Enquanto vivermos,
dependermos da teimosia que a liberdade e a democracia se conquistam por
decretos-lei, jamais seremos livres e a democracia nem de binóculos se
avistará.
A tia São
Este triste
acontecimento passou-se há alguns meses, como tudo o mais que acontece neste
país nas sondas petrolíferas plantadas, não é fácil de narrar, mas obrigo-me a
fazê-lo. No fundo é a minha missão, não é?, mas é, acredite meu leitor amigo,
que é com imensa tristeza no meu coração que o faço. A tia São normalizava a
sua vida de dependente, porque nunca conseguiu beneficiar nada da independência,
na lavagem de roupa numa senhora angolana, e o pouco que ganhava era para
quando chegasse em casa os seus filhos, de acordo com as normas em vigor pelo Minoritário,
a despojassem do seu parco vencimento da escravatura com novas leis, e assim a
miséria continuava, muito certa. Até que alguém, um vizinho, lhe garantiu que
umas pastilhas para matar ratos, tomadas tipo vitaminas faziam quase milagres
no corpo. Ela, como uma boa crente das igrejas diabólicas, quadrilhas
religiosas, acreditou e logo começo a tomar o milagroso remédio. E de tantas
doses tomar acabou por cegar. A tia São chora, chora muito, mete pena. Ai esta
Angola dos donos únicos do petróleo que desprezam o seu povo, que cada vez mais
parecem-se como ratos. A tia São está irremediavelmente cega, como o Poder cego
que nos desgoverna.
O reduto fortificado
E os indianos já
estão toda a manhã a reforçar o portão de ferro do seu apartamento e
gradeamentos das varandas, porque adivinham maka grossa com o FIASCO eleitoral.
Como se isso lhes valesse de alguma coisa. O minoritário está perdido e para
sobrevivência…
O Pilar
27 de Julho, pelas
16 horas. O técnico chinês confecciona a armadura em madeira com as dimensões
aproximadas de 30cm x 10cm x 2,5 metros para depois vestir a estrutura de ferro
que findará num pilar. O chinês martela pregos até nunca mais acabar e serra,
serra, para que o trabalho não falhe. Já com tudo a postos chegam três
mwangolés que cozinham o betão e depois o vão despejando até encherem por
completo o “poço” do pilar. O trabalho já ia muito adiantado mas eis que surge
um imprevisto. A estrutura de madeira do técnico chinês, tal como uma ponte-cais
foi-se, e o pilar desabou. É no Hotel Katyavala do general Led, nas traseiras
da Pomobel, próximo do Largo Zé Pirão, Luanda.
As sirenes
Sete horas de todas
as manhãs, as sirenes anunciam mais uma terrível manhã, de também mais um dia
catastrófico do amanhã. Passam as sirenes da escolta da opressão, outra vez
como os canhões da desolação. Por aqui nada se alterou, muito pelo contrário,
tudo piorou. As igrejas da maiuia apoiam o voto no minoritário, para que
continuemos subjugados, acorrentados ao poder dinossáurio.
A moto rápida
02 de Julho, treze
horas. Aqui na bwala aguardava por um amigo, ele aproximava-se de mim, já
estava a cerca de vinte metros, quando surge uma moto rápida com dois ocupantes
e zás, sacam-lhe a carteira e o telemóvel. Toda a gente a ver, incluindo eu,
mas quem é que se mete lá? Já não se pode sair de casa?!
Gatunos! Gatunos!
11 de Julho 2012. As
meninas assim que acabaram de sair da escola correram, correram a gritar:
«Gatunos! Gatunos!» Não, isto não é no Cacuaco ou noutro bairro dos habituais
assaltos, é mesmo numa zona muito nobre., ali para os lados do Zé Pirão. Uma
mais-velha abanou a cabeça e: «Isto está a ficar duma maneira!»
Mais uma nova-rica
13 de Julho
2012. A mwangolé nova-rica alugou um
apartamento num quinto andar, desses do tipo águas-furtadas. Aparenta ter entre
vinte e cinco a trinta anos. A indumentária ainda é de pobre e termina com um
calção curto, improvisado, desses que antes eram umas calças. Até aqui, creio, nada
de extraordinário. Foi quando ela já na fase final do carregar as imbambas
começa a limpeza da casa, varre o lixo e muito naturalmente atira-o para o
rés-do-chão. E depois um saco um tanto ou quanto volumoso também segue o mesmo
caminho. Quarenta anos depois…. E esquecia-me: ao ligarem a água do reservatório,
improvisado, caiu uma chuvada no apartamento do vizinho de baixo. Afinal os
construtores mwangolés enganaram-se, ligaram o tubo da água aos tubos antigos,
inutilizados. Agora, dizem, que vão fazer uma canalização exterior.
