“Barroco
Tropical” é o romance de 2009 de José Eduardo Agualusa. O autor angolano fala
de um livro, e simultaneamente de um país e de um mundo: o nosso.
Angola parece, lida por si, com um pé no século XXI
e outro no século XI. Lado a lado, estão o curandeiro e o traficante de armas.
Porque é que escolheu o tempo futuro (2020) para falar de uma cidade onde vive
no presente?
Porque olhar o presente a partir de um futuro
próximo nos pode ajudar a perceber como certas dinâmicas, já instaladas na
sociedade angolana, podem evoluir. Uma distopia serve, pode servir, como alerta
e exercício de reflexão. “Barroco Tropical” não pretende ser uma profecia – se
daqui a doze anos eu for reconhecido como profeta essa será uma péssima
notícia.
Em Barroco Tropical uma mulher é presidente da
República. Outra cai do Céu numa tempestade tropical! Outra aborda um escritor
no aeroporto e quer ter um filho/salvador do mundo com ele! Pergunto-me como é
que olha para as mulheres…
Recentemente, durante uma viagem pela Alemanha,
para promover a tradução alemã d’ “O Vendedor de Passados”, uma professora de
literatura acusou-me de, como todos os homens, não me ser possível desenhar uma
personagem feminina convincente. Segundo ela as escritoras podem atrever-se a
criar personagens masculinos, porque os homens são mais simples. Talvez tenha
razão, no que diz respeito à simplicidade dos homens, mas creio que a
literatura é sempre um exercício de alteridade. Um bom escritor tem de saber
colocar-se na pele de qualquer personagem. Eu já me coloquei na pele de uma
osga, de assassinos e de torcionários. Nunca apertei a mão a um assassino, mas
vivi sempre rodeado de mulheres. O mundo das mulheres também é o mundo dos
homens. As fronteiras são fluidas. Modéstia à parte creio mesmo que as minhas
personagens mais convincentes, mais humanas, são mulheres.
Há um personagem que vem do livro anterior, e que é
escritor. É tentador vê-lo como uma projecção de si… Além de outras histórias
que parecem decalcadas da sua história.
Isso faz parte de uma estratégia de credibilização.
Eu quero que o leitor acredite no que está a ler, mesmo se o faço viajar por um
universo povoado por anjos e sereias. Se o leitor acredita que um dos
narradores é o próprio autor, já está a creditar naquilo que lê. Há muito de
mim em Bartolomeu. Mas a verdade é que também há muito de mim na Kianda.
Algumas das recordações dela, da infância dela, pertencem-me.
Ficou mais cínico nos últimos anos? Este livro é,
não exactamente mais negro, mas mais descrente.
Meu Deus, acho que não! Não tenho nada de cínico.
“Barroco Tropical” é um livro um pouco escuro, mas ao mesmo tempo cheio de
riso, e onde continua a existir lugar para a esperança. Sim, estamos a avançar
por caminhos perigosos, mas ainda podemos mudar de rumo.
A verosimilhança e a inverosimilhança coexistem
neste romance, como em todos os outros. Sabe sempre onde é a realidade e onde
começa a ficção?
Suponho que ninguém sabe. A realidade é
constantemente subvertida e modificada pela ficção. Jorge Amado reinventou
Salvador, ou Ilhéus, literariamente, e depois Ilhéus e Salvador modificaram-se
de forma a adaptarem-se à invenção de Jorge Amado – porque era isso que os
turistas procuravam. Salazar mandou colocar ameias no Castelo de São Jorge para
o tornar mais verosímil. Todos nós nos reinventamos constantemente, inventamos
o nosso passado, episódios do nosso passado, e acabamos por acreditar nessa
invenção.
Publicado originalmente na revista Máxima em 2009
http://anabelamotaribeiro.pt/43718.html
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