Esta aventura começava a impressionar-me. Sentia o início
do arrependimento. Por momentos pensei em
regressar a Portugal. Mas, mudei de
ideias a ver o que
é que isto
ia dar. Uma coisa era certa. Constituir empresas sem investimento,
roubando descaradamente os bens do Estado, e ficar rico em poucos meses?! Não
conseguia compreender: se os Caminhos
de Luanda era uma empresa
estatal, e funcionava assim, como seria nas outras empresas
estatais?
Apercebi-me
imediatamente da origem
destes motivos. Só
podia ser por
falta de técnicos.
Sim, este
país não
tinha técnicos
de contabilidade. E os existentes eram pura e simplesmente
desprezados. Para que
não efectuassem o seu
trabalho, para que depois
não viessem à superfície os movimentos contabilísticos reveladores das fraudes,
para permitir o enriquecimento fácil.
Mas, um
país sem
contabilistas, sem
contabilidade, simplesmente
não funciona, não existe. Com o passar do tempo o país
entra no caos, vira estado-falhado. As convulsões
sociais incrementam-se dia após dia, até terminarem na confrontação geral.
14.11.2008
– Jivago, Trofa. HISTÓRIA VERDADEIRA (2ª. Edição): Numa terriola do Brasil,
onde imperava o desemprego e a miséria, havia lá uma Tasca com o nome
"Tasca da Cachaça", onde os desempregados bebiam a cachaça a crédito
e por isso pagavam uma percentagem a mais. Entretanto os créditos (débitos) dos
desempregados aumentaram exponencialmente e o dono da Tasca vendeu esses
créditos a um Banco, que por sua vez este vendeu a outro Banco e assim
sucessivamente. O último Banco lançou títulos de acções sobre esses créditos:
Títulos: A, B, C, D... Moral da história: - O Zé da Tasca ficou com "uns
trocos" e o Banco ganhou balúrdios. Parece uma anedota, mas foi mesmo
verdade. Acreditem! In Público última
hora
Um trabalhador aproveita, infiltra-se, aproxima-se e diz
de rompante.
-
Dr... estamos aflitos, há dois meses que
não recebemos!
- Mas
o que é que vocês querem?! Os clientes não nos pagam… aguardem, resguardem-se…
é pá! Estou à espera que o banco nos pague.
Uma jovem interrompe-nos, agita-se agarrada com uma mão na
aduela de uma porta. Baloiça-se comicamente, chama a si as atenções, então
grita:
- Dr.
Vieira! Dr. Vieira! Telefone de Lisboa!
- É
pá, já sei, é o meu irmão.
Vieira
em passo
de corrida dirige-se na direcção da jovem.
Deixo-me permanecer na companhia do trabalhador, e decido a fazer-lhe algumas perguntas acerca
dos vencimentos não pagos.
-
Desculpe, porque não recebem os vossos salários regularmente?
- É… o
Dr. Vieira quando viaja para
a Europa ou para
a Namíbia, diz sempre que demora um mês. Afinal
fica por lá três e às vezes quatro meses, e enquanto
estiver por lá
não nos
paga. Mente-nos sempre que os clientes não
pagam. Eu fui um
dos que há duas semanas
foi ao banco levantar
o dinheiro da prestação
dos serviços. Tem dinheiro
sim senhor. Nos meses de Dezembro
ele sai. Vai passar
o Natal e o ano novo
na Europa. Deixa-nos só o vencimento do mês
de Dezembro. Depois
ficamos sem receber
o 13º, Janeiro, Fevereiro, até que regresse da Europa.
-
Quanto é que ganha um segurança?
-
Entre 50 a
150 dólares.
- E
qual é o valor mensal da facturação que o banco paga?
- Em número redondo cerca
de setenta mil dólares.
Caramba!
Um verdadeiro
negócio da China. – Pensei.
Comecei
a meditar como
se ganha dinheiro
com tanta
facilidade:
Além do lucro volumoso, imediato, ainda
retêm sistematicamente os vencimentos
dos trabalhadores, que
os utiliza como investimentos.
Obtêm lucros e com
eles paga
depois os vencimentos.
Sem dúvida
alguma, é um país
à deriva. Estou tramado. Meti-me com uma quadrilha.
Estes indivíduos
são extremamente
perigosos e desumanos. Verdadeiros psicopatas que
merecem internamento psiquiátrico.
Lembrei-me das afirmações de Malcolm X. Assaltar e roubar para não
morrer de fome.
Senti-me sem forças
para o condenar.
Custa-me a entender as afirmações do estilo: negros atrasados, negros
burros, pretos
de merda, macacos sem
árvore e tantas outras diatribes. Se estes portugueses e outros
estrangeiros enriquecem facilmente, explorando desumanamente
os angolanos, porque é que lhes
agradecem assim? Na realidade
os portugueses estão aqui novamente para retomarem a colonização.
Pelas
vinte e uma horas refrescava-me na varanda
do apartamento. Anotava os movimentos na
noite, até assistir, surgir uma cena caricata:
Um português de uma grande empresa de construção civil, notava-se pela inscrição no seu carro, faz
marcha-atrás para sair do
estacionamento. É tão
desastrado que
deixa algumas amolgadelas no carro ao lado.
