República
das torturas, das milícias e das demolições
Diário
da cidade dos leilões de escravos
Ano 1 A.A.A. Ano do Apocalipse de Angola
A fome é quem mais ordena.
Era muito evidente que Angola chegasse ao ponto
final da carreira da sua existência como país, porque um conjunto de vozes
falava e escrevia sobre isso, mas como por aqui a tudo se faz ouvidos de
mercador, é muito natural que este circo pegasse fogo. Mas a tal extremo que se
chegou, que vigora, está inacreditável. E os culpados da situação é a
incompetência da governação e da oposição. Isto está uma grande macacada. Antes
era uma república das bananas, depois foi premiada como república da ginguba,
agora, e finalmente, república da fome. O que se vê no sistema bancário sugere
que a sua queda está iminente, num Estado megalómano outra coisa não seria de
esperar. Continua impressionante o modelo de gestão que mais parece uma
trapalhada comunista, que o enxame humano do politburo tem tudo e a população
não tem nada, nem sequer direito tem ao vulgar estatuto de cidadania. Os mesmos
de sempre que falharam no tiro ao alvo, são os mesmos que fizeram a crise do
Angola vai parar, continuam a governar, a paralisar, sabendo nós de antemão que
com o remédio de fórmula corrupta a doença vai piorar. A situação já está
descontrolada porque na fome a população vive como ovelhas tresmalhadas
facilmente presas dos lobos famintos. No terreno as forças policiais e fiscais
para se safarem, perseguem nas ruas quem venda alguma coisa no terror
quotidiano, e os condutores das viaturas são perseguidos pela extorsão
monetária, senão a miséria e a fome tomam conta dos seus lares. A mana Antónia
estava com a sua ginguba e batata-doce assadas para vender, chegaram os fiscais
e queriam carregar-lhe com tudo. Ela disse-lhes que estava ali para ver se
conseguia arranjar dinheiro para pagar a transfusão de sangue efectuada na sua
filha. Então, um fiscal pediu-lhe, “dá só duas batatas-doces.” Isto foi a meio
da tarde, porque a meio da manhã queriam levar preso o jovem da cantina
alegando que alguns produtos estavam com o prazo expirado. Então a mana Antónia
e mais a mana Mónica foram em auxílio do jovem e disseram aos fiscais para o
deixarem em paz, porque ele faz quilapi nos vizinhos. E assim o deixaram, sem
antes lhe surripiarem alguma coisa, como é da praxis, claro. É que a fome tende
a generalizar-se porque já há famílias que viviam bem e também já padecem dos
efeitos do alimentar-se mal. A fome já se apresenta como uma doença crónica.
Angola vai parar, parece que já parou. Sem dinheiro, Angola está em poder do
coveiro. Angola é uma mentira permanente, um consumado facto decadente. A fome
é a muito boa conselheira da destruição. Por quanto mais tempo os famintos
aguentarão, por quanto mais tempo sobreviverão às garras das feras inimigas da
nação? É lícito por tempo indeterminado submeter a população ao martírio da
fome sem que haja consequências gravosas? O que se houve mais falar é o roubo
de telemóveis. Num prédio vizinho já colocaram um segurança porque os assaltos
são demais. Sim! Os bandidos já estão nos prédios, as hordas de famintos
invadem o asfalto da cidade na luta sem quartel onde já ninguém se salva na
mendicidade. Sem cérebros não há soluções, há paspalhões, e quanto mais fazem,
mais as nossas vidas desfazem. Bom, isto está uma grande macacada daquelas.
Está tudo muito confuso, onde os muangolés já se confundem com animais
selvagens. Angola acabou, o que lhe resta é para o saque final, habitual. Nada
funciona, tudo se desmorona. Quando a miséria e a fome se extremam aparece uma
igreja em cada esquina, como ciganos a nos lerem a sina. Tal como depois da
queda do império romano, a Igreja apresentava, cantava o advento do apocalipse.
Sim, vem sempre com a história do apocalipse para arrebanhar os desesperados e
sugar-lhes o que resta das suas vidas. Onde há povo burro, a religião e as
ditaduras são o bicho-papão. Isto já não tem solução, pois sem pão é vulcão, os
parasitas nacionais e estrangeiros aguardam a ocasião para a chegada do
furacão. Sem dinheiro, excepto para a comunidade da corrupção, os pilares
bancários gemem na agonia da cidade de Luanda, como na destruição pelos romanos
das cidades de Cartago e de Palmira. As incansáveis testemunhas de Jeová
perseguem de casa em casa os apalermados cidadãos a anunciarem-lhes que o fim
de Angola está próximo tal como rezam as sagradas escrituras. Que o Senhor está
a chegar para o ajuste final de contas. Os inventores de Deus e dos deuses, de
pastores mal fabricados com a bíblia numa mão e na outra um cofre, ameaçam que
se não contribuírem com os dízimos não se salvarão do abençoado apocalipse. A
religião e a corrupção destruíram esta nação. Igreja e corrupção, a perfeita
união. Não há dinheiro, pois alguns ficaram com ele e estão podres de ricos,
daí facilmente se explica a miséria e a fome que não se sabe quando acabará.
