrupulosamente isenta de má fé.
O bajulador fez uma pausa, a boca estava seca, salivou-a
e apalermado como um vigarista apanhado com a boca na botija quando pretende
fazer o conto do vigário.
- Qual é o partido político e país que financiam as
vossas actividades?
O cavaleiro Luaty não se impressionou com a pergunta.
Aliás durante o discurso do bajulador ria, ria muito como se alguém lhe
contasse as melhores anedotas do mundo, e como tal ripostou-lhe:
- Oh! Mas vocês são assim tão burros?! Então não sabem
que o partido político da Coreia do Norte é que nos apoia e como país também o
faz. Outro país é a China. A partir de agora não comunicaremos quando sairemos
às ruas e fá-lo-emos a qualquer momento enquanto não libertarem todos os presos
políticos. Notem que a miséria e a fome a que nos obrigam são agora
transgressões administrativas. Vocês querem que a democracia, o poder do povo,
vá para as ruas, porque já não têm soluções. Estão encurralados pelo tempo e
pela história, não sabem o que fazer… também nunca souberam e não é agora que o
saberão. Teimosos como burros deixam-se levar na avalanche das manifestações
que se aglutinam porque uma nação não é pertença de algumas pessoas, ainda mais
quando vocês dizem que é democrática. Vocês estão loucos e a vossa loucura os
tombará e jamais se levantarão. Vocês não gostam de mudar porque querem acabar
como as outras ditaduras.
Imagem: Setenta anos da
Coreia Do Norte. ELPAIS
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