República das torturas, das milícias e das
demolições
Diário da cidade dos leilões de escravos
Miséria: estado de enorme sofrimento;
infelicidade, desgraça. Estado de carência absoluta de meios de subsistência;
indigência, penúria. (Dicionário Houaiss)
No princípio eram as cavernas. Vivendo em grupos
como animais gregários caçavam para se alimentarem e vestirem. Tudo parecia bem
até que um grupo desconhecido chegou. Vinham armados com tíbias, invadiram as
cavernas e não encontrando resistência logo sujeitaram o indefeso bando
obrigando todos a trabalharem de borla. Isto perpetuou-se por milénios de
geração em geração originando ao longo da História uma classe miserável que se
mantem na miséria subjugada pelos descendentes das tibias. Já com o estatuto de
classe miserável, devidamente assessorada pelas igrejas que lhe ensina como um
rebanho dócil se deve comportar, nada mais resta para a miséria continuar.
Precisamente a religião inventou-se para perpetuar a imbecilidade, a submissão,
a superstição, a prisão do intelecto que obriga a pensar sempre na mesma e
única direcção, o vazio do céu. À classe dos miseráveis se convencionou chamar
mandiocas. A classe dos dominadores foi denominada lagostas.
“Meu trabalho torna-se a imagem de um reinado
partido, de um estranho período de loucura e vergonha humanas - e à Igreja - A
civilização jamais alcançará a perfeição até que a última pedra da última
igreja caia sobre o último padre.” (Émile Zola (1840-1802).
Construindo a cidadania da miséria: as tácticas
do patrão muangolé para não pagar os salários dos trabalhadores continuam.
Neste ínfimo exemplo, os trabalhadores da construção civil que fazem o restauro
de um apartamento estão há quase dois meses sem salários porque a patroa está
de viagem… no estrangeiro. Só que alguém a viu num domingo em visita ao
apartamento, assim no estilo de que ninguém me verá, ninguém saberá que estou
cá. É o marasmo da gestão da miséria empresarial. Este modelo está bem
inculcado no nosso empresariado. Fogem para o estrangeiro para não pagarem os
salários. Com esse dinheiro que é um autofinanciamento sem juros, fazem
negócios e com os ganhos, lucros, pagam os salários sem dispêndio de gastos. É
miséria, só miséria. Um espécime destes com quem trabalhei chegava a deixar os
trabalhadores três meses sem salários. Os kwanzas trocava-os por dólares e ia a
Portugal periodicamente depositá-los. De certo modo esta prática
generalizou-se, assentou arraiais e funciona como se estivesse legislada na
LGT-Lei Geral do Trabalho. Ó porca miséria!
Os salários milionários do Fundo Soberano de
Angola: administradores ganham 43.600 USD mensais. Trabalhadores levam para
casa 3.800 USD ao fim do mês. Cada membro do conselho fiscal recebe 22.000 USD
mês. Fundo angolano gasta 4,5 vezes mais do que o de Timor mas é 3,4 mais
pequeno. (Expansão 04/08/17)
Contribua para a miséria, roube à vontade e jure
que você não tem nada que ver com isso, o grande culpado, neste caso, culpada,
é a crise.
Um grande contributo creio que o principal é o alcoolismo,
essa milenar universidade de Angola. A feitiçaria é a academia de ciências
sociais. Os hospitais são necrotérios. A corrupção é a tão propalada força
motriz da sociedade. Só o alcoolismo nos liberta desta miséria.
“Sobre os romanos, que antes eram tão poderosos,
tornaram-se escravos de prazeres corruptores e só precisam de pão e circo.”
(Juvenal, entre 55-60-127)
Vê-se nitidamente nas crianças o futuro da nação
da fome que as espera. Isto não é uma nação é uma infernal corrupção. Quanto
mais coisas nos prometem mais desgraças nos acometem.
Sinto-me como Dante (1265-1321) quando disse que
pertencia a um partido com um único membro.
Nesta miséria galopante, Angola fortemente
aspira a um caixão para que o seu governo seja um cemitério.
Quando um governo age como polícia e não como
gestor, creio que é isto que dá pelo nome de estado policial.
