- Estás a falar da Igreja antiga, os tempos
mudaram.
- Sim, mas a merda é a mesma. Com os bons exemplos que
a Igreja deu, nações constituíram-se em grandes impérios. Para isso matavam e
roubavam, e as populações que restassem, porque é impossível matar a todos,
ficavam, e ainda ficam, a viverem como escravos. E ainda hoje o fazem. Depois
da matança oram a Deus, a agradecer-lhe, talvez aborrecidos, porque não
conseguiram matar os que desejavam.
- Vieira, insisto… hoje, a Igreja
já não
é a mesma.
- Fazem algumas tentativas
para darem a entender que mudaram. Mas
a sua estrutura
mantém-se. Sem alterações de estruturas não
existem mudanças. Em dois
milénios não conseguiram dar
o bem-estar às populações.
Pelo contrário,
cada vez
pior. Deviam pregar
que as populações
têm direitos, e quem os violar, deviam
explicar-lhes que os esfomeados têm o direito de se revoltarem, para
pedirem aquilo que
lhes foi roubado. Mas,
pelo contrário
pregam a ideologia de Job. Isto é: vive na miséria
que o Senhor
no fim te
recompensará, para que
quantos mais esfomeados existirem melhor. Este é
o terreno fértil
em que
a Igreja adora vegetar.
- Vieira, não
podem passar sem
o Divino. A nossa
alma, quando
menos esperamos, sente-se vazia. Nas vicissitudes
do quotidiano estamos constantemente a apelar para Ele.
Vê o número
da proporção divina
que existe no Universo. Não sentes o equilíbrio
do infinito do Universo?! Isso não te é revelador?! O nosso
pensamento funciona como?
Porquê?! Isso não
é uma coisa divina?!
- Mas o que é que tu queres?! Neste momento
só sinto o equilíbrio
do infinito do Dão Meia
Encosta. Toda
esta merda tem uma explicação muito simples.
É a história da acumulação
mundial, em que
meia dúzia
ficou com tudo
até hoje,
e os outros ficaram sem
nada. Quando
tentam reivindicar os seus
direitos, atiram-lhes com a polícia e
o exército para
cima. A História da Humanidade resume-se
apenas nisto: Quem
roubou, roubou, quem não roubou ficou sem
nada. Por
isso eu
roubo tudo o que puder. E mais;
a História da Humanidade é a história da
maldade humana.
É a história do ser
humano, que
sente imenso prazer
em matar outros seres humanos. E digo-te ainda
mais: neste mundo
não há lugar
para a compaixão.
- Já suspeitava que és desumano. Agora tenho a
certeza… lembra-te que não é possível viver num mundo sem amor. Não entendo um
economista formado na Alemanha, RFA, a proceder assim. Será que és mesmo
economista?!
- Amor (?). Diz-me onde
é que isso
existe. Amor só
em troca
de bens materiais?
Mas tu
achas que
uma gaja te
abre as pernas por
amor? Deixa
de ser ingénuo. Contrariamente ao que tu pensas, gosto muito de plantas e animais.
Não consigo
matar formigas,
abelhas, borboletas.
Osgas, só no meu
quarto existem umas seis,
enfim… não
gosto de matar
nada. Mas
mato baratas e ratos.
Quem sabe se não
estou a cometer um
tremendo erro?
- Mas sem amor a humanidade extinguir-se-á.
- Deixa-a extinguir-se. Quem vier depois que se safe.
O que interessa é viver o dia-a-dia. E se duvidas se sou economista ou não,
tenho o meu diploma, e não é em vão que assino os documentos das empresas com
DR.
(Suspeito que a derrocada da energia eléctrica em
Luanda, deve-se a defeitos de fabrico nos cabos das linhas de alta tensão. Sem
energia eléctrica, e geradores por todo o canto que se somam ao fumo dos
carros, torna-se impossível sobreviver em Luanda. Sob pena de
morrermos envenenados.)
