O verdadeiro mistério do mundo
está no que é visível,
e não no que
é invisível. Oscar Wilde (1854-1900)
Não sei, não
vi, não creio em
bruxas, “pero, que
las hay, las hay”. Sebastião Coelho (1931-2002)
Eis o
famoso detective angolano, Akalesela, acompanhado pela sua deslumbrante,
esbelta e sensual colaboradora, Kakulu-Ka-Humbi, que investigam e desvendam
feitiços.
Rua dos apagões e das escoltas, Luanda,
Angola.
- Kakulu-Ka-Humbi, (águia) onde está o nosso Jornal do Povo dos anúncios?
- Ei-lo.
- E o nosso
anúncio… saiu?
- Sim.
- Deixa
ver... e nos jornais
privados?
- Não,
o dinheiro não
chegou.
Akalesela,
(pesquisam) lamenta-se do arcaísmo
da nossa economia:
- Quarenta anos ultrajados… nos outros países pede-se um
serviço e paga-se trinta dias depois ou mais. Sem esta norma
nenhuma empresa sobrevive.
Kakulu-Ka-Humbi reforça-o:
- Exceptuando as dos tubarões
de sangue azul.
- Tudo
para eles… têm horror
à concorrência. É um
estado do sítio.
Os dois
jovens detetives analisam o anúncio do teimoso, ó tempo volta pa trás, do
saudoso Prava.
Akalesela e Kakulu-Ka-Humbi
Detectives de feitiços
Investigamos e acabamos com
os feitiços
Rua das Escoltas 909,
Luanda, Angola
Telefones: 429 00 69 30 e 469 69 69 69
Akalesela acreditava que o negócio
de detective de feitiços seria muito
fácil. Tal e qual como as igrejas aqui implantadas, perante um universo
apocaliptico de gente desgovernada, têm o terreno ceifado para a crendice. E
assim faturarem com a divina espoliação a população que já não acredita em mada
nem em ninguém. Um
terreno propicio para encher os bolsos e trasnsferir para as contas
estrangeiras, deixando algum para os protetores da banda. De qualquer modo, o país alava-se completamente enfeitiçado. Todos os dias atiravam-se
crianças nuas para as ruas. Antes, sofriam o suplício
do fogo sob o libelo acusatório de serem feiticeiras. Faz um
reparo:
- Gostas de provocar.
- Ai é?! Não sei porquê!
- Preveni-te para
mudares a pornografia numérica do
telemóvel.
- O teu
também sofre da mesma depravação.
- Só
um.
- Precisamente.
Sou mais actuante, mais
participativa. Os números revelam a nossa personalidade.
- Acho que
os brincalhões não faltarão com as
perseguições.
- Não
te preocupes. Quando
morder um, os outros
temerão e não nos
incomodarão mais.
Kakulu-Ka-Humbi, no aconchego
do lar projectava o mínimo de vestuário.
Um sutiã e uma tanga.
Dengosa raspou-se:
- Estou transpirada, vou tomar um duche.
O rumor da água
pressentia-se, desaguava, sorria sobre o
seu exótico corpo, enquanto
cantava:
Aqui não
estou
Contente
Quero estar na rua
Com a minha
gente
Não se demorou muito. Reapareceu
a secar a água do seu
corpo de ébano
com uma toalha
de banho. Akalesela lembra-lhe:
- Estás
nua, o
Injandanda(aranhas) pode aparecer.
- Sim.
Verá este musgo viçoso
e estas uvas pretas pontudas…
- … Fruta fresca.
- Akalesela, isso lembra-me o ar
condicionado da sala que não
funciona.
- Foi o teu
amigo português
que o instalou. Garantiu-nos que dava para toda a casa. É muito potente e
a instalação eléctrica não aguenta.
- O sacana aldrabou-me. Parecia
muito meu
amigo. O gajo queria namorar
comigo. Acha que isto por aqui é tudo à
borla... mandei-o para o espaço.
- São
todos assim.
Ela acabou a limpeza. Voltou ao sutiã
e à tanga. Rondava os trinta anos. Pele castanha clara
devida à mestiçagem bantu. Alta
e magra, seios robustos, tarados de
sensuais. Rosto quase
recto e olhos profundos.
Lábios polposos. Nas curvas íntimas e celestiais
do seu corpo
pressentia-se a avidez da contemplação de quem a fitasse. O seu passatempo é a cozinha, o cabeleireiro,
especializar-se… olhar-se no espelho e fazer compras.
Pratica judo e carate eficientemente. Conseguiu licenciar-se em sociologia, mas
não consegue emprego.
Disparatou:
- Queres-me comer
com os olhos?!
- Estou à espera que a maldade,
a balda acabe.
Akalesela gostava muito de gambas com
um molho
que patrocinou. Coentros,
limão, alho
e sal moídos, e muito jindungo. Foi para a cozinha acecipar.
