sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ESTADO DE SÍTIO, OU O ADEUS DE ANGOLA À DEMOCRACIA



“A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada.” (Nietzsche, 1844-1900)
São seis horas e cinquenta minutos do dia 05/08/17, o locutor de serviço na Rádio Despertar diz que antes de chegar viu pelo caminho muitos polícias, e que junto à emissora estavam dois carros com polícias. Pensativo, ele perguntou se a cidade estava sob estado de sítio.
A mana Manuela também disse que junto ao quintal da sua casa e mais adiante estavam grupos de dois polícias disfarçados, assim tipo como quem não quer a coisa.
Claro que toda a gente se perguntava como é possível tal aparato policial se o partido eternamente maioritário mais uma vez ganhou facilmente as eleições, também mais uma vez sem oposição que lhe faça frente. Então se toda a gente votou nele, então esse tanto medo é medo de quê, de quem? Não ouvi, nem tive conhecimento de alguém aqui na banda que festejasse a vitória esmagadora da consagração do partido em que toda a gente nele vota. Estou convicto que este partido tem muita magia, muita feitiçaria, será que fez um pacto com o demónio? Compra tudo e todos com o seu dinheiro, e parece que desta vez conseguiu comprar todos os sacerdotes das igrejas, tal era o infindável número deles que desfilava na passarela da TPA, televisão do poder de Angola, a célebre televisão que por isso mesmo também lhe chamam o partido do dinheiro. Foi dito que eles receberam como pagamento vindo do céu, pois o partido que eles elegeram e defenderam receberam ordens divinas as quais zelosamente cumpriram. Deus M pagou-lhes principescamente carros e casas, como dito por alguém que não me lembro do nome, na Rádio Despertar. Sem dúvida nenhuma que estas eleições foram uma orgia, uma pornografia eleitoral.
Angola continua sem líderes. Todos o querem ser, mas ninguém o é, o consegue ser, porque não têm estaleca para tal. Então, é o marasmo. Perto, ouve-se o som de gralhas e isto faz lembrar os partidos políticos. É só gralhar, gralhar, vacilar, vacilar. Muitas gralhas, muita vozearia, muitos políticos nocturnos.
Um político tem que ser como um bom escritor que nunca escreve para o presente, escreve sempre para o futuro.
E depois de quarenta e tal anos ver tudo a esfumar-se como se nada mais restasse.
Quando uma pessoa não tem acesso à Internet, a isso chama-se o ultrapassar do cume da miséria, quer dizer, muito para além dos primitivos que viviam nas cavernas.
Estou na varanda do prédio, olho para a rua e vejo um pobre cão que coxeia a levar pancada com o resto de uma tábua retirada do lixo. O pobre animal esquelético sob a imposição do poder da fome, que diga-se de passagem é o poder mais poderoso do mundo, quase que não se pode mover. Olha piedosamente para que lhe deem algo para comer, por isso se aproximou de um caixote do lixo, e lá só tem pancada de desumanos que se sentem muto felizes em ver o sofrimento de animais indefesos. Mais pancada leva de todos os que passam por ele. Que desumana sociedade que tal gente não merece. Claro que quem mata selvaticamente um pobre animal também mata pessoas. Se a selvajaria domina, o futuro torna-se inexistente porque se mata gratuitamente. É tão simples como isto. Cão, o melhor amigo do homem, mas o homem é o pior inimigo dele.  
Pai maluco, mãe maluca, os filhos sofrem. E ainda dizem que somos todos iguais, em quê? Sim, as propagandas alienantes têm razão quando dizem que somos todos iguais. Sim, somos todos iguais na idiotice mas na inteligência não, jamais seremos iguais.
É um banco ou uma cantina? Banco Millennium Angola na rua rei Katyavala em Luanda: um amigo contou-me que foi lá na hora do almoço, fizeram-lhe esperar meia hora para o atender porque estavam todos a comer. Para conseguir o cartão do multicaixa teve que esperar oito dias. 
A solução para o povo angolano já está pronta, é a morte pela fome.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       
O certo é que estou encalhado nesta trampa e não sei como me desencalhar, me limpar. E tudo isto ruiu.
O povo muamgolé tem muitos pastores, logo tem muitas igrejas. É um povo de pastores e de analistas desportivos. Tem também muitos políticos, mas técnicos e engenheiros rareiam.
Isto está de tal maneira que até parece que os dias estão doentes. Onde ninguém respeita a lei, onde qualquer é lei, não é possível realizar eleições.
Quando nem os filhos se aproveitam, o que resta da esperança desaparece e a escuridão reaparece. Vítima da perfídia humana, tudo em que acreditei, tudo ruiu. Ainda me custa a acreditar que isto seja verdade, mas já não restam dúvidas. O sonho terminou.
Com tal exemplo eleitoral não dá para acreditar na África. Só dá vontade para rir.
E a jogar na extrema miséria já ganhei o campeonato. Vivo de esmolas dos vizinhos mas eles já me começam a fugir porque já estão cansados de me aturar porque já para eles sou mais uma mosca para enxotar.
Aqui para resolver alguma coisa, é muto simples: não se resolve nada.
A mana Mónica confidenciou que uma quinguila morreu, e que em vida enriqueceu porque matou a família seguindo instruções do feiticeiro. A mana Mónica também disse que um moço para não atropelar uma velha desviou-se tragicamente, o seu carro capotou, ainda conseguiu rastejar e pedir ajuda. Mas os que dele se aproximavam metiam-lhse as mãos nos bolsos, roubaram-lhe o telemóvel e mais o que conseguiram roubar. Ele insistia no pedido de socorro mas ninguém se preocupava e lá morreu abandonado. 
Porque será que a vulgar epidemia de cólera não sai de África? Não se consegue vencer? Só isto dá muito ou pouco que pensar. Oh, não tem nada para pensar.
Quando os políticos falam demasiado e se entram pela constante repetição, as pessoas tendem a afastar-se deles porque o enfado das palavras torna-se monótono e da monotonia surge a perda de confiança, o descrédito. Sempre as mesmas vozes de serviço num país assim é a agonia da democracia.
Há quarenta e tal anos que o líder que levará Angola à democracia ainda não nasceu. Até lá, qual rei Artur com a sua espada mágica Excalibur, ou melhor, quando o nosso Ulisses nascer, nascerá nação, um líder campeão. Por quantos mais anos continuaremos descomandados sem líder? Ninguém o sabe, e tudo a seguir se exacerbará, e esta nação se extinguirá?
“Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos-de-ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como, Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.” (Almeida Garrett 1799-1854)


