O MEU PROFESSOR
Ser rico é fácil, difícil é ser
honesto.
E onde estão muitos generais no
poder, nunca poderá ser, acontecer democracia, quando muito, é uma genecracia.
E as coisas ainda não funcionam, porque ainda nos mantemos amarrados à
ideologia do poder popular. E quando se violenta sexualmente uma mulher, também
se violenta a sua estrutura económica, social e política. Nas democracias o
poder cai pelo voto popular. Pelo contrário, nas ditaduras, o poder cai com o
povo nas ruas. Antigos combatentes, são todos aqueles que militam no Politburo.
Tudo o que é deles eleva-se, e como nada nos pertence, exceptuando a nossa
baixeza que já não tem mais fundo para descer. Ainda não somos capazes de
atingir qualquer objectivo diário, quanto mais os objectivos do milénio. Mas,
quando é que acabamos com este brincar, e passamos a ser uma nação a sério?
Mas que amigo cativei. O professor Batista juntou-se,
reforçou a minha epopeia. Nunca lhe perguntei, mas acho que é pigmeu. A cabeça
dele é como a de uma criança. É meu cliente habitual, varredor do vinho tinto,
paga no fim do mês. Com preces para o seu patrão, que já lá vão três meses sem
um tostão. O nosso namoro de verdade, antes era a fingir, começou quando ele
mudou, fugiu de casa. «O esgoto intensificava, empurrava o meu casebre. Tive
que badalar, baldei-me. Baldeavam tudo para o meu casebre. As paredes
liquefeitas já do lar fissurado. Derrogados alicerces em juízo e fora dele. Com grande
empenhamento voltámos aos tempos gloriosos da Idade Média.» Sei, a conduta da água dos oitocentos metros… «Oitocentos
milímetros» Faz diferença?! Ele lançou duas setas dos seus olhos afundados para
o alvo bem visível das minhas chuchas. «Somos um povo secularmente paciente, mas diariamente
impaciente. Não queremos saber de nada, nem de ninguém… extinguimo-nos». Com emprego para empresas estrangeiras e estrangeiros,
nacionais não! «Se você gritar: abaixo a exploração! O nosso povo vive na
miséria! Presidirás mais um partido político»
Os dias esticaram até um mês. Ele não aparecia, porque
seria? Desconfiei que a conta fiada não mais pagaria. Alvitrei-lhe o
esquecimento. Em mais uma noite que a minha vida regredia, ele voltou. Marado,
descarregou-se do assento, já comprou carro bonito: «Venho pagar os juros e a
minha conta. Demorei… assaltaram-me não me levaram, levaram-me os documentos.
Sim! Tive que comprar carro. Mesmo assim saio de casa às quatro da manhã para
percorrer incógnitas distâncias». E a tua esposa? «Semeia!.. Pomba em pombal
domesticado, arrulhado com
receita da feitiçaria a favor das concubinas: Vai-se a um cemitério e
recolhe-se um crânio, depois esmaga-se bem até ficar moído, em pó. Mistura-se na
comida e bebida da esposa. Podemos entrar em casa com o arsenal das nossas amantes
que ficam invisíveis. A dona da casa não sente, nada vê». Muito patusco! «É o
tempo pagão que dealba patranhas nas nossas seculares artimanhas».
As noites e os dias
aprenderam a abandonar-me, cansar-me desta repetição, sem imaginação. Vivo, mas
não sinto nada do porvir.
Desmiolada nas ruas sem
sentido. Apavorada, abandonada quando a velhice chegada, e está quase, nem por
um trapo serei trocada. Que discriminação! Existem países que se vive bem,
neste não. Porquê esta excepção?! Biologicamente somos todos iguais, ou não!?
Será devido à minha cor e compostura de cão? Exijo uma resposta! Saber porque
não tenho direito ao pão. O meu professor professou-me cabisbaixo: «A casa está
a desabar, não suporta as enxurradas sazonais. Sem Governo, depreciadas na nossa
desumana incúria». Mais um mês, outra vez?!! «A corrupção fortalece o crescimento
económico, a fome e o outro desenvolvimento. Tamanha hecatombe de juristas e
advogados são formados, doutorados. São mais desempregados, mais esfomeados».
