Ainda jovem, com os
seus modestos catorze anos de idade, o Nelo desterrou-se de Benguela, assentou
arraiais em Luanda e conseguiu um condomínio na entrada de um prédio, onde uma
senhora muito piedosa o tratava como a um filho, até frequentava a sua casa.
Estava safo. Fazia biscates, sobrevivia. Alguns anos passados - os anos sempre
passam, nunca retrocedem – o Nelo começou a chupar, a engolir bebida da pesada,
a simpatia do Best Whisky e do Best Marula Fruit. E claro que aconteceu o previsto,
o Nelo foi ruado, porque entrava bêbado e insultava a senhora, inclusive
chamando-a de “sua puta de merda”. Já lhe queriam trucidar, a começar pelos
filhos da senhora e dalguns vizinhos, mas ela sempre piedosa não o consentiu,
preferiu-lhe o desprezo, porque dói mais, conforme ela explicou.
E o Nelo, que
levava uma boa vida, a senhora até lhe subsidiava vestuário, calçado e
alimentação, viu-se abandonado, atirado na rua do degredo.
E o Nelo como
alternativa começou a lavar carros e a fazer parcos biscates. Safava-se, e ao
fim do dia já com a receita da tesouraria arrecadada no bolso fazia investida
numa mais velha que vendia o Best Whisky, e comprava um saquinho, depois, outro
e mais outro, e então já bem bebido, melhor dito, bem bombardeado, ia no prédio
da sua agora despiedosa vizinha e lançava-lhe impropérios: «Vai para a puta que
te pariu!» E mais ousado: «Vou-te partir a cara sua vaca de merda!»
Isto passou a ser o
dia-a-dia na bwala. Mas ouve unanimidade no veredicto dos jurados quando chamados
a decidirem qual o futuro do jovem.
Foi, não lhe
ligarem, deixarem-no para aí falar, falar. E o Nelo sentindo-se frustrado
encetou outro nível de diálogo, o espatifar a entrada do prédio, onde por
exemplo, rebentou com as torneiras da água e na entrada já não se andava, se
nadava.
Mas perdoaram-lhe
optando-lhe pelo desprezo, o que ainda mais o enraivecia. Começou a fumar como
um condenado à morte que não espera mais nada da vida. E tão dependente já
estava que a senhora que vendia o Best Whisky e cigarros, ele batia-lhe na
porta à uma hora da manhã.
E não lhe pedia, cigarros
e bebida lhe exigia.
Não encontrando
ninguém que lhe fizesse frente, ele considerou que toda a gente tinha medo
dele, mas não era assim, porque uma mais velha costumava dizer: «Esse está à
procura da morte, de alguém que o mate.»
O Nelo decidiu
enfrentar-se com um jovem, o Indiana Jones, que não aceitava insultos de quem
quer fosse, muito menos à sua progenitora, e o Nelo cometeu o erro de por aí
adentrar: «Vai para a puta que te pariu! A tua mãe é uma grande puta! É hoje
que te vou matar!»
E pegou numa garrafa
de cerveja abandonada – o cartão-de-visita das nossas ruas - partiu-a e tentou
esquartejá-lo, mas o Indiana Jones já habituado a estas aventuras de luta,
desarmou-o de um só golpe utilizando a mão como cutelo, o que restava da garrafa
saltou-lhe da mão como que por artes mágicas, deu-lhe dois socos que fizeram com
que o Nelo se estatelasse no solo quase em estado de nocaute. O Indiana
pegou-lhe e lançou-o para o caixote do lixo.
Durante uns dias o
Nelo não incomodou ninguém pois estava com a cara em muito mau estado de conservação.
E quando a
dependência lhe afligia, o Nelo utilizava alguns estratagemas de sobrevivência
alcoólica. Um deles era quando um vizinho otário lhe mandava comprar gás – ele
tinha um carro de mão para o negócio - entregava-lhe duas garrafas acompanhadas
dos correspondentes kwanzas, o Nelo vendia as garrafas que acrescentando à
quantia lhe entregue em mão, era festa, grande torra. E durante quinze dias
desaparecia, ninguém lhe sabia.
E o Nelo tornou-se
no habitual alarido matinal. Pelas seis horas da manhã ouvia-se burburinho que
parecia o de uma grande confusão. Com os nossos ouvidos atentos à espera do
pior, tiros para aqui e para ali, a voz do Nelo parecia que lutava com muita gente,
mas não, ele decidiu afrontar os seguranças.