HÁ NOVE, DOZE ANOS

 

Adeus viajantes da eternidade.
Recordo-me com muita emoção dos meus entes queridos que estavam vivos e comigo conviviam e depois faleceram, mas jazem eternamente nas profundezas do meu coração. E envio-lhes o meu mais nostálgico abraço.
Creio que não morreram, renasceram nos nossos netos e bisnetos.
Morrer é os nossos entes queridos não mais ver, e das suas recordações viver.
O mais terrível que nos pode acontecer, e sem dúvida nos acontece, é perder aqueles que nos são mais queridos, aqueles que mais amamos, aqueles que moram nos nossos corações, e que nada nem ninguém os pode substituir.
Aqueles que mais amamos, os que se foram embora, aqueles que não nos conseguimos despedir pessoalmente.
Creio que a morte é como uma coisa muito estranha. As pessoas morrem e os que ficam, os vivos, claro, passam o tempo das suas vidas a viver das recordações dos que partiram e já não voltam. Quer dizer, morrer é não mais ver. É a tristemente famosa viagem de ida sem regresso.
Onde estão vocês, minha avó, oh, minha avó. Minha mãe, oh minha mãe, meu pai, oh meus pais, ai, ai!
Tudo desaparece, fica a recordação de que nada foi em vão. O que é bom permanece no nosso coração. O que é mau sente-se, vê-se a ilusão.
Éramos jovens, crescemos e vocês envelheceram e depois veio a infalível morte. Mais tarde nós também envelhecemos e também somos levados pela morte, enquanto os nossos filhos estão jovens, sempre assim sucessivamente. Assim mais uma vez creio que a vida não tem nenhum sentido, porque é nascer e morrer.
Ver o pai, mãe, meus netos, é como se o meu filho, os filhos regressassem à idade de crianças. Portanto, os netos são a continuação dos nossos filhos, o que significa que não morremos, neles renascemos.
A morte é não vermos mais a pessoa amada, e viver apenas, muito das suas recordações.
Somos imortais porque reencarnamos nos nossos filhos, nos nossos netos, nos nossos bisnetos.