«A própria insuficiência de governo torna mais difícil
a construção da capacidade de governo. É da insuficiente capacidade democrática
de governo que surgem as nossas impressionantes polarizações entre ricos e
pobres. A partir de um certo grau de concentração de renda, esta já não
representa apenas um problema de justiça social, e sim um fator de
desequilíbrio de poder político, tanto para os pobres como para os ricos.»
- É verdade chefe.
- Acompanhei a chegada
dos géneros e não vi nada de anormal.
- Chefe… o problema
é a produção nacional… tudo aldrabado… tudo
pirateado.
- Quero um
relatório, ou uma comissão de averiguação!
- Chefe trago-o comigo... vinte quilos
de tomate, de batata, arroz, açúcar, leite, couves e
outras coisas.
- Vinte quilos
de tudo estragado. Só
vocês é que não
se estragam. Bantus, cafres. Nenhum macaco se estragou?
- Infelizmente não servimos isso, é mais para Norte. Apesar que
adoro… posso retirar-me?
- Sim!.. Para acabar com esta merda
o melhor é contratar
guardas mercenários
e pessoal estrangeiro para as cozinhas, pagando-lhes dez
mil dolos
por mês.
Vocês não
servem para nada.
Prometo-vos que hei-de descobrir
os roubos que
estão a fazer! Retira-te!
Depois do cozinheiro
sair, Epok aguardou alguns
momentos. Virou a sua
atenção para
a porta. Quase berrou:
- Ó Pinturas!
- Sim! Cavaleiro sem
figura!
- Olha, não me fales mais assim. Senão vais para o olho da rua.
- Tenta só, vá. O rei gosta muito de mim, não sabes?
- Não quero ser incomodado por ninguém.
Tenho que estudar
os dossiers que o rei
me deixou… vai-te.
Antes de fechar a porta por
completo, ela deixou escapar
de modo que
Epok ouvisse.
- Desgraçado, mal-educado, racista!
- Porra… não sei como
é que o rei
consegue aturá-las. Desejo que ele não se demore.
Haviam vários
dossiers com capas
de várias cores. Epok pegou no único de cor vermelha. Abriu-o e viu uma folha
de papel que
o sobressaltou.
ESTÁ PROIBIDO
DE TOMAR QUALQUER
DECISÃO SOBRE
O LÍQUIDO NEGRO.
VÁ PARA O ASSUNTO
A SEGUR. Pensou: vou ocupar
essa que está aí
na porta. Quero estar
à vontade. Sei muito
bem que são hábeis espias,
mais perigosas que
as do Kadafi. Chamou-a:
- Ó pinturas!
- Sim, diga grande
chefe da cor
de permeio!
- Cale a boca sua burra. Vá nas cozinhas e elabore um
relatório completo
do que se passou nas últimas vinte e quatro horas.
- Incluindo com
quem elas
dormiram durante a noite?
- Sim, e com quem tu
dormiste durante a noite.
- Oiça Epok, ou
lá como
se chama. Tira
o cavalo da chuva
que daqui não
levas nada.
Isto é propriedade
real, percebes?
Epok certificou-se se a espia
saíra do local. Abriu a porta, ficou satisfeito.
Ninguém à vista.
Fechou-a e trancou-a por dentro. Insistiu no conforto
do seu assento.
Respirou fundo. Olhou para
o próximo documento
muito atentamente.
O que lia não era para menos. Será que o rei se tinha distraído?
Ou seria uma armadilha?
Para depois ter um pretexto e enviá-lo como
embaixador cientifico algures numa estação
dos gelos da Antártida? Os documentos
estão aqui comigo,
devo seguir em
frente.
O documento
falava para ser efectuado
um inventário
aos diamantes que
se encontravam nos cofres
particulares do Banco
Real de Investimentos.
De quem seriam estes
diamantes? Outro
decreto real
que cria
uma nova empresa
a Única Cargas
Real. Terá uma frota
de camiões novos. Actuará nos portos e aeroportos.
Cinquenta por cento
das vendas mensais
serão entregues
aos Cofres Reais
do Grande Saco
Azul.
Havia uma observação.
§ Único. As empresas
privadas obrigam-se a reter
vinte por cento
das vendas mensais para
o Saco Azul. Serão consideradas como
custos do exercício.
Mais um decreto. Cada
vice-reino terá um orçamento
anual de vinte milhões
de dólares. Na realidade receberão apenas cinco. A
diferença será justificada com o argumento
de que os recursos
colocados à sua disposição
foram desviados.
O que é que temos aqui?
Epok esfregou as mãos de contente. Pontes,
escolas, viadutos, estradas. Prefiro as
escolas, são rápidas de construir. Acciono os contratos para dez escolas e ganho de uma assentada cinco
milhões de dolo.
Vou receber cinquenta por
cento adiantado, mando
pôr na minha conta no estrangeiro.
Depois sou exonerado, vou-me embora para tratamento de uma doença no
estrangeiro, e estou safo.
Comunicados de manifestações?
Enviados para
aqui pelo
vice-rei Jingola? Ele não quer assumir o papel de mau. Hum! Com receio de tomar decisões. Ou melhor, tudo para aqui, seja o que for. Isso
da centralização dá cabo da cabeça de uma pessoa. As coisas não
deviam funcionar assim.
