quinta-feira, 31 de março de 2016

DIÁRIO DE UM FAMINTO (05)



11 de Março de 2016
A corrupção não manda, comanda.
Isto está mesmo muito perigoso sim senhor, porque há uns dias que batem na porta e quando pergunto quem é, responde uma voz do além-túmulo: «Abre, é a fome!» Claro que fico aterrorizado, mas resisto e não abro a porta. Se deixo a fome entrar pela casa adentro e ela a ocupar, creio que é o fim. Mas a questão é a seguinte: por quanto mais tempo lhe vou resistir? Confesso que não sei, porque a degradação da vida em Luanda já se chama morte, que se vê e se sente por todo o lado. Quem daqui não puder fugir, proximamente não poderá sair.
Heinrich Himmler (1900-45), e a mais que evidente realidade angolana: “A melhor arma política é a arma do terror. A crueldade gera respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que nos amem. Queremos que nos temam.”
A fome no mundo, segundo a Deutsche Welle: Um bilhão de pessoas não tem o que comer. A cada três segundos, alguém morre de fome. A DW foi buscar na política, na economia e na ciência as causas deste escândalo, inaceitável em pleno século 21. Em tese, há alimentos para todos. Se mesmo assim uma em cada sete pessoas passa fome, pode-se dizer que essa é uma situação politicamente tolerada, argumenta a editora-chefe da Deutsche Welle, Ute Scheffer. Em 2050, será preciso alimentar 9 bilhões de seres humanos. Especialistas temem que a produção de géneros alimentícios não mais acompanhe o crescimento demográfico: conflitos podem ser a consequência. A EU destina 40% de seu orçamento às subvenções agrícolas, uma situação que afecta diretamente os produtores dos países pobres. A exportação de carne de frango barata para a África é o exemplo clássico. Luta contra a fome – uma bandeira que praticamente todos levantam. Mas há acusações de que muitos dos que dizem querer ajudar na verdade se beneficiam da miséria alheia.
12 de Março
Vou-me safando com o arroz.
O petróleo é a maldição de Angola. Duas meninas, uma de dez e outra de treze anos, o pai delas telefonou para a Rádio Despertar por volta das seis e quinze horas da manhã a implorar auxílio porque elas morreram de febre-amarela no Hospital Josina Machel em Luanda. Ligou a pedir ajuda para transportar os cadáveres porque não tem dinheiro para pagar o transporte. Ele está desempregado e a sua esposa também.
Quando as mulheres do peixe chegam dizemos: «Chegou o carapau estragado.» Porque o peixe que elas vendem está amiúde estragado. Desta vez foi outra vizinha que comprou uma quantidade considerável de carapau, em casa deu conta que estava estragado. Isto está demais! Não dá para comprar porque as mulheres do peixe esperam-nos de emboscada - nem todas, claro, o difícil é descobri-las. Isto está mesmo nas últimas.
13 de Março
Que saudades tenho de beber uma cerveja.
Lembrar sempre António Aleixo (1899-1949). Coitado do mentiroso/ mente uma vez, mente sempre/ mesmo que fale verdade/ todos lhe dizem que mente.