Se o colapso de Angola não for resolvido depois
do dia 23 de Agosto, então a miséria ficará sem solução por tempo
indeterminado. E as bichas no multicaixa aumentam, tudo é composto de bichas.
Quem é que disse por aí que é possível acabar
com a miséria? A empresa Só Bandidos, Ilda, (ilimitada) é a empresa com mais
funcionários em Angola. São aos milhares, aos milhões. A sua principal
actividade é os assaltos. De tal modo é poderosa que logo desmantelada pela
Polícia, logo surge outra sede com novos sócios e muitas sucursais, o que faz
com que a sua actividade seja impossível de extinguir.
Outro aspecto revelador da miséria do
novo-riquismo é as suas casas por dentro estarem muito bonitas, muito luxuosas,
mas por fora estão em risco de desabar. Mais caricato é outras casas de
novos-ricos que por fora estão rodeadas de esgotos ao ar livre.
Acredito que é pelo elevado número de santos, há
muito que o céu está inflacionado deles, que as coisas estão como estão… no
rumo de mais carnificinas. Aqui pode-se dizer que a principal actividade dos
homens é a carnificina, onde todos os seus cainhos levam à mais sublime
invenção: a miséria.
Civilização é os Estados Unidos da América e a
Europa Ocidental, o resto é selvajaria?
Há muito tempo que nos martelam os ouvidos que
com a independência o povo colonizado, e claro, escravizado, ficaria livre e
feliz. Hoje esse povo abandonado morre de fome vitimado pela república das
crises.
A corrupção sendo generalizada é por demais
evidente que as eleições serão corruptas.
Na Rádio Despertar: Adelino João Cassoma,
responsável da Unita na Lunda-Norte, (numa original campanha eleitoral) foi
preso, torturado, morto e depois amarrado com uma pedra muito grande e atirado
para o rio Cuango infestado de crocodilos.
No dia 07/08/17 ouvi na Rádio Despertar que em
Kinshasa, capital da RDC, houve tiroteios em vários bairros com um saldo de
doze mortos. Depois fiquei a pensar: que pelos noticiários há tiroteios por
toda a África, como se a sua designação fosse o continente dos tiroteios. A
África negra está uma catástrofe. Os governantes governam como deuses fazendo
com que haja como que uma certa propensão para a miséria e a fome.
Angola está de parabéns, por mérito próprio e
grande empenho, porque conquistou mais uma vez o tão cobiçado prémio da miséria
do descontrolo total. Angola, como sempre, aposta nas suas capacidades inatas,
aposta fortemente no futuro. A aposta da miséria é a chave para abrir as portas
da felicidade. Muita miséria, povo muito feliz.
O mais velho já com sessenta e poucos anos de
idade lamenta a sua miséria para uma vizinha, “tinha quatro hiaces que faziam o
trabalho de táxi. Tinha quatro casas que me garantiam o sustento e me faziam levar
uma vida bem regalada. Não sei onde tinha a cabeça, fiquei sem nada, estou na
miséria.” O coitado faz uma pausa com as mãos na cabeça, agita-a e, “mas onde
tinha a minha cabeça? O que é que eu fiz da minha cabeça?!” A vizinha condoída
diz-lhe para se acalmar porque se continuar a pensar nisso acaba como muitos,
com uma trombose. O mais velho foi-se embora, e uma vizinha que ouviu a
conversa sem nada opinar, diz para a outra: “Esse, conheço-o bem, ele tinha
muito dinheiro, tinha dez mulheres, gastava… gastava dinheiro à toa, bebia…
bebia muito, andava sempre bêbado, e nas bebedeiras as mulheres conseguiram
apanhar-lhe os carros e as casas. Agora, olha, chupa no dedo. Mana, vida de
muangolé é mesmo assim. Quando eles têm algum dinheiro gostam de se armar em
ricos, ter muitas mulheres e depois ficam sem nada. Mana, nós não damos mesmo
nada porque não conseguimos sair da miséria. Por causa da nossa burrice os
estrangeiros vão sempre dominar-nos, e a escravidão será o nosso emprego.”
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