E
depois do consumatum est, quem pretender entrar em Luanda vindo dos Zangados,
obrigatoriamente terá que mostrar o passe, o salvo-conduto, senão não entra. Ou
pensam que estes tempos Tarrafais diferem dos anteriores?
Como
vai o nosso vulcão dos casebres?! Está óptimo, bem alimentado, alienado, já se
notam alguns médios tremores de terra, preludia que vai explodir.
E
Angola retorna ao mergulho da escuridão dos tempos. A população, sem vontade
própria, cai na escravidão sem vida, onde só existe morte. A única identidade
que lhe sobra é a selvajaria.
E
no final os participantes aprovaram uma série de documentos. E os resultados
ultrapassaram todas as expectativas.
E
o nosso PIB cresce e nós encolhemos.
Não
impressiona muito verificar que a actual sem saída de Angola, em quarenta anos
de delapidação por um único partido, seja outra colonização. Angola já não tem
nenhuma hipótese, a não ser outra vez para colonizar?
- O cortejo
feudal do caudal automóvel
outonal, luxuário do descrédito actual, envergonha o solo
habitual da pobreza
mortal. As vestais
auguram aos príncipes encantados que o rei dos canhões anunciará eleições.
Serão flageladas nos anos medievos de
1132, 1133, 1134. Desflorestadas em
1135, 1136, 1137. Desacostumadas em
2009, 2010, 2011, 2012. Aguardadas pela Renascença, abandonadas pelo
Barroco. A nossa
diferença reside em
que não
podemos ter ideias diferentes.
Quem não
está preparado para
governar abusa do censurar. Urge um bom realizador que grite: CÂMARA! ACÇÃO!
A geratriz das ideias expõe o fervor
ideológico. Perde-se o senso moral, abandona-se o
bom samaritano.
O perigo da política
sectária acirra e confronta
os espíritos, anima a imersão de conflitos
civis. Quando um
dos lados está contra
tudo e todos,
o poder salta-lhe à vista.
Os anarquistas omnipresentes lançam poeira nos olhos incautos.
- Há alguém que consiga fugir da prisão preventiva das cidades? Que não se canse de fazer amor, sempre com a mesma mulher?
- Eleições, com biliões? Quando a bondade
se vê e deseja…é
escarcéu… os Órfãos e os do Politburo
são guerreiros, a eleição
será pautada à paulada, cacetada.
Se os Órfãos ganharem, os Politburo amarram o jogo,
vão virar o resultado. Aliançados com
grandes negócios,
não darão as costas
a midas. Se os Politburo perderem – têm que
ganhar – os militares
estão lá para
resolver, para decidir a contenda favorável aos Politburo. É assim
que sobrevive uma nação
guerreira com o seu
líder eterno
colocado nas nuvens. Com ar de mistério no mar
desencontrado.
- A espada da barbárie de Urundi suspensa.
- Para cada
quadrilha de malfeitores
há sempre um
herói. Como
Bat Masterson e Wyatt Earp, o panteão da história lembra-os.
- Na história da caubóiada.
- Nas leis da História. Os heróis
são necessários,
entram em acção e repõem a legalidade.
O receio
da cólera feria as mentes,
congestionava as vias públicas. A cólera é pungente porque o poder não se sente. É sonho
diurno. A lábia
dos boca a boca
interrompeu-se. Radiodifundia-se actualização do vibrião.
- Aguentem a cavalaria! Vai sair locução dos números
epidémicos.
- Muda para a Rádio do Oráculo, a outra faz desconto.
- Já está! Deixem radiar.
Rádio Oráculo. Números da cólera…quarenta e dois mil infectados e mil
e seiscentos mortos.
Mais informação
com o nosso
correspondente:
… Desencontro-me no desertus mirabilis. O barqueiro Caronte tem a situação
controlada. Desviou um afluente do rio Estige que inunda o desertus mirabilis. As vítimas excedem-se. Os defuntos
progridem com os vivos.
Estes, para
escaparem dos fluidos de Caronte, saltam
pelas janelas do hospital,
que parece o anjo
da morte Mengele. O cheiro
dos cadáveres é insuportável.
Há mais de um
mês que
as autoridades locais
guardam silêncio. A cólera
espalha-se como uma invasão
de gafanhotos. Quem
divulgue informação do que se passa,
as autoridades ameaçam com tribunal ad
hoc. No momento em
que vos
falo, os Politburo montam-me guarda. Dizem que
vão cursar-me tratamento
de choque informativo. Que tempos coléricos estes.
Ó da guarda! Digo adeus
ao mundo.
- Mentor…
- Minha
Lwena, a cólera encoleriza os cegos de espírito.
A estirada para Tule de Viana avançava,
diminuía o percurso. A paisagem da juventude Jingola que
enchia baldes com
água para lavar carros e solidificar a fé comestível, não
melhorava. Jovens dengosas auscultavam nos vidros dos carros e trocavam impressões
sobre o preço
da carne sexual. Alguns seguranças permaneciam encostados, apoiados nos pilares, enquanto outros jaziam sentados em improvisadas cadeiras.
De repente
o ambiente intempesta-se. Dois
desabridos seguranças
manifestam dor da alma.
Um narra para
os colegas os últimos
acontecimentos. Roga
apoio, mas os
colegas limitam-se a ouvi-lo, porque ao mínimo deslize perdem o emprego.
-… O director da empresa
da vanguarda Politburo apresentou lamentos: Descobriu que
algumas alvíssaras se evadiram dos cofres. Vai daí, nada
mais fácil
do que culpar
os seguranças. O indistinto
prosélito, qual
mastodonte fóssil
do Mioceno ordenou: «chamem a polícia Politburo». A polícia
chegou, ele deu-lhes a quantia necessária
para as investigações
e actuaram de imediato. Cismaram para quatro seguranças, arrastaram-nos e divertiram-se muitas horas a cascar-lhes chapadas
com catanas
nas costas e nas faces.