O PR José Eduardo dos Santos disse que vai deixar a política activa em 2018. Como tudo o que diz é um passatempo, com isso não perco tempo. Ele à fome nos condenou, à fome nos abandonou. De qualquer modo nunca esquecer que quando o navio da péssima governação está prestes a afundar, as ratazanas são as primeiras a saltar borda fora. E por isso mesmo, agora, Angola é a república da rataria.
O petróleo era como uma mina de oiro que se explorou até acabar. E sem esse oiro Angola fica como uma cidade fantasma.
As crianças estão com fome, os pais não têm nada para lhes dar, fingem que vão fazer comida, enquanto as crianças vão esperando, adormecem. A fome adormeceu-as.
Em Angola todos os caminhos levam à corrupção, logo, à fome.
O problema desta gente é o não incentivarem as artes e as ciências. Pudera, corruptos nunca o fazem.
Um dilúvio de mortos, isto deve-se à fome. Sem comida, ou mal alimentado, o corpo humano enfraquece e fica sem resistência. Qualquer doença se instala facilmente e epidemias até então extintas reaparecem com fúria destruidora. As mortes são abundantes. Os eleitores pela morte perecerão e em 2017 não poderão votar na oposição. Há muitas, muitas mortes em Luanda como se fosse um genocídio. Nem nas casas mortuárias têm lugar. Não há caixões. Luanda é a morgue de Angola.
Creio que com o tempo passado, com o avançar da idade, a grande maioria das pessoas melhoram as suas atitudes perante a experiência da vida acumulada, que costuma dar sabedoria. Mas não, pioram, ficam cada vez mais boçais.
Em quarenta anos de governação atiraram com a população para a fome, para o tudo de rastos. Em Angola andaram a fazer experiências e brincadeiras de mau gosto. Insensibilidade, irresponsabilidade e incompetência são a desgraça dominante. E ainda querem mais poder!? Mais fome!? NÃO!
Mais seis horas sem energia eléctrica. Aqui na banda, Ingombota, as coisas pareciam ir bem, estabilizadas. Mas não, voltámos outra vez aos apagões constantes, o que faz com que não dê mais para acreditar nesta república da destruição total. Em Fevereiro foram 53 horas sem energia eléctrica e em Março já vamos com 25 horas. Angola não lhe falta nada para mais um Estado falhado.
14 de Março
E o partido da fome a bater nas teclas podres do seu piano, a dizer que está empenhado na luta da estratégia contra a crise.
Sedrick de Carvalho: SOS: Nuno Dala está desmaiado, abandonado e sem assistência na prisão. Por tentativa de ampará-lo, Nito Alves é torturado. O agente envolvido chama-se José Ambrósio!
Declaração da CEAST - Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé: A crise económico-financeira em que o país se encontra mergulhado não se deve apenas à queda do preço do petróleo, mas igualmente à falta de ética, má gestão do erário público, corrupção generalizada, à mentalidade de compadrio, ao nepotismo, bem como à discriminação derivada da partidarização crescente da Função Publica, que sacrifica a competência e o mérito.
15 de Março
Pouco antes da independência os portugueses diziam-me: «Você vai ficar aqui em Angola com os pretos a mandarem? Você vai ver!»
Valdemiro Pascoal: Em Angola é o contrário: "Os mais velhos são o futuro do amanhã, por isso, ficam mais de 36 anos no poder enquanto jovens morrem na delinquência, prostituição, nos hospitais etc."


