Um novo futuro
Há alguns dias Lula da Silva comentou que, caso
fosse preso, se transformaria no Mandela do Brasil. Suspeito que o antigo
presidente brasileiro apenas errou o género. Diante dos últimos acontecimentos,
parece-me que Lula está em vias de se transformar, sim, na Mandela do Brasil,
ou seja, em Winnie Mandela, uma mulher que destruiu todo um glorioso passado de
luta quando, após o fim do apartheid, se deixou envolver numa série de
pequenos (e grandes) crimes.
Lula, diga-se em abono da verdade, é muitíssimo
melhor do que Winnie. Também por isso dói mais vê-lo desbaratar, num rápido
movimento de pânico, todo um imenso capital de confiança. Eu vi o Brasil
melhorar a partir de 2003, ano em que Lula da Silva tomou posse, como o
trigésimo quinto presidente do Brasil. Assisti à formação de uma nova classe
média. Testemunhei a chegada às universidades públicas de muitas dezenas de
milhares de estudantes afrodescendentes. Durante a presidência de Lula o Brasil
fortaleceu a economia, a taxa de desemprego caiu para uns extraordinários cinco
por cento, e o país afirmou-se no cenário internacional.
Ao aceitar, na passada terça-feira, o cargo de
ministro da Casa Civil, Lula da Silva pode ter conseguido escapar, no imediato,
a um eventual julgamento por corrupção. Esse gesto, contudo, apenas serviu para
reforçar a percepção pública de que é culpado (culpado ou não) retirando-lhe
força e credibilidade. Retira também força e credibilidade à Presidenta Dilma,
a qual, até esta semana, podia ser acusada de governar mal, mas não de pactuar
com a corrupção. Convém sempre lembrar que foi durante o seu mandato que os
grandes corruptos começaram a ser julgados e presos, desde nomes importantes do
Partido dos Trabalhadores, a alguns dos mais poderosos empresários do Brasil.
Num momento tão conturbado da vida do
Brasil,
esperava-se de Lula um pouco mais de grandeza. Uma grandeza em consonância com
o seu passado.
No mesmo dia, o juiz Sérgio Moro divulgou para a
imprensa uma série de gravações de conversas privadas entre Lula e a Presidenta
Dilma Roussef. O juíz errou. Errou muito. Colocou-se, também ele, à margem da
lei.
Com este último gesto a impressão que nos fica é
de que o Brasil perdeu a razão. Para onde quer que nos viremos o cenário é
desolador. Os dirigentes do PT estão desautorizados. Os dirigentes dos partidos
da oposição, esses, dão medo. Na maioria são não apenas corruptos, a contas com
a justiça, mas também imensamente broncos, racistas, oportunistas, populistas,
gente sem sonhos nem escrúpulos.
As redes sociais vêm divulgando alguns
manifestos de artistas e pensadores brasileiros, apelando à calma, e
chamando a atenção para o essencial – preservar a democracia. É bom que as
pessoas se manifestem, contra a corrupção, contra o oportunismo político, como
seria bom que o fizessem a favor de novos sonhos e utopias. Que o façam sem
violência e sem apelos ao regresso da ditadura militar.
Acredito que deste momento difícil e perigoso
venha a emergir, amanhã, um tempo melhor, mas para isso os brasileiros terão de
se mostrar mais idealistas, mais puros e mais generosos do que os seus
políticos. A solução não passa por voltar ao passado, mas por reinventar o
futuro.
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