Pelo nome parece que a Democracia é uma mulher como eu. Que Ela não anda, não
sabe andar. Hei-de falar com Ela. Talvez porque estamos sempre sentadas nas
nossas vendas, deve ser por isso que Ela não singra. Vou falar com as outras
mulheres e vamos ter, falar com Ela. Vamos convidá-la, acompanhá-la a andar. Se
soubesse onde Ela mora, ou onde trabalha… é a pessoa de quem mais se fala.
Nunca a vi passar na rua, mas lê-se nos jornais e nas ondas frequentes da
frequência electrónica. Se não a vejo e só a sinto levemente, é com certeza uma
fantasia aparente que me arrasta na leva, como toda a gente. Hum! Essa gaja,
essa Democracia deve ser uma grandessíssima prostituta. É pá, deixa lá Ela
safar-se. Atravessar toda a corrente na mesma jangada. É que não se consegue
falar com essa senhora. Acha-se muito importante. Desavergonhada… quando a vir…
vou-lhe dar monte de chapada. Democracia à-toa. Deve ser muito rica, tem medo
de manifestar-se, por isso está sempre escondida, com a sua riqueza e nós
sempre na pobreza. É muito misteriosa, desaparece e aparece de vez em quando.
O meu professor pigmeu itinerante
reapareceu avantajado, sempre deslocado. O que foi desta vez? «Roubaram-me o
carro, consegui recuperá-lo, patético é agora conservá-lo. Mas consegui
consertá-lo. Não evitei chocá-lo, frontal a cento e trinta à hora. Da tormenta
sobressaíram duas costelas que me atormentam». Como as naus trágico-marítimas,
agora história trágico-automobilistas.
Eis o nosso beber e vender coisas
não importantes, importadas, desconfiadas, a qualquer momento assaltadas. Mesmo
assim, sem me dar conta pus-me a cogitar com o meu cogito sobre o amor. São tão
poucos, conhecidos, desconhecidos, o amor de Deus e de Jesus Cristo. Amar para
matar, amor pelo dinheiro. Amor pelo poder, amar as velocidades, amor carnal,
amar o maltratar o próximo. Amar o ódio. Amar o nuclear. Amar com desplante que
já não existe amor. Existe e que de sobremaneira. A humilhação de amar a Deus
sobre todas as coisas servida pela humilhante servidão aos tubarões. Que no
amor ingénuo e servil nos exploram, nos esfomeiam na prisão dos mandamentos.
Não podemos reagir porque pecamos. As famílias dos tubarões sabem-no. Impunes,
milenarmente escravizam as pobres almas temerosas que do céu, Deus lhes envie
um raio na cabeça. Os esqualos bem treinados tragam os esquálidos crentes. Que
dormentes, paralisados e caçados pelos mesmos sempiternos predadores.
O meu professor cursou-me nos
vexames, reexames da nossa tragédia enganadora. Já não tem valor a sua
lembrança de tão igual, anormal libertação, desta não analgésica governança
ilustrada no fabrico de cadáveres inquisitoriais. Santo Oficinais dos Manuais
Médios desactualizados, sebentas, sebentos. Isto não é de um, de nenhum, a
todos pertence! Acobertaram-se no sistema donde ninguém escapa dos campos
concentrados estalinizados, resignados na espera do malevolente Minotauro.
Violência que acontece a um, sucede a todos, a todas.
A morte. Psicopatológico ritual,
nesta moda habitual. Faleceram nesta inglória concentração, primos, pai, irmão.
Casa assaltada, carro. Crises palúdicas crónicas.