Pretende fugir, mas um segurança intercepta-o. O português
pretende continuar a fuga. O segurança
trava-o ameaçando-lhe dar um
tiro num pneu.
O português insiste na fuga.
O segurança não
lhe deixa dúvidas. Está disposto a furar o pneu. O dono do
carro acidentado chega. O português
para cúmulo nega as acusações. Usa o seu
telemóvel, o lesado também. Chegam dois agentes da polícia de giro. Cada
um defende os interesses
dos contendores. O português mantém-se renitente. Alguém
mais exaltado exclama:
- Mas
porque é que vocês defendem os estrangeiros?
Os polícias retiram-se cansados. Surge a polícia de trânsito.
A situação mantém-se num impasse. Já passa da meia-noite. Decido
descer. Chego junto
dos polícias e digo-lhes:
- Esse
senhor é culpado. Assisti a tudo. Ele bateu no carro deste senhor e queria
fugir, mas foi impedido pelo segurança.
O dono do carro
lesado com ar
triunfal exclama:
-
Estão a ver!? Estão a ver!?
Retirei-me
apressadamente do local.
Depois, da varanda vi o prevaricador acompanhar os polícias
de trânsito, seguidos por mais dois carros com portugueses da mesma
empresa.
Nos Caminhos de Luanda tentava recuperar
a contabilidade. Debalde, porque a electricidade não
o permitia. Sentia-me muito cansado… sem fazer nada. No fundo, a minha
ocupação profissional
considerava-a como um
divertimento. Ausentei-me dizendo que ia à empresa de segurança. Tinha que percorrer apenas cerca
de um quilómetro. No final virava à esquerda
e com mais
três centenas
de metros chegava ao destino.
Cheguei e perguntei se o Dr. Vieira estava. Responderam-me que
sim, que
se encontrava no escritório. Dirigi-me para lá. Vieira
estava bem trancafiado, sempre com receio de não sei bem o quê. Sentiu a minha
presença, abriu-me a porta de ferro, todas eram metálicas, e exclamei:
-
Vieira ali não
tem luz!
- Aqui
também não. Eles também estão sem telefones por falta de pagamento. O Director
não paga porque andam a fazer muitas chamadas para o estrangeiro. As contas são
muito elevadas. O Director disse-me que quer saber quem fez essas chamadas para
descontar nos vencimentos.
-
Vieira, trabalhar neste país é muito difícil.
- Mas o que é que tu queres?!
Eles nunca
conseguirão ir em
frente. Estão na Idade
da Pedra, ou melhor,
estão ainda no Neolítico.
-
Vieira… sinto-me desanimar!
- Não ligues, deixa
andar. Olha,
vou pôr aqui
a Internet. Ainda
não o fiz por
causa do e-mail.
Sabes, isso do e-mail
é muito perigoso
porque deixa
rastos. Qualquer
descuido num texto
serve de prova. Ficamos com
a vida lixada. Muitas empresas não o
utilizam por causa disso. Preferem não dar nas vistas e também para pouparem. O que interessa é sacar dinheiro de qualquer
maneira e depois andar.
CAPÍTULO
III
HEITOR
29.09.2008
- JL, Évora - Portugal - República das Bananas. A semana passada uma data de
"chico-espertos" fartaram-se de apregoar que o Fortis estava fora da
"crise" (incompetência generalizada dos gestores, reguladores,
supervisores, etc...), afinal também está falido. Portanto por arrastamento o
BCP-Millenium, também estará com problemas, que as "autoridades"
portuguesas estão certamente a tentar tapar (como é hábito)....portanto...toca
a levantar o que lá tenho, antes que me molhe, por culpa dos incompetentes que
estão no (des)governo, desta Republica das Bananas.... In Público última hora
Vieira segreda-me:
- Vou mandar
vir o meu irmão de Portugal. Vive miseravelmente nas barracas ao pé
do aeroporto. A passar fome… vai ficar encarregado das
obras.
Heitor não demorou muito a chegar. Tem
trinta anos e ostenta uma magreza de campo de concentração. Alto, de óculos com lentes graduadas. Aparenta ser
simples e humilde.
Em conversa, confidencia que nasceu em Angola, mas devido à guerra
fugiu para Portugal, onde
depois obteve a nacionalidade
portuguesa. O seu nível
cultural é muito baixo.
Por exemplo, confessa que nunca mexeu num computador. Sobrevivia como operário
da construção civil.
Vieira arranja-lhe uma vivenda ali para os lados da Samba. Heitor prefere uma mestiça
para companheira. Instalam-se e surge o primeiro filho.
Começa a efectuar pequenos
biscates. Resolver
questões de infiltrações de água. Montar sanitas, lavatórios, lava-loiças. Levantar
muros e efectuar pinturas
em
residências. Além
disso, ocupa-se também na vigilância dos trabalhadores.
E sem ninguém lhe perguntar, justifica porquê:
- Temos que
estar sempre
a vigiá-los, tipo capataz,
senão não
fazem nada.
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