Introdução
É jurisprudência exclusivamente angolana: Os seres
humanos reproduzem-se para roubarem. Roubam-se, especulam-se. O que roubar e
mais corromper, esse é o chefe, o eleito, o exemplo a seguir. Aqui está a
melhor receita e a melhor lição, de como nascem as células terroristas serviçais
do neoliberalismo.
A Igreja, campeã mundial da extorsão religiosa vive a
agonia dos momentos finais da exaustão. Até cónegos se corrompem, e num rodopio
arrastam as pobres ovelhas para a aliança da ditadura, ou ditaduras finais: de
rastos imploram à meia dúzia dos senhores dos campos petrolíferos que lhes
cedam apenas um poço de petróleo, e com isso venderem… revenderem, porque há
muito já estão vendidos. Dantes, as egrégias receitas abundavam mas agora
escasseiam cada vez mais, porque as ditaduras tremem, borram-se, entregam-se na
decadência, no aluírem-se como um colossal vendaval que tudo leva à sua
passagem, mas que depois nada resta de mais ditatorial.
Angola é o paraíso mundial mais elementar para
qualquer estrangeiro se encher de dinheiro num ápice. E conseguem-no facilmente
porque a estrutura governamental funciona com a corrupção da comissão. Quer
dizer, o aventureiro chega, paga a sua parte da corrupção, tem o caminho aberto
para qualquer negócio. E a negociata principal é escravizar a população com o
apoio velado ou não da governação.
Isto é fácil de verificar, porque estrangeiros que
aqui tem empresas (?) facturam à vontade, e até com uma mais-valia de… não
pagarem salários. E quando o sem futuro reclama ou se manifesta, o que é
absolutamente reprimido, apesar de uma constituição jurar que se pode
manifestar, o patrão estrangeiro queixa-se na polícia e de imediato vem o apoio
com o lançamento de obuses, e a morte dos escravos.
E por isso mesmo, a miséria fica insustentável,
mortal. E o poder sempre a ameaçar que quem se manifestar, vai apanhar. O povo
não tem outra alternativa: quanta mais repressão mais revolução.
Angola não é dos angolanos, é dos agora campos
lavrados do etanol, também da Sonangol.
A Sonangol comprou Angola e os angolanos, e vende os
empregos aos estrangeiros. E por isso mesmo deve alterar a sua designação para:
República do petróleo da Sonangol.
Isto não é viver, é no petróleo perecer, ainda como numa
república de sovietes.
E depois de mais de trinta anos no poder, por mais que
o mesmo grupo eleitoral que ganha sempre as eleições com maioria absoluta, faça
promessas que nunca cumpre, também para quê, se ninguém acredita neles, e todos
sonham no dia em que a paz finalmente chegue e que as aventuras das lutas de
libertação não mais se repetirão.
É a ditadura do mais trintão poder, eis que mais três
ditaduras se acomodam para também nos infernizarem: um cónego, o deus dele, e a
Igreja só dele.
Até onde chegámos: estamos de tal modo tão protegidos,
que até o simples acto de pensar que podemos adoecer, nos faz doentes. Porque a
protecção que temos é a miséria, e ela não nos dispensa cuidados médicos.
Vivemos à mercê do qualquer um é empresário. Esta é a
narração de um deles.
CAPÍTULO I
A AVENTURA
Exceptuando os sortudos das lotarias e doutras
ludologias:
Por detrás de
todas as grandes fortunas,
está sempre um
crime. Balzac 1799-1850.
«De repente, gigantes da finança americana sucumbiram
ou estão à venda na bacia das almas, caracterizando risco concreto de um efeito
dominó em que a queda de uma instituição vai arrastando outras, algo até pouco
tempo impensável para a maioria da população mundial. Na origem de tudo, uma
euforia no mercado imobiliário americano, com a concessão dos chamados créditos
ninja – no income, no job, no assets (financiamentos a pessoas sem renda, sem
trabalho, sem patrimônio), por parte de duas megainstituições financeiras,
Fannie Mae e Freddie Mac». In Ubirajara Loureiro. Jornal do Brasil Online
Um sábado de calor horrível
na cidade de Lisboa. Como contabilista
recuperei o dia para
fazer mais um fecho
de contas. Como
este trabalho
exige muita concentração, e estando só no meu escritório, ninguém
me faria desviar
a atenção. Assim, o trabalho
ser-me-ia gratamente produtivo.
Acomodei-me por volta
das nove horas.
A primeira coisa
que fiz foi ligar
o ar-condicionado. Depois liguei o computador. Esperei que
a máquina acabasse de instalar o sistema operativo.
O ambiente vitoriou-me com uma temperatura agradável
para trabalhar. O meu
cérebro sentiu-o e pareceu-me ordenar que já estava apto para a missão a que me propus. O suor
na testa deixou de me
incomodar.
Peguei em algumas pastas e vasculhei-as à procura dos documentos
que necessitava para
prosseguir o meu
trabalho. O tempo avançava mas não me dava conta de tal, estava como que em estado de hibernação.
Entretanto, um documento que analiso chama-me a atenção
em
particular. Dizia que o total da despesa com caracoletas…
Caracoletas?! Meditei durante uns momentos, caracoletas?!
Havia muito tempo que
não comia disto. Olhei para
o relógio. Catorze
horas?! Senti um enorme
desejo de comer
estes moluscos gastrópodes.
Não era necessário ir muito longe para os encontrar. Desliguei tudo e pus-me na alheta.