quarta-feira, 30 de março de 2016

DIÁRIO DE UM FAMINTO (04)



04 de Março de 2016
Hoje de manhã foi chá de casca de banana. A meio da manhã pão com alho. Ao almoço arroz com quatro rodelas de chouriço.
Banco do garrafão, um banco para todos os angolanos: Luiz Vaz: Deve-se a algo chamado corrupção! Porque é incrível como mesmo tendo USD na conta, dizem que levam cerca de 1 mês (sim 1 mês) a transferir USD do BAI para o BFA. Entretanto andam a brincar com o meu e o vosso dinheiro.
05 de Março
“Quando aconselhado pelo irmão a deixar a presidência, José Eduardo dos Santos terá respondido: “se eu deixar de mandar, vocês estão todos mal”. E não será apenas a família; há um enorme grupo de multimilionários em Angola, com a maior parte do dinheiro já fora do país, que, no caso do desaparecimento de José Eduardo, vão ter que criar manobras de diversão bastante arriscadas, a mais simples das quais consiste em criar bodes expiatórios e apontá-los às multidões famintas. Aí estarão, de novo, os brancos, com particular destaque para os portugueses.” In África Monitor
06 de Março
Nito Alves, um dos muitos jovens presos políticos na República das Jaulas de Angola: “De forma arrogante, foi estas palavras que saíram da boca dos homens dos serviços de investigação criminal que vieram aqui na comarca (prisão de Viana) para me obrigar a assinar um documento que legitima a nova acusação que estão a elaborar contra mim, me fizeram ameaças chegando ao ponto de dizer que vou apodrecer na prisão enquanto continuar a perturbar a ordem e a tranquilidade pública.”
Hoje foi arroz com arroz.
Mensagem de um amigo: “Há muita morte no bairro em que vivo, Golfe 2, zona do 28 de Agosto, Luanda. Fome, doença e tudo mais. Nunca vi coisa igual.”
A situação da fome cada vez se complica mais. Não se fala de outra coisa. Também se fala muito dos horrores dos hospitais como se fossem morgues dos filmes de terror.
O mês da fome das mulheres angolanas desempregadas, mas mesmo que tentem vender qualquer coisa são sistematicamente espoliadas em nome dos maus costumes dos corruptos que dizem que isso é atentado contra a saúde pública, dos seus filhos e maridos também desempregados pela ideologia norte-coreana, das suas famílias completamente destruídas, arrasadas, abandonadas ao morticínio dos preços tão subitamente adulterados da comida, de tudo, sendo impossível viver nesta pocilga humana onde nem os porcos conseguem sobreviver devido às investidas dos vampiros governamentais que insistem em contratarem asiáticos e portugueses para nos saquearem, nos chuparem o sangue dos nossos ossos porque de manada já não nos resta nada. Porque o sangue fresco já há muito o carregaram, dos nossos corpos sugaram, e a fome só nos deixa ossos mas mesmo assim a nomenclatura insiste na contratação de vampiros estrangeiros. Uma das condições principais da fome é o seu preço sempre a subir desordenado devido à máfia governamental e dos seus tentáculos asiáticos e portugueses, da incondicional estratégia da luta a favor da crise. Eis mais um diabólico dia da mulher angolana partidária, com a sua fome solidária. Viva a fome da mulher angolana!
Há muito que considero que a mulher angolana é a mais bonita do mundo, mas pela determinação na sua destruição, custa-me imaginar o que dela restará. Talvez que alguém lhe faça uma escultura de Afrodite, e de Mona Lisa uma pintura.
E com o marasmo dos partidos políticos da oposição, a mulher angolana está-lhes gratíssima, revoltadíssima pela gloriosa escravidão. E se não se encontrarem alternativas políticas urgentes, a mulher angolana e as suas famílias nem rastejar conseguirão, nesta fome, sem chão, sem nação.
09 de Março
Provérbio Hindu: “As línguas dos bajuladores são mais macias do que seda na nossa presença, mas são como punhais na nossa ausência.”
Ao instaurar um processo-crime pela não comparência em tribunal no julgamento dos presos políticos, referente à formação de um governo de brincadeira publicado no Facebook, contra Marcolino Moco, Justino Pinto de Andrade, Makuta Nkondo, Filomeno Viera Lopes, Abílio Kamalata Numa, Alexandra Simeão, William Tonet, José Patrocínio, Sdiangani Mbimbi, etc, é de ver que o que se pretende é eliminar as cabeças pensantes da oposição, numa palavra, acabar com a oposição e instaurar novamente o partido único, anunciando a visível desgraça que tomará conta de Angola, pois uma coisa destas trará funestas consequências, o desenlace final de quem procura solucionar os problemas de uma nação pela violência física e política, e não move um dedo para lutar contra a corrupção.
10 de Março
Oh! Como é muito salutar e revigorante alguém de um momento para o outro aparecer como milionário sem fazer absolutamente nada, e da sua habitação transformada em palácio, rir de extrema felicidade ao observar nas redondezas a população miserável e faminta. Isto sim, isto é que é viver.
Comunicado da CEAST - Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé: “Nos últimos tempos, a pobreza das nossas populações tem-se agravado de maneira preocupante. A instabilidade económica parece que está a paralisar paulatinamente os agentes económicos, impossibilitando-lhes a renovação de mercadorias, por falta de poder aquisitivo (divisas). Aqui e acolá, tanto no sector público como no privado, registam-se atrasos de salários e subida vertiginosa de preços de bens elementares.”

Vinte e duas horas sem energia eléctrica. É esta a estratégia para a saída da crise. É claro que de vez em quando convém fazer alguns cortes de energia eléctrica para que as empresas partidárias que vendem geradores consigam vender alguns.

terça-feira, 29 de março de 2016

QUARENTA ANOS DEPOIS



No princípio era um mar de maravilhas
Pouco depois deu lugar a ilhas
Do horrível comunismo
Ao selvático genocídio do capitalismo

40 anos depois resta uma floresta sombria
Que nos aterroriza de noite e de dia
A desgraça sempre se anuncia
Dos presos políticos se faz razia

Em Angola nascer
E pouco depois morrer
Corrupção institucionalizada
Em cada corrupto faz morada

É só corrupção
Deles o ganha-pão
E a Igreja faz sermão
E falsa repreensão

Corrupção o celeiro da nação
Quando só se vive para a corrupção
E para a população não
É a vulgar história do vilão

