- Olha, vês, aquele ali é o meu carro!
Olha o meu telemóvel, é desses dos mais caros. Subi, agora sou a responsável
das finanças e do pessoal.
- Muito bem Juliana estou muito contente
contigo, os meus parabéns.
A Juliana era minha amiga desde quase
que nasceu. Agora, já com quase trinta anos, baixa, forte, antes era muito
magra, parece que ficou assim desde que passou a frequentar um ginásio desses
da maiuia de conquistar homens, e dos remédios que tomou para aumentar os seios,
as nádegas e as pernas, coisa esta aliás perigosa, pois executa-se sem vigilância médica, mas como
quem manda são os homens, para os conquistar e conseguir o dinheiro para
sobreviver, é o vale-tudo para modificar o corpo e despertar o manjar sexual
dos machos sempre prontos para as batalhas das inúmeras ofertas dos corpos
femininos despudorados.
Eu sabia que Juliana era uma perita na
caça ao homem, do tipo qualquer um serve, e não me surpreendi quando ela
orgulhosa me apresentou a sua barriga inchada. Faltavam poucos meses para o
bebé nascer. O futuro pai tinha muito dinheiro, era responsável numa empresa
dessas de serviços - só que ela nunca me soube explicar, ou não o quis – que
serviços eram esses. Com altivez, ela confessava-me que ele tinha muitos carros,
um dos tais bosses. Afinal a riqueza de uma pessoa parece que se vê apenas pelo
número de carros que possui.
A Juliana foi mesmo bafejada pela sorte.
Quando o bebé nasceu, a ela e a ele não lhe faltavam nada. Até criada lhe foi
disponibilizada para apoio no pós-parto. E as coisas continuavam maravilhosas,
como naquelas abundantes telenovelas de ricos que casam com mulheres pobres e
depois são felizes para o resto das suas vidas, sempre a viverem em mansões
servidas por criadagem, carros de luxo e férias nos locais mais exóticos do
mundo, como as ilhas da Polinésia.
Durante um ano e tal não tive mais
notícias da Juliana. Afinal as coisas são mesmo assim, pois quando estamos bem
na vida os outros que se lixem, porque este mundo fez-se apenas para o
antagonismo de duas classes: os espertos e os burros. Ela aparece-me toda cheia
de superioridade própria da sua actual condição social. O tempo passado da
miséria esqueceu-se, desapareceu, como se nunca tivesse existido:
- Dá-me um copo de água e um guardanapo
de papel para limpar a boca. O que é que tens aí para comer? Serve-me comida!
A comida do almoço estava pronta. A
propósito, porque é que as pessoas aparecem sempre às horas das refeições,
especialmente do almoço? Assim fiz, servi-lhe e ela continua a ordenar-me:
- Não gosto desta colher e deste garfo,
dá-me outros… aqueles ali!
Ela apontou para um conjunto de talheres
que raramente utilizava, porque os achava pesados, incómodos. Entreguei-lhos, e
lembrei-me da criança:
- E a criança, onde está?
- Está na creche, vou quase ao fim da
tarde buscá-la.
- Está tudo bem contigo?
- Está sim!
É claro que não estava nada, ela
escondia-me algo, muita coisa. Arrisquei-me a perguntar-lhe:
- Nunca mais te vi, porquê só agora… depois
de um ano?
- Já não estou mais com aquele gajo, ele
é matumbo… oh! Afinal os homens não prestam. Ele tem muitas mulheres. Quando
lhe digo para casarmos ele responde-me que vai pensar nisso quando tiver
cinquenta e tal anos. Eu não quero mais saber de homens… nunca mais os vou
aturar!
- Mas continuas lá a trabalhar, numa das
empresas dele. – Perguntei-lhe.
- Sim, mas vou sair. Tirei um curso de
informática… desses que têm o Word. E estou a acabar outro de secretariado.
Tens sumo? Serve-me um por favor.
Preparei-lhe o sumo, desses em pó usados
pelos pobres que vêm em pacotes. Ela não ficou nada satisfeita porque já não
estava habituada a esses sumos à toa, mas resignou-se. Pouco depois e como
despedida disse-me:
- Daqui a pouco vou para o ginásio,
depois vou na creche buscar a criança.
Alguns meses depois, Juliana procura-me
e aborda-me com estupor:
- Olha, quero perguntar-te uma coisa.
- Sim, diz.
- Fazer sexo oral num homem com sida
pode infectar?
- Claro que sim.
E foi rápida, nem se despediu. Nunca
mais a vi.
Soube muito mais tarde que a Juliana
baixou de categoria no serviço, gastou todo o dinheiro nos hospitais e foi em
tratamento para o Brasil com o filho.
Imagem: imagensdecoupage.blogspot.com
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