Ao vasculhar numa pasta de arquivo encontrei uma carta
que me sobressaltou:
Vieira! Já
passaram mais de seis meses desde a constituição da empresa. Durante este tempo
empenhei-me profundamente na criação das suas estruturas para que pudéssemos
arrancar. O projecto idealizado por mim ocupou-me demasiado tempo. Até hoje
nunca pronunciaste uma palavra. Quando pretendia falar contigo através do meu
telemóvel, ou pessoalmente, nunca consegui. Não atendias as minhas chamadas, ou
simplesmente mandavas dizer que estavas muito ocupado. E quando te procurava
pessoalmente diziam sempre que não estavas, o que era mentira. Apenas pretendo
que me pagues os custos do meu trabalho.
P.S. Angola
está cheia de aventureiros como tu. Não é com os almoços e jantares que me
ofereceste, que se pagam os meus serviços. Afinal éramos sócios. Não passas de
um português disfarçado de angolano… ridículo que vive e apoia esta república
das bananas. Os portugueses insistem no colonialismo. Pagam o trabalho das
pessoas com algumas refeições. Se continuares assim terás muitos dissabores.
Não passas de um vulgar e vil colonialista aventureiro.
Estou a ver que isto me vai trazer muitos dissabores...
estou bem fodido. – Pensei.
Vieira pergunta-me:
- Já estudaste o processo?
- Já.
- Então vamos arrancar. Diz-me o que é preciso que o
Heitor trata disso. Dentro de um ou dois meses vou para a Namíbia, ver como
estão as minhas empresas... ficas aqui como director-geral. Antes de sair
elaborarei o despacho com a tua nomeação, para que não haja lugar a dúvidas.
Olha, aparecerá por aqui um cliente que tem problemas com o computador. Também comparecerão
um chileno e dois cubanos.
- Isso é para facturar?
- Não. Tenho interesses empresariais neles. Vão…
conseguir introduzir diversas mercadorias no país. Ficam aqui armazenadas e
depois seguem para os circuitos informais. Mas o que é que tu queres?! É assim
que se ganha dinheiro facilmente.
O cliente trás um computador portátil. Diz que não
consegue aceder ao sistema
operativo. De facto quando a máquina
arrancava, informava uma catadupa de erros.
Disse-lhe:
- O melhor é limpar tudo e reinstalar de novo.
- Sim, faça isso. O que pretendo é que ele trabalhe.
Antes da formatação
notei que estava com quatro partições.
Apaguei-as e criei uma única partição. Reinstalei o sistema
operativo e o Ms-Office. Depois de tudo
concluído chamei o cliente. Deixei-o a sós, ele ligou
a máquina. Depois
de alguns minutos
chama-me com ar
de que alguma coisa
não está bem:
- Eu tinha quatro discos, agora só tenho um.
- Não, só tem um disco. Acontece que estava
particionado…
- Não! Não! Eu quero os discos que lá estavam…
- Deixe-me explicar. Os discos que lá estavam eram virtuais,
exceptuando o C. O senhor só
tem um disco…
- Assim não pode ser, não estou a gostar nada disto. Vou falar com o Vieira.
Vieira liga-me a dizer que o cliente
está muito chateado. Que eu lhe roubei os outros
discos que
estavam no computador. Depois da explicação
que dei, ele
replicou-me:
- Ele é de
Malanje. Esses gajos
são muito
complicados. Até me
garantiu que tu
lhe enfeitiçaste o computador.
Põe essa merda como estava e manda-o para a puta que o
pariu. Mas o que
é que tu
queres?! Não sei como… mas esse gajo é médico.
Os mwangolés são fodidos… olha! Vai-te ligar uma pessoa amiga que tem problemas
com o modem.
Mais logo encontramo-nos na boate.
A pessoa amiga ligou-me e lamentava-se que:
- O meu filho anda a estudar informática. Comprou um
modem para ter acesso à Internet, mas até agora não conseguimos. Está a cheirar
a queimado.
- Ok! Pode-me apanhar para irmos aí ver o que é que se
passa?
- Sim. Estarei aí dentro de quinze minutos.
Na casa do cliente verifico que o modem está ligado à
rede eléctrica de… 220 voltes.
O Chileno chega.
Tem cerca de quarenta anos. É alto e muito magro. O seu rosto é triste, talvez devido a desgostos.
Vieira segredara-me que ele lhe
interessava muito, porque
tinha bons
contactos internacionais, e que lhe daria bons negócios.
Vêm com um
computador portátil:
- Meu amigo, o sistema operativo está em russo. Gostaria
que instalasse mais dois sistemas operativos, um em espanhol e o outro em
português.
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