40 anos depois Angola é cemitério
Um gigantesco necrotério
Sempre na confrontação permanente
Com a população indigente

Os pilares desta nação
Estão corroídos pela corrupção
As infra-estruturas também estão
Está tudo desolado sem chão

Porque é que o mwangolé é notavelmente
Tão corrompido facilmente
E sempre assim sucessivamente
Como numa câmara-ardente

Onde a religião se intromete
Tudo se derrete
Sociedade totalmente desintegrada
Sem nenhum valor, depauperada

Os médicos abandonam os hospitais
Voam para a China com os seus capitais
Para revenderem
Para sobreviverem

Para os hospitais/matadouros se erguerem
E os animais/pacientes a falecerem
Há dinheiro para esbanjar
Angola fabrica cadáveres, está a acabar










sábado, 26 de março de 2016

DIÁRIO DE UM FAMINTO (03)



26 de Fevereiro de 2016
De manhã faço chá com as cascas que houver de bananas, laranjas, limão, maçãs, mangas. Coloco-as dentro de um recipiente com quase metade de água de um copo normal, desses com cerca de três decilitros, depois de ferver despejo numa chávena e junto-lhe o resto que ficou no copo de água. Adiciono uma colher de chá com açúcar, se o houver porque aqui na cantina está a seiscentos kwanzas o quilo.
Hoje almocei arroz com arroz. Graças ao Mpla a nossa fome é certa.
Algumas vizinhas disseram que o jantar delas será pão com chá, hoje algumas, amanhã e dias seguintes muita gente.
Imaginem um país com uma população analfabeta. É como viver na Idade da Pedra.
Desabafo de uma mulher-polícia: «Quem me dera ser outra vez criança, davam-me tudo, brincava à vontade. Suspira e continua: do que aturar as tristezas da terra.»
De um segurança, dos que seguram as corruptas riquezas dos outros porque a fome ninguém a segura: «Nas casas das minhas três mulheres há muita fome. Não têm nada para comer.»
E o nosso governo sempre atento às necessidades mais prementes da população, criou mais um ministério – são tantos, tantos que esvaziam os cofres públicos – chamado de Ministério da Família e da Promoção da Fome.
27 de Fevereiro
Os conselhos do grande escritor Ray Bradbury, (1920-2012) do Fahrenheit 451. “Bradbury não foi para a faculdade, porque ele não tinha dinheiro para isso. Entretanto, ele ia para a biblioteca religiosamente e lia tudo o que podia pegar; ele informa que se “formou” da biblioteca com a idade de 28 anos. A próxima coisa que Bradbury recomenda é que você despeça todos aqueles amigos que não acreditam em você, e que zombam de suas aspirações de se tornar um escritor. Se alguma garota não gosta do que você está fazendo, Fora de sua vida! Se seus amigos zombam de você, Para o inferno com eles. Fora! Eu passei três dias por semana, por 10 anos, educando-me na biblioteca pública, e isso é melhor do que faculdade. As pessoas deveriam educar a si mesmas – você pode obter uma educação completa por zero de dinheiro. Ao final de 10 anos, eu tinha lido todos os livros da biblioteca e tinha escrito mil histórias. Você não pode aprender a escrever na faculdade. É um lugar muito ruim para escritores, porque os professores sempre acham que sabem mais do que você – e eles não sabem. Eles têm preconceitos.”
28 de Fevereiro