Talvez daqui a vinte anos? Nunca? Quantos estarão vivos para festejar… alguns,
sempre os mesmos.
E
ainda há por aí quem me chame de desaparecido em combate. É uma personagem
famosa que me enviou essa mensagem no Facebook, claro que não vou dizer de quem
se trata, mas expliquei-lhe pela mesma via que, conseguir dinheiro para comer
está muito difícil e para acesso à Net é um milagre. Mas ele até agora não me
respondeu, nem me irá responder pois contactar com os aristocratas da oposição
também é um milagre. Creio que eles são inacessíveis, estão permanentemente
muito ocupados a resolverem os problemas dos seus eleitores, e por isso não têm
tempo para mais nada nem para ninguém. Ao memos que tivessem alguém que lhes
lesse as mensagens do Facebook, mas nem isso. Creio que assim não passam de
“imprestáveis”, é que nem o telefone atendem e nem a mensagens respondem.
Parecem um abismo dentro de outro abismo.
No dia 19 de Julho de 2016, junto da Igreja
Adventista do Sétimo Dia, na rua Rei Katyavala, em Luanda, foi visto um
europeu, dizem que é um português mas até agora tal não se confirmou, à procura
de comida nos caixotes do lixo. A vizinhança ficou estupefacta porque nunca
assistiu a tal coisa, e lamentaram, sentiram muita pena do europeu.
O avô mantinha relações sexuais com a neta de
doze anos, foi descoberto e levado preso para a esquadra. Fazia muita confusão
com os polícias, e dizia-lhes que isso era uma coisa natural, carnal, porque é
sangue da minha carne, posso fazer isso com ela. E de repente surgiu uma luz
forte e o avô desapareceu. Procuraram a neta em casa dela mas também
desapareceu.
A Igreja é o pilar das ditaduras.
Um povo educado pela Igreja é obediente,
submisso, supersticioso, faminto, mas acima de tudo escravo de Deus, a mais
hedionda invenção dos clérigos. Mas sobretudo pelo temor a essa monstruosidade
divina. Ficar ao dispor, ao sabor de uma ditadura. E a Igreja é a ditadura de
Deus. E por isso mesmo a igreja adora ditaduras. Portanto as ovelhas do povo de
Deus são o holocausto das ditaduras. E a Igreja, campeã universal da
hipocrisia, diz que o povo está feliz. A ditadura de Deus e dos homens
juntam-se e abençoam-nos com a extrema miséria, fome. Sem eles seriámos muito
felizes. Quando a quadrilha de Deus e dos homens se unem, há quem lhe chame
democracia. Há que os apagar da face da Terra e da História.
23 de Julho 16 A.A.A, ano do apocalipse de
Angola. Um bebé de poucos meses é arrastado pela sua mãe para a festa num
cestinho embrulhado em roupa branca. Na festa, que consistia em meia dúzia de
pessoas num terraço estarem sentadas a ouvir música selvagem, sito é, com o som
o mais barulhento possível. O bebé passa quase encostado às colunas de som.
Vejam, eu a cem metros de distância não suporto o barulho, imaginem o pobre
bebé, mais um que veio ao mundo para nele vegetar. Mas estavam lá cerca de meia
dúzia de outras crianças abandonadas à destruição precoce dos seus ainda não
imunes corpos. Mergulhados no Apocalipse de Angola, creio que as pessoas fazem
festas porque sabem que brevemente vão morrer. Então, enquanto há tempo
despedem-se da vida.
“Em todas as partes alguns terratenentes
enriqueciam enquanto a maioria da população se empobrecia. Mas no conjunto, o
barco imperial estava no colapso, e com cada década que passava o esforço do
Império por manter-se somente a flutuar era um pouco maior, a sua população
declinava um pouco mais, as cidades se empobreciam e arruinavam um pouco mais e
a administração se submergia algo mais a fundo na corrupção e na ineficácia. A
vida intelectual também declinava.” (Historia universal de Asimov. Isaac
Asimov: El Imperio Romano)
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