República das torturas, das milícias e das
demolições
Diário da cidade dos leilões de escravos
A crise é geral, maldita, total e por isso mesmo
chove miséria a cântaros.
No país maldito, creio que é prodígio uma
criança crescer e chegar à idade adulta. É um milagre, dizem os religiosos. É
um mistério das forças ocultas do Universo, dizem os feiticeiros.
Aqui tudo continua teimosamente a ser um
problema, – muitos, muitos problemas - é uma fábrica onde se fabricam, inventam
problemas.
O sentimento actual é como se uma pessoa
retrocedesse no tempo e fosse parar a uma ilha cheia de monstruosidades que a
todo o momento nos perseguem para nos devorar.
Quase que sinto a minha alma a arder porque
convivo com gente que não tem alma, que nunca ouviu falar nisso. Meu Deus!, estão
a fabricar pessoas sem alma. É por isso que são almas do outro mundo. São como
plantas cuja raiz não está bem assente no solo e por isso mesmo desabam.
“Após um bom jantar estamos dispostos a perdoar
a todos, até mesmo os nossos parentes.” (Oscar Wilde)
Hoje, creio que pela primeira vez exclamei: “meu
Deus, tira-me daqui!” Estamos, vivemos na tragédia diária.
Parece que não, mas estão a dar cabo das
crianças, antes, aos poucos, mas agora muito rápido.
E quando se nomeia uma comissão de gestão, deve
ler-se: comissão de má gestão.
Deve-se legislar para que nas empresas,
organismos públicos, escolas, etc., para que seja obrigatório ter pelo menos um
conjunto de primeiros-socorros.
E desde quando é que cabeças no ar resolvem
alguma coisa? Desde nunca!
E o famoso seriado há quarenta e dois anos que
deslumbra plateias. Ganhou, criou muita fama devido às suas promessas nunca
cumpridas. Falo do maior êxito de todos os tempos: OS NOSSOS ALDRABÕES.
Os sedentos de justiça há muito que estão
reprimidos, depois de libertados o chão tremerá, treme sempre.
Por aqui já caiu tudo, de modos que não há mais
nada para cair.
Não entendo porque é que as pessoas se
surpreendem com a prostituição de menores, pois se há muito as condições estão
criadas. Estão distraídas ou fingem que nada sabem, que nada veem?
Se uma pessoa é, vive abandonada, claro que não
liga, despreza o que lhe dizem.
E eis as nuvens do intenso nevoeiro eleitoral
que cada vez mais se adensam. Depois das eleições de 23 de Agosto, o que se
aguarda com muita ansiedade é a reposição da justiça, pois que há muito que ela
desapareceu deste Texas. Será possível que continue tudo na mesma, pior? No
rumo da nova vida sem futuro, sem esperança?
Quando o militarismo partidário se intromete, o
diálogo acaba e começa a intolerância.
Bajular é a arte de conseguir ganhar o pão sem
trabalhar.
Para onde vai Angola? Para lado nenhum!
Há muitos e muitos milhares de anos nada mudou,
está tudo na mesma: guerras, desgraças, fome, constantes assassinatos de crianças,
ditaduras, perseguições políticas, terrorismo, etc. Que belo panorama, não é? E
nos reinos da selvajaria obrigam-nos a viver como animais selvagens.
Creio que o mais terrível que nos pode acontecer
é ficarmos manietados pelo poder de uma oligarquia tribal africana. A corrupção
e os novos-ricos são a tribo principal e viver na subjugação de uma tribo é o
fim de tudo.
Não custa nada lembrar a conhecida frase, o
destino é muito cruel.
Estamos sempre na mesma, sempre a recuar. Vida
de recuos é vida sem esperança, de miséria, fome.
Devidamente colonizados pela miséria e fome.
Mais uma vitória total e completa. Outra frase muito conhecida, não há mal que
sempre dure. Mas por aqui já há demasiado que dura, será que veio para ficar?
Eis alguns excertos da cultura que caiu no
esquecimento. Se não caiu, pouco falta. É a crise geral, total, como um banco
sem sistema: A audiência é pública ,
aberta a toda
a comunidade , à excepção dos não iniciados e
das mulheres em
impureza menstrual. Em
Angola , serve de fórum
a praça aberta
debaixo da mulemba, a árvore heráldica e tutelar das chefias
bantus, que plantam cada
vez que
se inaugura uma nova chefia ou se estria uma povoação .
O chefe eleito crava ,
diante de sua
casa , várias estacas
da mulemba ficus, dedicadas aos seus antepassados
ilustres e como
testemunho permanente
da sua nobreza. Se alguma delas não pega , os antepassados não
estão satisfeitos ; tornam-se urgentes os sacrifícios
propiciatórios de animais .
Costuma estar presente em muitos grupos ,
o «árbitro da justiça »,
«grande mestre
em questão de
direito », que
no Nordeste angolano, se denomina
«nganji». Intervém, não como conselheiro ,
mas como
guarda legal
do depósito jurídico
comunitário . É um
jurisconsulto , cuja
sabedoria e prudência
acumulam os códigos tradicionais.
O «muxima»,
coração em
quimbundo angolano, encerra toda a riqueza do universo pessoal
do homem . «Não
é só a origem
e o conjunto das emoções
e dos afectos sensíveis , nem só o motor da vontade , nem só a fonte do pensamento , nem só a própria pessoa na sua originalidade
individual : é tudo
isso de uma só
vez ».
O «muxima»
distingue-se do coração físico do homem .
O delicado humanismo
banto : hospitalidade ,
calor humano ,
solidariedade , agradecimento e cortesia revela o refinamento do «muxima». Por isso , a grande aspiração é possuir um «muxima» poderoso , viril ,
já que
dirige, em definitivo ,
define e valoriza o homem . Analisar o coração
equivale a analisar a totalidade
do homem .
Os companheiros
de iniciação ficam unidos para
sempre por
laços indestrutíveis .
Ajudam-se e defendem-se uns aos outros .
Nasce um sólido
sentimento de fraternidade ,
chamam-se «irmãos ». Estes
laços podem prevalecer
sobre os familiares
e clânicos, porque os preceitos da iniciação
são sagrados .
Juro pela
«muhanda» (nome
quimbundo destes ritos de passagem ), é uma expressão
sagrada . O grande
rito termina por
juramentos solenes :
«Nem à mulher
com quem
dormires poderás contar
o que fizestes na muhanda; esconde, nega , desfigura, senão morrerás». (Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul
Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas.)
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