Para os nossos presos políticos, para todos os presos políticos.
“Eu o alertei, Leonardo, (Leonardo da Vinci, (1452-1519) sobre passar dos limites. Você pensa que a vida é um jogo, mas os chacais de Roma já decidiram seu destino. E como têm influência na multidão, vão deixar-lhe apodrecer na cela até que seus sentidos já reduzidos sejam todos corroídos. … Quanto mais atrasarmos este processo, mais envergonharemos Lorenzo (Lorenzo Medici, chefe da cidade. Os Medici eram poderosos banqueiros de Florença, gastaram muito dinheiro na arte e no suporte financeiro a muitos artistas.) perante o povo. E quanto mais da Vinci apodreça na cela, mais sua mente se degenerará e mais culpado ele parecerá … regimes moribundos debatem-se dramaticamente na sua agonia.” In Da Vinci’s Demons. Quinto episódio da série televisiva, primeira temporada.
29 de Fevereiro
Hoje consegui juntar ao arroz algumas rodelas de chouriço.
Perante tanta injustiça, muita justiça há para fazer.
Ainda me lembro do meu filho quando há vários anos foi parar no Hospital Josina Machel, em Luanda, para uma transfusão de sangue, devido a febre tifóide, hepatite e paludismo, salvo erro era isso tudo. Não havia sangue, a coisa estava a ficar muito preocupante, até que alguém sussurra que há sangue sim senhor e que bastam dez mil kwanzas. E assim foi, mostrou-se o dinheiro, o sangue apareceu e o meu filho salvou-se.
01 de Março
O arroz continua a sua marcha triunfal, estomacal e graças, porque se não fossem as netas que carregaram com um saco de 25 quilos, nem isso teria.
Estou convicto de que brevemente Angola conquistará o muito merecido prémio do país mais corrupto do mundo.
Quando alguém está no erro, e chamando-lhe a atenção nele teimosamente persiste, não há nada nem ninguém que o possa salvar. E quando se trata de um governante essa persistência no erro arrasta funestas consequências, um infindável cortejo de mortos.
02 de Março
A miséria, a grande inspiradora e grande conselheira da fome. Não se vê, nem se verá melhorias. Graças a uma vizinha, hoje juntámos ao arroz o peixe que ela nos deu. Os dias são muito tristes, só penso em bazar porque corro o grande risco de morrer por aqui à fome.
E os partidos da oposição continuam com a sua intervenção ocasional sobre as aflições do povo angolano. De vez em quando na Rádio Despertar atiram umas bocas e vão-se embora. Não entendo o porquê desta oposição “burra” não conseguir fazer um comício sobre a fome.
“Defendida expansão do ensino superior e mais emprego para a juventude.” Li isto na TPA, a televisão partidária de Angola. Mais parece propaganda hitleriana. Ainda falta muito para isto acabar?
03 de Março
Os custos de produção não suportam o preço de venda e Angola armazena petróleo à espera que o preço suba. O armazenamento está a chegar ao fim e os poços de petróleo a fecharem. E totalmente dependente do petróleo, a corrupção que o diga, não será possível, pior, isto é, já não dá para sobreviver no capim de Angola. Preparem as malas pois está na hora de bazar. Ou muito pior dito: o fim da grande catástrofe está a um passo. Perante o descalabro económico, financeiro, social e político, creio que haverá mais uma ponte aérea para evacuar portugueses.

