terça-feira, 22 de março de 2016

Num momento tão conturbado da vida do Brasil. José Eduardo Agualusa







Um novo futuro
Há alguns dias Lula da Silva comentou que, caso fosse preso, se transformaria no Mandela do Brasil. Suspeito que o antigo presidente brasileiro apenas errou o género. Diante dos últimos acontecimentos, parece-me que Lula está em vias de se transformar, sim, na Mandela do Brasil, ou seja, em Winnie Mandela, uma mulher que destruiu todo um glorioso passado de luta quando, após o fim do apartheid, se deixou envolver numa série de pequenos (e grandes) crimes.
Lula, diga-se em abono da verdade, é muitíssimo melhor do que Winnie. Também por isso dói mais vê-lo desbaratar, num rápido movimento de pânico, todo um imenso capital de confiança. Eu vi o Brasil melhorar a partir de 2003, ano em que Lula da Silva tomou posse, como o trigésimo quinto presidente do Brasil. Assisti à formação de uma nova classe média. Testemunhei a chegada às universidades públicas de muitas dezenas de milhares de estudantes afrodescendentes. Durante a presidência de Lula o Brasil fortaleceu a economia, a taxa de desemprego caiu para uns extraordinários cinco por cento, e o país afirmou-se no cenário internacional.
Ao aceitar, na passada terça-feira, o cargo de ministro da Casa Civil, Lula da Silva pode ter conseguido escapar, no imediato, a um eventual julgamento por corrupção. Esse gesto, contudo, apenas serviu para reforçar a percepção pública de que é culpado (culpado ou não) retirando-lhe força e credibilidade. Retira também força e credibilidade à Presidenta Dilma, a qual, até esta semana, podia ser acusada de governar mal, mas não de pactuar com a corrupção. Convém sempre lembrar que foi durante o seu mandato que os grandes corruptos começaram a ser julgados e presos, desde nomes importantes do Partido dos Trabalhadores, a alguns dos mais poderosos empresários do Brasil.
Num momento tão conturbado da vida do Brasil, esperava-se de Lula um pouco mais de grandeza. Uma grandeza em consonância com o seu passado.
No mesmo dia, o juiz Sérgio Moro divulgou para a imprensa uma série de gravações de conversas privadas entre Lula e a Presidenta Dilma Roussef. O juíz errou. Errou muito. Colocou-se, também ele, à margem da lei.
Com este último gesto a impressão que nos fica é de que o Brasil perdeu a razão. Para onde quer que nos viremos o cenário é desolador. Os dirigentes do PT estão desautorizados. Os dirigentes dos partidos da oposição, esses, dão medo. Na maioria são não apenas corruptos, a contas com a justiça, mas também imensamente broncos, racistas, oportunistas, populistas, gente sem sonhos nem escrúpulos.
As redes sociais vêm divulgando alguns manifestos de artistas e pensadores brasileiros,  apelando à calma, e chamando a atenção para o essencial – preservar a democracia. É bom que as pessoas se manifestem, contra a corrupção, contra o oportunismo político, como seria bom que o fizessem a favor de novos sonhos e utopias. Que o façam sem violência e sem apelos ao regresso da ditadura militar.
Acredito que deste momento difícil e perigoso venha a emergir, amanhã, um tempo melhor, mas para isso os brasileiros terão de se mostrar mais idealistas, mais puros e mais generosos do que os seus políticos. A solução não passa por voltar ao passado, mas por reinventar o futuro.



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