De lá quase gritou:
- Kakulu-Ka-Humbi, temos outra
vez inundação, está a cair
água do tecto!
- Já falei com eles quanto baste! Eles, esses que moram por cima
dizem sempre que
de lá não é! Estão mas é a destruir-nos a casa!
- Mas se por cima deles não tem
mais ninguém, deve ser um
feitiço do céu!
-
Akalesela, com esta gente
não dá para
viver!
- Certo!
Quando começarmos a facturar vendemos isto e vamos para outro lado, é o que
toda a gente
faz.
Kakulu-Ka-Humbi,
quando se enerva frasea kimbundu:
- Ene abu o ima ioso. (Eles
saquearam as coisa todas)
Akalesela jurisdicionou-lhe:
- Um
governo da Idade Média que permite e apoia
a destruição das habitações e
casas-casebres. Porque o vizinho de cima
destrói a casa do debaixo.
Como isto
se considera normal, então regressámos à obtusidade. Porque
nessa dimensão histórica era o lixo, a água imunda e demais porcarias
que lançavam das janelas para
as ruas. O cortejo de ratos agradecia-lhes e surgiu a Peste Negra.
- Tenhamos esperança
e aguardemos que o eterno poder do movimento
para limpar almas saia, para enfim arrumarmos
definitivamente os nossos
lares e darmos rumo
à nossa vida.
– Sonhou Kakulu-Ka-Humbi.
- Um
povo que
destrói a réstia do que lhe resta… e a beber e
dançar. Um povo
que vive com
a esperança da sua
impotência. – Ripostou, Akalesela a olhar para o tecto.
- A nossa
teimosia vencerá. Não
queremos desenvolvimento. Queremos as
nossas tradições primitivas. Duas políticas, uma tradicionalista, outra
a copiar a vida ocidental.
Com um
bom feitiço conseguir um jipe. Estudar dá muito trabalho. Beber é mais fácil. Esperamos as ofertas,
como por
exemplo os retrovirais que foram doados à Nigéria e depois
vendidos. – Rematou Kakulu-Ka-Humbi.
São
vinte e três horas de um sábado.
Akalesela sugere:
- Vamos
divertir-nos um pouco
numa discoteca.
-
Aprecio esse convite.
Gosto muito
de dançar e mostrar o meu corpo.
Preparo-me num instante.
-
Deixamos os telemóveis para não
atrairem indesejáveis.
O dono da discoteca
era amigo
de Akalesela. Uma mesa com duas cadeiras
foram-lhes recepcionadas. Já acomodados,
acostou-se uma empregada de bruta mini-saia
e baby-doll que não
conseguia, fingia cobrir os seios.
Deixou-lhes duas cervejas e retirou-se.
O tempo escoava e as cervejas também, já individualmente nadavam na quarta.
Os frequentadores masculinos não desmagnetizavam os olhos
de Kakulu-Ka-Humbi, que aparentemente fingia ignorá-los. Levantou-se e foi para a pista de dança. Agitava de tal
modo o seu
corpo que
um jovem
dançarino, já
com os efeitos
do álcool não
resistiu ao feitiço. Entretanto, Akalesela apreciava
as jovens seminuas que
iam chegando. Na pista o jovem atracou o corpo
dele a Kakulu-Ka-Humbi. Ela enervou-se:
- Nguamiami! (não quero)
O jovem apertou-a ainda
mais. Ela sentiu a fortaleza do que parecia um aríete pronto para derrubar a sua muralha não
fortificada. Lembrou-se do filme Indiana Jones e os Salteadores
da Arca Perdida, onde
um vilão
com uma cimitarra
dá vários golpes
no ar para amedrontar o herói. Indiana Jones pega
na pistola e dá-lhe um
tiro. Ela
colocou um joelho
no chão fingindo que
lhe doía. O galã
aproximou-se indeciso. Então, Kakulu-Ka-Humbi num movimento
rápido, crava-lhe os dentes nos testículos.
Enquanto ele
geme de dor com
as mãos colocadas na zona
inoperante, um grandalhão
vem com a mão
no ar em
auxílio do seu
amigo. Ela
baixa-se de repente, levanta um joelho e assesta-lhe
uma joelhada no sexo. Ele retrocede até
ao encosto da parede e lá fica a urrar. Ela grita:
- Alenga, alenga! (fugir, fugir)
Correm na direcção do seu
jipe curto,
um Pajero. Já movimentados, ela alerta:
- Vejo um carro ligeiro que nos persegue,
muda a matrícula.
Akalesela carregou numa tecla e a matrícula
alterou-se para: PR PALÁCIO PRESIDENCIAL. Mas, a perseguição continuava. Kakulu-Ka-Humbi
opina:
- Vai pela
rua dos buracos,
depois pela
rua das crateras.
Eles não vão aguentar.