O jornalista da Voz da América, VOA, Manuel José, quando em serviço no zango 1, Viana, arredores de Luanda, foi confundido com um marginal. Apesar de dizer que se podia identificar, algemaram-no e levaram-no para a esquadra da polícia e lá ficou uma hora considerado como um marginal altamente perigoso. As autoridades descobriram que foi preso por engano e soltaram-no com pedidos de desculpas. Há um ano que tal aconteceu, escreveu para todos os órgãos de justiça e outros da comunicação social, só o silêncio da justiça de olhos vendados lhe respondeu. A VOA transfere os seus salários dos EUA para um banco angolano, mas desde Novembro de 2015 que não os consegue levantar porque o banco alega sempre que não tem divisas. Fez um teste para levantar 10 dólares, mas nem mesmo assim conseguiu. Mudou de banco, mas ficou pior. Os bancos querem-lhe obrigar a converter os seus dólares em kwanzas ao câmbio oficial, mas na rua há dólares e nos bancos não. In Rádio Despertar.

terça-feira, 22 de março de 2016

Louco é quem não sonha. José Eduardo Agualusa




Utopias e distopias são poderosos exercícios de imaginação que nos ajudam a compreender os erros dos atuais modelos políticos

Por José Eduardo Agualusa, do O Globo 
geledes.org.br

Comemoram-se este ano os 500 anos da publicação da “Utopia”, de Thomas More. A data está a servir de pretexto para uma série de iniciativas, não apenas para lembrar More e a sua obra, mas também (ou sobretudo) para celebrar a ideia de utopia. Utopias e distopias são poderosos exercícios de imaginação que nos ajudam a compreender os erros dos atuais modelos políticos e a projetar e construir melhores modelos.
Atravessamos tempos convulsos. Tempos de incerteza. Depois de Barack Obama, um modelo de elegância e inteligência, concorde-se ou não com as suas ideias, ninguém acreditava que os EUA pudessem regredir até alguém (alguma coisa) tão ruim quanto, por exemplo, George W. Bush — e foi então que surgiu Donald Trump. No início parecia apenas um pequeno erro do sistema, um divertimento antes da ação a sério, como os palhaços, no circo, antecedendo a entrada dos trapezistas. Agora começa a parecer-se com o que sempre foi — um pesadelo.
No Brasil, cujo processo de democratização acompanhei com entusiasmo, que vi crescer, prosperar, vencer a inflação e o desemprego — antes da crise atual —, há quem saia para as ruas clamando pelo regresso dos militares. Olhando a partir de fora custa a compreender. Olhando a partir de dentro custa ainda mais.
Desistir da democracia porque alguns políticos são corruptos é como cortar a cabeça para acalmar uma enxaqueca. As ditaduras tendem a ser muitíssimo mais corruptas do que as democracias. A diferença entre uma ditadura e uma democracia, no que diz respeito à corrupção, é que numa democracia os corruptos nem sempre conseguem dormir, com receio de que polícia lhes entre em casa a meio da noite, enquanto numa ditadura são as pessoas honestas que não conseguem dormir — com receio de que a polícia lhes entre em casa a meio da noite. Uma democracia é tanto mais avançada quando mais capaz for de combater a corrupção e, em particular, a corrupção no mundo da política. Creio mesmo que uma democracia é tanto mais avançada quanto menos ricos forem os seus políticos. Gosto da Holanda porque o primeiro-ministro vai para o emprego de bicicleta. Amo Cabo Verde, entre tantos outros bons motivos, porque o governo fica na Praia, e porque, entrando num boteco qualquer, nunca saberemos se o sujeito sentado ao nosso lado, tocando cavaquinho, é um humilde pedreiro ou o presidente da República.
Não há ditaduras boas, da mesma forma que não há doenças boas. Há democracias avançadas e vigorosas e há democracias em crise, democracias frágeis, democracias necessitadas de um novo começo. O que não há com toda a certeza é democracias que possam ser substituídas com proveito por uma qualquer ditadura. Nenhuma democracia é tão má que consiga ser pior do que a melhor ditadura.
Quando se analisam, à distância de séculos, tempos de incerteza e convulsão verifica-se, tantas vezes, que estes assinalam importantes avanços na História. As pessoas que acordaram em Paris, naquela manhã de 14 de julho de 1789, não podiam imaginar que os confrontos desse dia, que culminaram na tomada da Bastilha, iriam dar origem não só a mudanças políticas fundamentais, mas, mais importante, a alterações positivas de mentalidade, em particular ao enraizamento da noção de que todos os homens nascem livres e são iguais em direitos e deveres. Para muitos franceses aqueles foram dias de puro terror. Dias em que um mundo acabou. Mas hoje, olhando para trás, o que vemos é um mundo novo a começar.
Tempos como aqueles que vivemos são susceptíveis de engendrar monstros. Contudo, também são capazes de gerar sonhos enormes e poderosos. Mais do que nunca é urgente revisitar utopias antigas e projetar novas. A obra de Thomas More inspirou, entre outros, Pierre-Joseph Proudhon, um dos pais do anarquismo. Mesmo quem nunca ouviu falar em Proudhon conhece certamente a mais famosa das suas proclamações, “a propriedade é um roubo”, e muitos a repetem, ainda que a não compreendam. Algumas das ideias antiautoritárias de Proudhon são hoje mais atuais — e menos “utópicas” — do que quando este as produziu.
O comunismo morreu e o capitalismo ameaça matar-nos a todos. A corrupção da classe política, as crises de refugiados, o aquecimento global, tudo isto são problemas decorrentes da própria natureza do sistema capitalista. É urgente procurar outros caminhos. Sonhar não é loucura. Loucura, hoje, é não sonhar. Na certeza, porém, de que esses caminhos, esses sonhos, só podem ser encontrados por meios pacíficos e democráticos. A democracia, essa utopia primordial, não pode ser posta em causa. Todos somos poucos para a defender.