Num deles, os Politburo arrancaram-lhe as unhas
dos dedos das mãos.
Depois atiraram-nos para
um albergue com
os ossos tão
amassados que alguém
se lembrou de dizer: «essa pasta
óssea dá para
fazer pastilha
elástica».
- Mentor…
é doença mental?
- Hum, hum. Prometeram-lhes mundos e fundos,
a felicidade eterna.
No princípio é fácil
abusar da boa fé
das pessoas, com muitas promessas
eleitorais que se perdem nos vendavais. Tiram-se muitos
dividendos, mas
com o tempo
tudo se desmorona. É como a prisão perpétua.
Adiantei-me numa rua
onde se escutava uma ode ao automóvel. Buzinas estrondeavam, trombeteavam coro metálico
de harmonia com
vozes humanas. Realmente
parecia um imenso
manicómio. Tantos loucos
varridos à solta! Alguns
punhos erguidos agitavam-se temíveis. A explicação saltava à vista:
um enorme
contentor abandonado na rua obstruía os sentidos do trânsito.
Nenhum carro
entrava ou saía. Satisfiz a minha curiosidade
num automobilista:
- Esta rua está
condicionada a parque de estacionamento de contentores?
- Não! O motorista abandonou o contentor às cinco da manhã,
e continuou… zarpou para a bebedeira
com o camião.
- E?...
- E como pertence a uma empresa de um Politburo, não
podemos fazer nada… senão
levamos nos cornos.
O casebre de Mentor
não prestou a mínima
atenção quando
chegámos. Parecia que as chapas onduladas que
cobriam o telhado sorriam com a nossa presença. Mais chapas zincadas rodeavam o casebre.
Contra elas
o lixo e a água
do esgoto próximo
remavam, rumavam para incerto destino.
Mentor abriu a porta
gótica e entrámos. Pegou numa vela,
acendeu-a. As sombras dos objectos
revelaram-se como fantasmas.
Cuidei-me ao sentar-me numa cadeira tresmalhada. Tinha
um calcanhar
vulnerável. Precavi-me, firmei-a na parede com cuidado. Desconfiada,
se a estrutura resistiria à pressão. Mentor
sorri, apresenta explicações:
- Sabes, não dá
para ter uma casa em condições.
Só o mínimo
indispensável, porque
quando chegam os assaltantes e os
predadores das demolições do Politburo, se não
conseguem roubar nada,
pegam-lhe fogo. Obrigamo-nos a viver no estilo gótico. Luz é
impossível… à noite abundam aparições de alicates
fantasmas que
cortam os vultos dos imateriais cabos.
Olha… temos que
prestar atenção
às velas, algumas parece que explodem.
O pequeno corredor no centro
do casebre guardava sete
vasos de hortelã.
Pensei que era
por causa dos
gatunos. Em
simultâneo olhei para eles e para Mentor que explicou:
- Como a hortelã é óptima para as doenças respiratórias, comprei vasos e neles a
plantei. Cresceu rápida, ficou atraente. As folhas
esverdeavam a liberdade das plantas. A meio
da noite acordava com
a respiração opressa que lembrava chiadeira de gatos.
Levantava-me, ia a um dos vasos, colhia quantidade suficiente. Mastigava-a, engolia-a e pouco depois
sentia-me melhor. A expectoração
saía forçada pela
tosse, os pulmões
arejavam e a respiração normalizava. Tinha
um pequeno
jardim e notei que alguns
pardais apareciam. Duma vez contei oito.
O piar era muito barulhento mas
agradável. Talvez
protestassem porque não
tinham comida. Revivia neles a salutar Natureza.
Coloquei-lhes recipientes com arroz e água. Vieram regularmente,
comiam, bebiam e iam. No passar dos dias noto que um pardal corria com
os outros. Surpreendi-me… porque ele
assenhoreou-se da comida e bebida. Quando outros pardais
apareciam, ele voava como um míssil, e zás! Não queria compartilhar a sua propriedade
privada.
Habituou-se à minha
presença, sentia-se à vontade,
mas sempre
desconfiado. Reconhecia a área como um cão ou gato.
A cadeira onde
me sentava não
escapava à vigia. Sentia-se ser de casa. Gostava de observar
o crescimento da hortelã.
Numa manhãzinha verifiquei constrangido que
quase desaparecera, incluindo raízes. Não tardei a encontrar explicação. Os outros
pardais, furiosos
porque estavam proibidos
de se alimentarem da comida do colega, vingaram-se na hortelã…
como se eu
fosse culpado. Enfureci-me, retirei-lhes o arroz
e a água. Gritei-lhes: «aqui não há mais comida e bebida para ninguém». Fi-lo por
vingança, decidido
a nunca mais
enfrentar ingratidão
de asas.
O comensal
reapareceu, viu que a comida desapareceu, piou estridente
até se cansar.
Imóvel, provavelmente pensava: «mas, que mal fiz?!». Repetiu-se por
quatro dias,
quando percebi com
grande surpresa:
Não era
um, era
uma pardaleja que acompanhava o seu pequenino que iniciava o manejo
das asas. O bebé abria o bico à espera que lá caísse qualquer
coisa. A mãe
desesperada bicava areia e enfiava-lha pela goela. Mas o bebé não
se calava, queria comida de verdade. Percebi… era
chantagem. A mãe
culpava-me da morte do filho
pela fome.
Senti-me varado, gritei-lhes: «chega, estou
despassarado!»
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