Vasculhava numa esplanada
a procura de uma mesa
livre para a
ocupar. Acto contínuo ouço uma voz conhecida vinda do interior do café. Entrei para confirmar se era de facto a pessoa que imaginava. Os nossos
olhares cruzaram-se. Era ele. Levantou-se e gritou-me:
- Meu amigo vem, senta-te aqui!
Vieram os cumprimentos
da praxe seguidos de um forte abraço. E os habituais dizeres nestas coisas:
- Vieira, há muito
tempo que
não te
via.
- É pá, as caracoletas estão óptimas! Vou mandar vir
mais uma dose!
- O curioso é que vim aqui precisamente para isso. Como tem passado o meu amigo luso-angolano?
- Luso-angolano não,
luso em Portugal e angolano em Angola!
- Duplo de nacionalidade, ou
triplo? De certeza
que também
tens o passaporte alemão.
- Sim, sou um cidadão do mundo.
Viera, era meu cliente. Prestava-lhe alguns
serviços ocasionais.
Acho que era agradável trocar
impressões com
ele, porque era muito culto. Tinha um senão… só pagava os serviços com o envio de um ultimato. Fazia questão de furtar-se sempre aos seus compromissos.
Era de estatura
média, forte
e de barriga um tanto ou quanto inchada de passar
grande parte do tempo sentado no computador. Andava sempre
com o cabelo
curto. Tinha
cerca de quarenta e cinco
anos. Usava óculos
que lhe
faziam parecer um
pouco mais
velho. Rosto
cheio, arredondado, e maçãs salientes. Conforme
dizia, era economista e que obteve o doutoramento na Alemanha, na altura RFA, República
Federal Alemã. Falava fluentemente Inglês e Alemão. Ao mínimo diálogo, revelava-se
temperamental. O interlocutor
quase não
tinha o direito
de exprimir a sua
opinião. Gabava-se sempre
de ganhar muito
dinheiro.
Ele acompanhava-se de uma pessoa
que eu não conhecia. Vieira apercebe-se
disso, apresenta-ma e recebo um leve inclinar de cabeça. É um seu amigo alto, muito
forte. De cabelo
branco a rondar os cinquenta anos.
As suas mãos
são largas, imensas, quase um mastodonte. Perante o meu olhar investigativo, Vieira
elucida-me:
- Também é economista, director dos Caminhos
de Luanda, em Angola.
O seu rosto é sisudo,
ou como
se costuma dizer, mal-encarado.
Perguntei:
- Vieira, como vão as coisas em Angola?
- De mal a pior.
- Pelo que
sei para ti não.
Tens casa em
Lisboa, apartamento no Algarve, casas em Angola…
- E também na
Namíbia... a propósito, no próximo
fim-de-semana vamos para o Algarve. Vamos apreciar aquelas boazonas nuas.
- Com os bens que tens ainda me dizes que Angola vai
de mal a pior?
- Vou-te mostrar uma coisa.
Retirou de uma pasta o que
parecia ser uma revista.
Entrega-ma para ler. Era
um bissemanário angolano em formato tablóide.
Noticiava de uma empresa que
forneceu equipamentos ao Ministério da Defesa de Angola, por
dois milhões
de dólares e facturou o dobro do valor.
Vieira acrescenta:
- Toda a gente rouba. Porque é que nós não devemos
fazer o mesmo?
Isto é a África Negra, eles nunca mais aprendem… não
conseguem avançar.
Vieira começa a
aquecer:
- Torna-se difícil
entender como
os americanos e outros
países ocidentais,
campeões da democracia
e dos direitos humanos
no mundo, exploram o petróleo,
enriquecem à sua custa,
mantém boas relações com os governos
produtores, e os seus
povos vivem na mais
estrema pobreza.
Não podemos, de maneira
nenhuma, chamar a estes
países democratas.
Faz uma pausa e
exclama:
- É pá, isto está mesmo
bom!
E continua quase
a berrar:
- Devido a isso há muito
deixei de acreditar na democracia! Temos que inventar algo melhor! Devia proibir-se a actividade das companhias petrolíferas nos
países que
não exercem a verdadeira democracia, mas
isso não
é possível, porque
os seus lucros
diminuiriam abissalmente! No fundo
tratam-se de relações entre países avançados, e países
atrasados como sempre
foi e será!
Pretendo intervir mas ele não deixa:
- Convém portanto
não deixar que os países
atrasados avancem. Mantê-los continuamente na ignorância,
para os explorar eternamente. Depois
quando os recursos
se extinguirem enviam-se umas sobras alimentares, à maneira
de ajuda… dinheiro proveniente das receitas
petrolíferas. Quando um verdadeiro
democrata surge para defender
o seu povo
da miséria, rotulam-no de comunista, e inimigo do Ocidente.
Os seus serviços
secretos não
tardam em eliminá-lo.
Faço um esforço para dar
a minha opinião,
mas em vão. Ele
não deixa e continua:
- Para desestabilizar
a sua economia
basta obter um valioso empréstimo, para comprar os dólares em
circulação, então
o seu valor
aumenta. Depois
vendem-se, paga-se o empréstimo e ainda se obtém um
bom lucro. Outro bom negócio consiste em
promover uma guerra.
Os contendores precisam de armas, estas são fornecidas facilmente... a crédito.
Por mais
que tentem sair
da miséria não
conseguem. Há sempre alguém à espreita
para que tal não
aconteça.
Tento mais um esforço mas em vão:
- Vieira deixa-me falar.
- Olha,
deixa-me dizer-te que quando os fundamentalistas
islâmicos ou
comunistas ganham as eleições, elas não
são aceites! Vê
como é que
as democracias funcionam!
Imagem: Lisboa, Martim Moniz. www.skyscrapercity.com
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