«Convêm ler
outra vez Marx com novos olhos para compreender a crise que vivemos ninguém
pense que vai ficar imune às ondas de choque da crise do sistema financeiro
alguns dos paliativos escondem as misérias mas abrem novas fracturas nunca a
Deco trabalhou tanto e por favor comprem uma lupa e leiam as entrelinhas dos
vossos contratos.» In anónimo. Público
última hora
O que rouba e mais corrompe, esse é o chefe, o eleito,
o exemplo a seguir. Eis como nasce o terrorismo e de quem o alimenta.
O motorista
intervém e explica com um sorriso:
- Móbaile é o telemóvel.
Dei-lhe o meu
número, ele retribuiu. Já de saída deixa
sair o sentimento da gratidão:
- Não esquecerei o que fizeste por mim, depois ligo-te
do meu móbaile.
O motorista estacionou
o carro. Depois ajudou-me a carregar a minha bagagem. Subimos as escadas
de um prédio
de quatro andares.
Parámos no segundo, abriu a porta e convidou-me a entrar.
Depois entregou-me a chave e despediu-se:
- O Dr. Vieira mora no primeiro andar. Acho que ele já
lhe vai ligar para falar consigo.
Fiquei a observar o apartamento. Era
espaçoso, bem
arejado e bem arrumado. Tinha
uma varanda e vasos
com flores. Sempre
gostei de as ver à minha
volta, porque prendem-me a atenção, são muito cativantes. Tinha ar condicionado na sala
e no quarto. O frigorífico
e a arca de congelação eram demasiado volumosos
para uma pessoa. Abri-os
e notei que estavam bem
apetrechados. Uma pequena despensa
repleta com
os mais variados produtos
completava os gostos de qualquer glutão. A cozinha
era ampla
e estava impecavelmente arrumada.
Lembrei-me das célebres
constantes falhas
de luz e água
que são
o dia a dia
dos africanos. Sorri com uma anedota que não me lembrava onde
a li. Abriam-se as torneiras acendia-se
a luz. Ligavam-se os interruptores, saía
água. Bom,
vamos lá a ver
se há água. Abri a torneira
do lava-loiça e o líquido veio forte, de
um jacto. Esperei uns momentos para verificar se a pressão se mantinha, o que
aconteceu. Liguei um interruptor, a lâmpada
acendeu. Bom, tenho água
e luz. – Murmurei.
Ocorreu-me um pormenor. E quando
não houvesse luz?
Percorri todos os cantos e terminei na varanda. Não
havia gerador. Ah!.. faltava verificar uma última
coisa… o telefone não
funciona... tenho o telemóvel. O telefone fará falta para me conectar à
Internet… depois falarei com o Vieira.
O telemóvel toca. Atendo a primeira chamada
que me
fazem… é o Vieira.
- Já te instalaste? Estás a gostar do ambiente?!
- Está tudo ok.
Depois falamos com
mais pormenor.
- Daqui a pouco estarei aí.
Devido ao calor, tirei o casaco
e a gravata. Liguei o ar condicionado. Dez
minutos depois
deixou de funcionar. Pensei que
se tinha avariado. Liguei um interruptor, a lâmpada
não acendeu. Creio que
era para me habituar. Afinal não
estava na Europa. Com tudo atestado
de comida e bebida
acho que nem
valia a pena
sair mais
daqui. Batem à porta, abro, é o Vieira. Não me deixa falar:
- Já sei, não tens luz.
Vi pela campainha,
não tocou. Mas
o que é que
tu queres?
Isto aqui
é normal. Tens que
te habituar.
Por aqui
já podes ver
os custos que
uma empresa tem para funcionar. Gerador, combustível, e manutenção.
Tanque de água,
electrobomba etc… custos elevados. Mas não te preocupes que
consegui alugar uma parte
da Cidadela Desportiva. Preparo
uma suite e depois mudas-te. Vou lá instalar uma padaria, esse negócio está a dar, temos que aproveitar. Vou criar mais duas
empresas, uma para trabalhar
em comunicações
e informática, da qual
serás o director-geral. A outra será uma
trading. Como vês
trabalho não te falta. Amanhã vamos ter uma reunião nos Caminhos de Luanda. A propósito, sabes o que é que quer dizer MPLA?
- Sei. Movimento…
- Não! Menos Pão Luz e Água, e Movimento Popular de
Luanda e Arredores, porque só investem em Luanda e nos arredores.
- Vieira, já te contaram a cena que se passou à saída
do aeroporto com…
- Já, já me contaram. Isto está cheio de bandidos por
todo o lado. Investir já se torna um risco cada vez mais elevado. A marcha para
a grande fome final é inevitável.
- Vieira… custa-me a entender
com tanto
dinheiro…
- Os chineses quando são retirados da vida militar,
obrigam-nos a tirar uma especialização, e integram-se na vida civil. Aqui
desmobilizam-nos e atiram-nos para o olho da rua… entregues à sua sorte. E com
tantos despedimentos que fazem, teremos um exército de um milhão de bandidos.
Se juntarmos a isso a Sida, a malária, a tuberculose etc. Teremos…
- Mais um Estado falhado.
- Precisamente… tenho que
ir. Logo, vamos jantar aí a um bom restaurante.