Não é nada difícil
imaginar os pobres seguranças depois de uma noite de serviço, todos partidos, afrontados
pelo sono, ainda terem de suportar os insultos, as ameaças do Nelo como num hospital
psiquiátrico com os pacientes à solta: «Eu não os quero aqui, a rua é minha
porque antes de vocês chegarem já eu cá estava. Vou correr com vocês, seus
filhos da puta de merda. Hoje vou matá-los todos, nenhum vai escapar. É melhor começarem
já a fugir.»
Quem manda aqui sou
eu! Entenderam seus merdas?! A partir de agora se vir algum de vocês por aqui,
MATO-O!!!»
Um ou outro
segurança, daqueles que não dá para brincar nem um coxito, desses que não riem,
que estão se marimbando, que matam alguém em missão de serviço, falavam-lhe em
tom de não deixar dúvidas: «Só te falo uma vez, desaparece daqui senão é hoje
mesmo que acabo contigo.» E o Nelo não ligava, só desprezava pois a ilusão da
força do álcool fazia-lhe sentir dono e senhor absoluto de tudo, incluindo do
mundo.
E ripostava,
ameaçava, torturava, ofendia o outro, e o segurança já se preparava para lhe
dar o golpe de misericórdia, mas os seus colegas conhecedores profundos da
situação bloqueavam-no. E o Nelo também acabou por se cansar e para outras
bandas foi pregar.
Parece que o maior
erro da sua vida foi quando injuriou, utilizando a verborreia habitual, uma
kinguila que se queixou nos seus dois filhos. Foi azar do Nelo: Eles foram ter
com ele para pedir explicações. Um deles com um corpanzil lembrando o Incrível
Hulk, pegou-lhe, levantou-o como se fosse uma folha de árvore, deu-lhe duas
chapadas que parecia que a cara dele ia desaparecer, e ameaçando-o de que para
a próxima jogaria à bola com o corpo dele. O Nelo nunca mais se meteu com a
kinguila.
E o Nelo tudo e
todos surpreendeu, quando com ele uma bonita mulata apareceu. E ele reforçou o
trabalho, mas na bebida continuava, sempre omnipresente nela labutava. As lavagens
de carros aumentaram, de manhã muito cedo lá estava ele de balde com água, pano
e detergente, muitos carros lavava e a facturação aumentava, a mulata
sustentava.
De vez em quando os
fiscais apareciam, ele estava sempre atento como a leoa na caça, mas mesmo
assim uma ou outra vez desleixava a guarda e deixava-se apanhar porque os
fiscais montavam-lhe emboscada. E lá ia ele, arrestado com a sua mochila de
criança nas costas.
Os fiscais quando a
revistavam ficavam embaraçados pois a única coisa que lá existia eram duas
embalagens de plástico do tal uísque, a força que está com os lavadores de
carros e com os seguranças.
E o Nelo no fim do
dia, depois de uma intensa luta laboral, tomava banho, vestia-se todo bonito e
de mão dada com a sua amada passeava, na rua se mostrava. Será que o Nelo
encontrou a mulher da sua vida? Isso ninguém sabia, mas sim, parecia.
E redobrava no
trabalho, pois a sua mulata já vivia com ele na improvisada casa da entrada do
prédio.
O rendimento
financeiro já era substancial, ele já não bebia, só uma cuca de vez em quando,
já estava com juízo, e por isso mesmo o pecúlio já era considerável, e estava à
guarda da mulata, ele confiava-lhe.
Alguns meses depois
já com uma boa quantia acumulada, é que o jovem trabalhava mesmo com força, e
tudo o que ganhava a mulata controlava.
Uma manhã, dessas
do tempo ridículo, o Nelo aparece outra vez a gritar, mas desta vez muito
diferente, a chorar: «Mulata de merda! Falsa, filha da puta!»
Um segurança
perguntou-lhe o porquê da gritaria de desgosto, e Nelo respondeu-lhe: «A mulata
afinal andou todo este tempo comigo para me roubar, para me dar o golpe do baú!
Fugiu com o dinheiro todo, não me deixou nada!»
E as manas mamãs em
sinal de luto moviam as cabeças para a esquerda e para a direita e confessavam com
desgosto: «Coitado, está a ficar maluco, é melhor não lhe ligarem, deixem-no
ficar para aí, um dia destes alguém vai acabar com ele, ou de tanto beber, numa
manhã já não vai mais acordar, viver!»
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