“A diferença fundamental entre as duas religiões
da decadência: o budismo não promete, mas assegura. O cristianismo promete
tudo, mas não cumpre nada.” (Nietzsche, 1844-1900)
São seis horas e cinquenta minutos do dia
05/08/17, o locutor de serviço na Rádio Despertar diz que antes de chegar viu
pelo caminho muitos polícias, e que junto à emissora estavam dois carros com
polícias. Pensativo, ele perguntou se a cidade estava sob estado de sítio.
A mana Manuela também disse que junto ao quintal
da sua casa e mais adiante estavam grupos de dois polícias disfarçados, assim
tipo como quem não quer a coisa.
Claro que toda a gente se perguntava como é
possível tal aparato policial se o partido eternamente maioritário mais uma vez
ganhou facilmente as eleições, também mais uma vez sem oposição que lhe faça
frente. Então se toda a gente votou nele, então esse tanto medo é medo de quê,
de quem? Não ouvi, nem tive conhecimento de alguém aqui na banda que festejasse
a vitória esmagadora da consagração do partido em que toda a gente nele vota.
Estou convicto que este partido tem muita magia, muita feitiçaria, será que fez
um pacto com o demónio? Compra tudo e todos com o seu dinheiro, e parece que
desta vez conseguiu comprar todos os sacerdotes das igrejas, tal era o
infindável número deles que desfilava na passarela da TPA, televisão do poder
de Angola, a célebre televisão que por isso mesmo também lhe chamam o partido
do dinheiro. Foi dito que eles receberam como pagamento vindo do céu, pois o
partido que eles elegeram e defenderam receberam ordens divinas as quais
zelosamente cumpriram. Deus M pagou-lhes principescamente carros e casas, como
dito por alguém que não me lembro do nome, na Rádio Despertar. Sem dúvida nenhuma
que estas eleições foram uma orgia, uma pornografia eleitoral.
Angola continua sem líderes. Todos o querem ser,
mas ninguém o é, o consegue ser, porque não têm estaleca para tal. Então, é o
marasmo. Perto, ouve-se o som de gralhas e isto faz lembrar os partidos
políticos. É só gralhar, gralhar, vacilar, vacilar. Muitas gralhas, muita
vozearia, muitos políticos nocturnos.
Um político tem que ser como um bom escritor que
nunca escreve para o presente, escreve sempre para o futuro.
E depois de quarenta e tal anos ver tudo a
esfumar-se como se nada mais restasse.
Quando uma pessoa não tem acesso à Internet, a
isso chama-se o ultrapassar do cume da miséria, quer dizer, muito para além dos
primitivos que viviam nas cavernas.
Estou na varanda do prédio, olho para a rua e
vejo um pobre cão que coxeia a levar pancada com o resto de uma tábua retirada
do lixo. O pobre animal esquelético sob a imposição do poder da fome, que
diga-se de passagem é o poder mais poderoso do mundo, quase que não se pode
mover. Olha piedosamente para que lhe deem algo para comer, por isso se
aproximou de um caixote do lixo, e lá só tem pancada de desumanos que se sentem
muto felizes em ver o sofrimento de animais indefesos. Mais pancada leva de
todos os que passam por ele. Que desumana sociedade que tal gente não merece.
Claro que quem mata selvaticamente um pobre animal também mata pessoas. Se a
selvajaria domina, o futuro torna-se inexistente porque se mata gratuitamente.
É tão simples como isto. Cão, o melhor amigo do homem, mas o homem é o pior
inimigo dele.
Pai maluco, mãe maluca, os filhos sofrem. E
ainda dizem que somos todos iguais, em quê? Sim, as propagandas alienantes têm
razão quando dizem que somos todos iguais. Sim, somos todos iguais na idiotice
mas na inteligência não, jamais seremos iguais.
É um banco ou uma cantina? Banco Millennium
Angola na rua rei Katyavala em Luanda: um amigo contou-me que foi lá na hora do
almoço, fizeram-lhe esperar meia hora para o atender porque estavam todos a
comer. Para conseguir o cartão do multicaixa teve que esperar oito dias.
A solução para o povo angolano já está pronta, é
a morte pela fome.
O certo é que estou encalhado nesta trampa e não
sei como me desencalhar, me limpar. E tudo isto ruiu.
O povo muamgolé tem muitos pastores, logo tem
muitas igrejas. É um povo de pastores e de analistas desportivos. Tem também
muitos políticos, mas técnicos e engenheiros rareiam.
Isto está de tal maneira que até parece que os
dias estão doentes. Onde ninguém respeita a lei, onde qualquer é lei, não é
possível realizar eleições.
Quando nem os filhos se aproveitam, o que resta
da esperança desaparece e a escuridão reaparece. Vítima da perfídia humana,
tudo em que acreditei, tudo ruiu. Ainda me custa a acreditar que isto seja
verdade, mas já não restam dúvidas. O sonho terminou.
Com tal exemplo eleitoral não dá para acreditar
na África. Só dá vontade para rir.
E a jogar na extrema miséria já ganhei o
campeonato. Vivo de esmolas dos vizinhos mas eles já me começam a fugir porque
já estão cansados de me aturar porque já para eles sou mais uma mosca para
enxotar.
Aqui para resolver alguma coisa, é muto simples:
não se resolve nada.
A mana Mónica confidenciou que uma quinguila
morreu, e que em vida enriqueceu porque matou a família seguindo instruções do
feiticeiro. A mana Mónica também disse que um moço para não atropelar uma velha
desviou-se tragicamente, o seu carro capotou, ainda conseguiu rastejar e pedir
ajuda. Mas os que dele se aproximavam metiam-lhse as mãos nos bolsos,
roubaram-lhe o telemóvel e mais o que conseguiram roubar. Ele insistia no
pedido de socorro mas ninguém se preocupava e lá morreu abandonado.
Porque será que a vulgar epidemia de cólera não
sai de África? Não se consegue vencer? Só isto dá muito ou pouco que pensar.
Oh, não tem nada para pensar.
Quando os políticos falam demasiado e se entram
pela constante repetição, as pessoas tendem a afastar-se deles porque o enfado
das palavras torna-se monótono e da monotonia surge a perda de confiança, o
descrédito. Sempre as mesmas vozes de serviço num país assim é a agonia da
democracia.
Há quarenta e tal anos que o líder que levará
Angola à democracia ainda não nasceu. Até lá, qual rei Artur com a sua espada
mágica Excalibur, ou melhor, quando o nosso Ulisses nascer, nascerá nação, um
líder campeão. Por quantos mais anos continuaremos descomandados sem líder?
Ninguém o sabe, e tudo a seguir se exacerbará, e esta nação se extinguirá?
“Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de
pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos-de-ferro, construí
passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de
uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu
tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo
a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal,
comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana?
Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas
políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é
forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à
infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta,
para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de
tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso
vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao
cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como, Sir Roberto Peel, um
mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico,
abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.” (Almeida Garrett
1799-1854)