Num momento tão conturbado da vida do Brasil. José Eduardo Agualusa







Um novo futuro
Há alguns dias Lula da Silva comentou que, caso fosse preso, se transformaria no Mandela do Brasil. Suspeito que o antigo presidente brasileiro apenas errou o género. Diante dos últimos acontecimentos, parece-me que Lula está em vias de se transformar, sim, na Mandela do Brasil, ou seja, em Winnie Mandela, uma mulher que destruiu todo um glorioso passado de luta quando, após o fim do apartheid, se deixou envolver numa série de pequenos (e grandes) crimes.
Lula, diga-se em abono da verdade, é muitíssimo melhor do que Winnie. Também por isso dói mais vê-lo desbaratar, num rápido movimento de pânico, todo um imenso capital de confiança. Eu vi o Brasil melhorar a partir de 2003, ano em que Lula da Silva tomou posse, como o trigésimo quinto presidente do Brasil. Assisti à formação de uma nova classe média. Testemunhei a chegada às universidades públicas de muitas dezenas de milhares de estudantes afrodescendentes. Durante a presidência de Lula o Brasil fortaleceu a economia, a taxa de desemprego caiu para uns extraordinários cinco por cento, e o país afirmou-se no cenário internacional.
Ao aceitar, na passada terça-feira, o cargo de ministro da Casa Civil, Lula da Silva pode ter conseguido escapar, no imediato, a um eventual julgamento por corrupção. Esse gesto, contudo, apenas serviu para reforçar a percepção pública de que é culpado (culpado ou não) retirando-lhe força e credibilidade. Retira também força e credibilidade à Presidenta Dilma, a qual, até esta semana, podia ser acusada de governar mal, mas não de pactuar com a corrupção. Convém sempre lembrar que foi durante o seu mandato que os grandes corruptos começaram a ser julgados e presos, desde nomes importantes do Partido dos Trabalhadores, a alguns dos mais poderosos empresários do Brasil.
Num momento tão conturbado da vida do Brasil, esperava-se de Lula um pouco mais de grandeza. Uma grandeza em consonância com o seu passado.
No mesmo dia, o juiz Sérgio Moro divulgou para a imprensa uma série de gravações de conversas privadas entre Lula e a Presidenta Dilma Roussef. O juíz errou. Errou muito. Colocou-se, também ele, à margem da lei.
Com este último gesto a impressão que nos fica é de que o Brasil perdeu a razão. Para onde quer que nos viremos o cenário é desolador. Os dirigentes do PT estão desautorizados. Os dirigentes dos partidos da oposição, esses, dão medo. Na maioria são não apenas corruptos, a contas com a justiça, mas também imensamente broncos, racistas, oportunistas, populistas, gente sem sonhos nem escrúpulos.
As redes sociais vêm divulgando alguns manifestos de artistas e pensadores brasileiros,  apelando à calma, e chamando a atenção para o essencial – preservar a democracia. É bom que as pessoas se manifestem, contra a corrupção, contra o oportunismo político, como seria bom que o fizessem a favor de novos sonhos e utopias. Que o façam sem violência e sem apelos ao regresso da ditadura militar.
Acredito que deste momento difícil e perigoso venha a emergir, amanhã, um tempo melhor, mas para isso os brasileiros terão de se mostrar mais idealistas, mais puros e mais generosos do que os seus políticos. A solução não passa por voltar ao passado, mas por reinventar o futuro.



sexta-feira, 18 de março de 2016

RÉQUIEM AOS CORRUPTOS



Repouso eterno aos corruptos
E à sua prole deixada
Dos valores dissolutos
Parece que estão de abalada

Mas não, há que ganhar tempo
Para ver o que isto dá
Sente-se o peso do desalento
Do levar as riquezas para o lado de lá

Aqui não dá para um gajo se safar
Mas dá sempre para roubar
Então há que aproveitar
Enquanto esta merda estiver a dar

E depois da vida erguida na vanguarda
Vê-la destruída, na derrocada
Retornar sem nada, do para onde fugir
Pela violência ter que abdicar, sair

Se não vês, isto não sentes
É porque muito mentes
Pobre bajulador encerrado
Na ditadura enjaulado

Diversificar a economia
É diversificar a corrupção
A corrupção é a academia
Desta corrupta governação

E nesta abençoada corrupção
Dela uns poucos proveito tiram
Presos políticos os que sofrerão
No desespero com tudo nos atiram

A corrupção tem muitas estratégias
Para sair da crise inventada
A corrupção tem muitas tragédias
A sua destruição está lançada

Nos hospitais do terror
As crianças morrem abandonadas
Sob a bênção do nosso benfeitor
As suas almas são encomendadas

Como é possível nesta civilização
Reinar tanta barbaridade
Deixar morrer crianças como punição
Do nosso chefe, da sua santidade

Era inevitável acontecer
O fim inglório do regime
Está a acontecer
Libertemo-nos de tudo o que nos oprime










quinta-feira, 17 de março de 2016

O Canto e as armas. Manuel Alegre



E contudo perdendo-te encontraste.
E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos.
E foste. E aproximaste.

Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar.
Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.

Mas já no mar quem fomos é estrangeiro
e já em Angola estrangeiros somos.
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro
vamos achar em Angola quem nunca fomos.

De Calicute até Luanda sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar
e de voltando achar em Angola
esse país que se perdeu de mar em mar.


Gil Gonçalves

E a fome que veio para nos matar
Que não, que comida não nos falta
Que mais há para nos eliminar
Neste carnaval teatral da sua ribalta

Angola das chacinas indiscriminadas
Das populações do petróleo não sorteadas
Chineses, portugueses, vidas beneficiadas
Angolanos e angolanas vidas espezinhadas

Se nem uma cerveja se pode beber
O que é um gajo está aqui a fazer
Os presos políticos se finge que vão julgando
Mais uma epidemia a fome nos vai matando

E nesta prisão angolana
Onde reina a mente insana
E como ninguém sabe trabalhar
Estrangeiros e príncipes sabem saquear

Nada mais há a esperar
Para quê continuar
Se a fome se está a decretar
Os presos políticos não vão soltar

A África está perdida
Não escapa da exterminação
Pelos seus líderes está vendida
No continente da subjugação









quarta-feira, 16 de março de 2016

Por Aquele Caminho. Adriano Correia de Oliveira


  
Por aquele caminho
De alegria escrava
Vai um caminheiro
Com sol nas espáduas.

Ganha o seu sustento
De plantar o milho.
Aquece-o a chama
Dum poder antigo.

Leva o solitário
Sob os pés marcado
Um rasto de sangue
De sangue lavado.

Levanta-se o vento
Levanta-se a mágoa
Soltam-se as esporas
Duma antiga chaga.

Mas tudo no rosto
De negro nascido
Indica que o negro
É um espectro vivo.

Quem lhe dá guarida
Mostra-lhe a pintura
Duma cor que valha
Para a sepultura.

Não de mão beijada
Para que não viva
Nele toda a raiva
Dessa dor antiga.

Falta ao caminheiro
Dentro da algibeira
Um grão de semente
Doutra sementeira.

O sol vem primeiro
Grande como um sino.
Pensa o caminheiro
Que já foi menino.

Ganha o seu sustento
De plantar o milho.
Aquece-o a chama
Dum poder antigo.

Falta ao caminheiro
Dentro da algibeira
Um grão de semente

Doutra sementeira.

terça-feira, 15 de março de 2016

Banco do garrafão, um banco para todos os angolanos



Preparado para fugir
Porque Angola já esta a falir
A desabar, a ruir
No abismo da idiotice a cair

Os bancos dizem que não têm divisas
Há uma estratégia de luta contra a crise
O atirar com o fardo para cima dos pobres
Para que os poucos ricos fiquem leves

É o tempo do não confiar nos bancos
Se pretexta para que não haja dinheiro
Antes era o estamos sem sistema
Agora é o estamos sem divisas

A grande desgraça da fome avança
Mas não, que está tudo controlado
O exército de famintos engrossado
Daqui a poucos meses se verá o fim

Angola onde só se vive de desonestidade
Do poder não se sabe quem fala verdade
A fome já é um facto indesmentível
E nisso a informação do poder é risível

Custa a acreditar
Como a corrupção é tão vulgar
Os honestos são para eliminar
Os desonestos são para louvar

Angola a descambar
O poder a descansar
Angola vai parar
Já está a descarrilar

Os famintos engrossam as fileiras
Do exército formado
Povo abandonado
É povo vampirizado

Nas instituições não dá para confiar
Esta Angola está a abortar
Isto não dá mais para aguardar
Chegou ao fim que se vá lixar!

Afinal para que servem as instituições
Para que servem os bancos
Para que servem os serviços de saúde
O caos económico tomou conta de Angola!