Vejamos o que dizem estes
comunicados:
ADERE, Associação
dos Dementes do Reino
Jingola.
Exigem que os malucos andem à vontade
nas ruas. Que
não sejam internados. Porque os verdadeiros malucos
já andam há muito
tempo nas ruas.
Já não
sei quem é maluco.
Quer dizer nós somos malucos,
e eles, os verdadeiros são os sãos.
ASURE, Associação
dos Suicidas Reais
do Reino Jingola.
Queremos um prédio decente, moderno, com
pelo menos
vinte andares. Para
nos atirarmos e apreciarmos a paisagem na queda. Aquele donde nos
atiramos não tem as mínimas
condições. Tem lixo
por todo
o lado. Podemos apanhar
uma doença.
Como vão construir um hotel bem alto, terão direito a uma boa refeição durante o voo. Força
aí suicidas.
Matem-se à vontade.
ASARE, Associação
dos Alcoólicos Reais
do reino Jingola.
Queremos beber dia e noite sem qualquer restrição. Queremos uma percentagem
dos vinhos dos Tonéis Reais, ou acesso a bebida
a crédito. Isso
é pedir muito?
Viva a união
dos alcoólicos de todo
o mundo. É melhor
propor ao rei
a mudança de nome
do reino. Reino
dos Alcoólicos de Jingola.
APRE, Associação
das Prostitutas Reais do Reino de
Jingola.
Queremos melhores
condições de trabalho.
Aqueles a quem
prestamos serviços, há meses que não nos
pagam. Vamos fechar as nossas pernas
e acabou-se. Protestamos contra a concorrência das estrangeiras. Estamos a ser discriminadas. Elas
baixam muito os preços.
Se não aceitam as nossas reivindicações,
vamos oferecer a coisa de
borla durante
um mês.
Cuidem-se minhas senhoras
nobres. Vão
ficar sem maridos.
Estas putas
perderam o juízo. Vou perder
o negócio das minhas
casas clandestinas. Antes
que seja tarde
vou importar algumas asiáticas.
AFRE, Associação
dos Feiticeiros Reais
de Jingola.
Antes dos Portugueses chegarem, nós
já cá
estávamos. O nosso povo
pratica a feitiçaria como um acto
normal de soberania. Faz parte das
nossas tradições. Em
troca de qualquer
coisa, praticamos e inventamos novos
ritos. Exigimos o tratamento por médicos
tradicionais. Senão lançaremos um grande feitiço sobre o reino.
Isto
preocupa-me. Este reino
está cheio de feiticeiros
e feiticeiras. São mais
poderosos que
os republicanos.
ASARE, Associação
dos Analfabetos Reais
de Jingola.
Não queremos livros, não queremos ensino.
Não queremos universidades,
estamos fartos de estudar.
A nossa cabeça
não aguenta. Não
aos livros! Ainda bem. Estes ao menos são honestos. Grande poupança
nos sacos
azuis.
AERE, Associação
dos Esfomeados Reais de Jingola.
Exigimos apenas
vinte navios com
comida, que
será vendida e paga daqui a dez anos. Senão vamos saquear tudo o que se mexer.
Vão mas é trabalhar. Querem tudo de borla. Ir para os campos?
Não aceitam. Só
querem ficar na capital
do reino, reais sacanas.
UNTRE, União Nacional dos Trabalhadores
Reais de Jingola.
Queremos acabar com o assédio sexual nos locais de trabalho.
Isto é uma manobra de diversão.
Se tivessem bons salários,
acabava-se o assédio sexual. Deviam exigir mais dinheiro, mais condições sociais.
O Partido dos Republicanos da União
Total, exige eleições
livres e justas, já!
Os republicanos estão sempre a falar de eleições no reino.
Estão loucos?! Nunca! Jamais! Ninguém
conseguirá alterar o sistema
de planificação centralizada do reino e
vice-reinos.
Um documento
carimbado com as palavras, MUITO SECRETO, chamou-lhe a atenção. Era do
marquês do Santo
Oficio.
Meu rei, levo ao seu superior conhecimento:
Muita atenção aos
republicanos da família dos Areópagos da
árvore Andrade (Persea venosa). Não é a primeira vez, nem será a última
que tentam tomar
o poder. São muito inteligentes
e devem estar permanentemente
vigiados pelo nosso
Santo Oficio. Um
deles candidatou-se a presidente da futura República. Outro
faz muitos comentários.
Falam muito e à vontade
na rádio dos republicanos, que assim não dá. Apelam com camuflagem à revolta.
Acho que é hora
para a nossa secreta dar-lhes uns bons
açoites. Acabar com
eles e como
sempre deixar
no esquecimento. Republicanos chatos. O culpado é
quem inventou isso
das repúblicas e das democracias. Porque não nos deixam em
paz?! Estamos há mais de trinta anos no poder. E sentamo-nos e sentimo-nos bem.
Porque não
esperam mais trinta anos
para lhes
darmos as condições adequadas?
Invejosos!
Imagem: omundosokz.zip.net
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