Foi levantar sete mil dólares
13 de Julho,
Luanda. Segundo uma fonte digna de crédito que esta RSP passa a citar e que
aguarda confirmação: «Um senhor da ANGOP mandaram-lhe ir no banco levantar sete
mil dólares. Os bandidos estavam à espera dele, mataram-no e fugiram com o dinheiro.»
Os objectivos do milénio
E um dos principais
objectivos do milénio foi conseguido. Com os biliões de dólares do petróleo, Angola
finalmente declara ao Mundo que cumpriu todas as exigências deste milénio e dos
que se seguem: em Luanda destaca-se uma corrida dos esfomeados aos contentores
do lixo. Nunca este petróleo tantos e bastos esfomeados eliminou.
As crianças sem pátria
14 de Julho,
Luanda. Aí por volta das vinte e uma horas estava o segurança no repasto dos
desgraçados sem petróleo. Entretanto ausenta-se da sua sala de jantar. As
crianças deserdadas e abandonadas pelos senhores da guerra do petróleo,
esfomeadas do milénio, viram uma boa oportunidade. Pegaram rápidas, como é
costume dos nossos corruptos, na comida e devoraram-na em poucos segundos como
se fossem piranhas. O segurança retorna já no acto consumado e enraivecido,
vida de miserável é assim até se mata por uma côdea de pão, deseja, grita que
vai matá-las, o que pouco interessa pois nesta Angola o mais vulgar das
vulgaridades é a matança indiscriminada de crianças. Mas os outros seguranças
impedem-no, como a cavalaria num ataque contra poços de petróleo, dantes eram
os índios, eram?, não, tudo continua na mesma, ou muito pior. Que tragédia esta
mais-valia do petróleo.
Um tiro de pistola
06.45 horas, 15 de
Julho, de mais um fatídico dia de Luanda. Ouviu-se um tiro de pistola. Mais
alguém que foi assaltado e depois baleado mortalmente? As sanguessugas deste
petróleo são o nosso fatal terror diário.
A fraude da água
No rumo da Nova
Vida das centralidades. Vamos para quatro dias que continuamos na fraude da
água. Não nos dão explicações. Já deixámos de ser gente. Será que a desviaram
para a fábrica de cerveja CUCA? Mais um rótulo para este caos. Só loucos é que
fazem coisas destas. Loucos perigosos à solta?
Bruta fogueira no terraço
Luanda, Avenida
Comandante Valódia, Ex/ Combatentes, 19 de Julho, 11.10 horas, próximo do
estabelecimento José Luís de Carvalho. Bruta fogueira no terraço. Só pode ser
para cozinhar o almoço do dia. Já disse e repito: pouco falta para fugirmos dos
prédios, pois a selvajaria está a tomar conta deles e da cidade (?). Quarenta
anos de infindável Poder Popular.
Bancarrota nas kinguilas
Na implementação do
projecto Nova Vida e Novas Centralidades, hoje de manhã no Zé Pirão as
kinguilas foram varridas na totalidade por uma ventania de assaltantes. Ficaram
limpinhas, sem um tostão.
O pelotão dos fiscais
Luanda, 23 de
Julho, 15.55 horas. Um pelotão na composição de cinco fiscais todos trajados de
negro, porquê?, do GPL – Governo da Província de Luanda, Ingombota, desembarcam
de uma carrinha branca de caixa aberta,
tal e qual como tropas de assalto. Luanda é, e será sempre por vontade
própria uma praça de armas, aliás como nas restantes províncias de Angola.
Rápidos como tropas piratas do saque, porquê em Angola só se espoliam os
honestos?, saqueiam os bens dos pobres vendedores de rua, e rápidos como vieram
embarcam na sua viatura. Mas, azar deles, o trânsito está engarrafado, como o
Governo, e ouvem os protestos da juventude que já lhes perdeu o medo, que lhes
resiste heroicamente: «Gatunos! Gatunos! Isso que nos roubaram é o nosso
ganha-pão!» Mas eis que surge uma senhora que se lhes junta e lhes grita de
forma não habitual nestes comícios eleitorais da roubalheira, de mais uma
fraude, quarenta anos de fraudes: «Depois das eleições vocês vão ver!!!»
Imagem: Aléxia Gamito
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