Se te faltar
alguma coisa liga-me. Entretanto
serve-te. Sei que é aborrecido
ficar sozinho,
mas isso
será por pouco
tempo.
«Não tenhamos
ilusões: entre nós, não há nem neo-liberalismo nem capitalismo regulado, temos,
sim, um capitalismo de bairro, onde só se sentam à mesa amigos, fiéis e
cúmplices, quer sejam nacionais ou estrangeiros, com uma mão invisível a
comandar tudo, a partir da bolinha de cristal...» In Justino Pinto de Andrade.
As treze horas passaram, a fome apressou-se. Abri a
arca e escolhi a sardinha portuguesa para assar. Estava a retirá-las da
embalagem quando
me lembrei que
não havia luz.
Recoloquei-as no lugar. Abri o frigorífico e optei por barras de queijo
com presunto,
a que juntei algumas azeitonas e fatias de pão.
Fui à despensa e deparei-me sorridente com as
olímpicas garrafas do maravilhoso vinho
Dão. Seleccionei uma Dão Meia Encosta tinto.
Acabei de comer e esvaziei o resto
do Meia Encosta.
Senti pouco depois
uma agradável sonolência.
Levantei-me e fui ver a filmoteca. Havia muitos filmes em CD. Procurei um que me
agradasse. Lembrei-me novamente que não havia luz. Acendi um cigarro e fui para a varanda contemplar a rua.
A rua
estreitava-se ladeada por inúmeras vivendas. O prédio
onde me
encontrava marcava o início da rua. Havia outro
em frente com o chão esburacado junto a uma caixa de iluminação, onde
jazia um cabo
eléctrico. Um monte
de terra proveniente do buraco
escavado ocupava um terço
da via. Grande
parte do asfalto
necessitava de conservação. Via-se pouca gente, apenas algumas crianças
jogando basquetebol e tentando acertar numa circunferência metálica
improvisada.
Bocejei duas vezes.
Senti sono e fui sentar-me no sofá da sala. Não sei o que a
minha esposa
e filhos estariam agora
a pensar de mim.
Tenho que lhes
enviar um e-mail o mais rápido possível... tratarei disso mais
tarde. – murmurei.
Adormeci profundamente.
Despertei com o som do telemóvel, estas
máquinas chatas que inventaram. Para dormir o melhor é desligá-las. Só pode ser o Vieira, quem mais há-de ser?
- Alô! Alô!
- Sim, boa tarde. – Disse a voz do outro lado.
- Boa tarde, quem fala? – Interroguei.
- Meu amigo branco, é o Malcolm X.
- Malcolm X (!)
- Sim, o jovem que esteve consigo esta manhã. Tenho
uma coisa para lhe oferecer. Diga-me onde posso encontrá-lo.
Caramba… com esta não contava. Encontrar-me ou fazer
amizade com um bandido não estava nos meus planos desta aventura. Mas se ele me
quisesse fazer algum mal… assaltar-me, bom, teve essa oportunidade e não o fez.
Decidi arriscar mas com muito cuidado. Lembrei-me da localização que o Vieira
me deu.
- Estou aqui junto à Liga Nacional Africana.
- Já sei, fica ao pé do Zé Pirão.
- No início da rua tem um buraco com um cabo eléctrico
solto.
- Daqui mais ou menos a uma hora estou aí.
Dentro desse período de tempo começaria a escurecer.
Não sei o que os vizinhos pensariam de mim. Um europeu acabado de chegar a
fazer amizade com um bandido. Meto-me em cada alhada. E o nome dele… Malcolm X.
Lembrei-me dos vários
CDs que trouxe, sob
os mais variados assuntos
que pesquisei na Internet
e neles os gravei. Um deles tinha esta personagem.
Conhecia-o não com
suficiente profundidade.
Olha… a luz chegou, óptimo. Liguei o computador e coloquei o CD na bandeja.
Carreguei no botão à direita
e o CD desapareceu como numa morgue. Procurei nos arquivos e lá estava. Teclei imprimir
e preparei as folhas aguardando pelo angolano. Quando
ele chegasse decerto
me ligaria a anunciar
a sua presença.
Dito e feito, já estava no local
combinado.
Malcolm X trazia um
embrulho que
mostrava o formato de uma garrafa.
Ele sentiu o meu olhar amedrontado e tranquilizou-me:
- Amigo branco, trago-te uma prenda, uma garrafa de
uísque.
Agradeci-lhe e disse-lhe que
não era
necessário tal
incómodo. Ao que ele
replicou:
- Não é
incómodo nenhum, não me custou nada…
roubei-a.
A vida dá cada volta. Não há dúvida que estou mesmo
metido numa grande alhada. – Meditei.
Devia ter vinte e poucos anos. Era um pouco forte, altura média, cabelo rapado. Vestia um blusão negro, onde se
lia: BLACK POWER e MALCOLM X. Parecia-me bastante preocupado:
- Vamos para aqui… mais
discretos. Tenho que me esconder… podemos sentar-nos atrás
destes carros.
Atrás deles havia um
pequeno degrau
que se estendia até à entrada do prédio.
E por norma surge sempre a pergunta que nós mais velhos fazemos aos jovens.
- Trabalhas?
Respondeu a rir, a troçar.
- Trabalho?! Onde
é que isso
existe?! Arranjas-me trabalho?!
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