Condescendeu, já bebeu, ascendeu ao
paraíso terreal. A proa do vento forte cambaleia-o original, marginal. «Este
vento norte, agreste, sopra forte sem leste. Está norteado pela tirania que nos
consome, vento alcoólico importado, desgraçado, pelo governo encomendado. Nem
aqui estou sossegado. Álcool importado… afora fico inebriado. Ó vento da jasmim
porque me empurras assim? Que mareação… deixem-me bolinar a mastreação. O vento
perdeu a cabeça. A minha está lenta, normal, áspera. A bebida está comigo, ou
eu com ela?». Vai chover! Pingos estão a aquiescer! «Ah! É a ultima compra que
fizeram. Importação de nuvens, chuva importada. Muita chuva, ventos, furacões,
ciclones, tufões. O céu está inundado de almas ébrias». Ai!ai!ai! olha esse
bêbado da motorizada, atropelou a criança. Hê!hê!hê!.. matou-a!? «Muitas mortes, poucas nascenças.
Deficit demográfico. Mais uma importação… Reprodutores equilibram a raça». Com
tantas vacas a pastar por aí?! «Dípodes de importação fácil». Habituei-me,
sentia-o como uma lápide. Eles, governantes passantes, anunciantes da precoce,
precária vaidade. Estribilham as ruas, possantes nos alto-falantes dos
cavaleiros metálicos andantes. Abrem passagem a um, a outro, a outros
macrocéfalos pedantes. Não fossem as sanções, seriam carro-conceitos com
mísseis atómicos. Adequados a repintar o quadro, muitos quadros da quadra
Guernica. Fariam, mas fazem, um vendaval da minha venda, estremecem-na.
Mergulhadas, submergidas no
submarino do álcool bento. E prometem o habitual mas já sabemos que nunca o cumprem. Voltar às promessas, à
prestação até à exaustão. Retornar aos dízimos, à dizimação desta
intransparente, insolvente governação. Empenhada a curto prazo na urgente
dissolução dos nossos casebres.
Os elementos dos lamentos da
incurável congestão. Os fantasmas existem, subsistem, perseguem-me nos meus
sonhos. Quanto mais ignorância melhor governação. Glória aos descendentes da
hipocrisia na Terra. Um movimento de libertação, um pedaço de pano como bandeira,
um hinista, um poetastro, tiros de canhão. Mais uma nação, outra opressão.
Os grandes inventos que aconteceram,
descobriram, melhoraram a humanidade. Inicialmente parece que sim. Depois os
sugadores de dinheiro aumentaram os lucros. Negociar é fácil, difícil é inovar.
Ser rico é fácil, difícil é ser honesto.
As contas, a informação, a polícia,
a política, a corrupção, a fome, a perseguição política. É secreta! É secreta!
A hipocrisia é como o vento: quando fraco adormece, muito forte avassala-nos.
Antes e após uma revolução submetem-nos muitas promessas, às pressas. Que
seremos independentes, ocultos… imprudentes. Que as esferográficas serão
quadradas. E os aventureiros rejubilam, para sempre permanecem na espoliação.
Tiroteio, vozes agitadas, camufladas.
Batem no portão, com a mão, abro. Que será então? São eles! A maldição! Um
convicto revolucionário diz: «é ela!». Eu, o quê!? «Sonhei contigo. No sonho
estás envolvida na tentativa de assassínio do nosso presidente» Sonhaste mal!
«És acusada de crimes contra a segurança do estado». Às quatro da manhã?! «Não
existe tempo. Comprámo-lo, pertence-nos». Privatizaram-no! «A secreta não tem
momentos, não tem horas, tem tempos» Tu que me acusas, olha-me bem. Sou antiga
combatente. Guardei as costas do nosso primeiro presidente. Não te lembras de
mim? Trabalhámos juntos. Votaram-me ao abandono. Até agora, nem um mísero
tostão. «Assim será!». Tantos alcoólicos, corruptos, ditadores e quem isso
fomenta, e não são julgados, condenados por crimes contra a segurança do
estado. «Se deixassem de beber e abandonassem a corrupção seriam suspeitos…
subversivos. Como os galos, se não cantassem, a madrugada anunciassem». Pobres
galinhas! «Tens razão. Recordo-me muito bem de ti. Desculpa, não és tu. Vou
sonhar com outro conspirador».
Imagem: Aléxia Gamito
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