As damas pareciam a
forte correnteza de um rio agitado pela enchente de chuvas intensas, e ele não
lhes resistia - muito pelo contrário - prestativo, solidário se oferecia. Como
contrapartida casas de chapas lhes oferecia. E elas amontoavam-se,
amantizavam-se, e ele rejubilava, com e nelas se encantava. Sim, conquistar,
macho nelas a marchar.
Não, não era ele
que as procurava. Ganhava a vida honestamente. De manhã bem cedo de Viana lá
vai, e chegado a Luanda, lá está a chefe à sua espera com a panela grande da
sopa que todas as manhãs vende bem quentinha, apetitosa para os seus clientes
habituais. Uma hora e meia depois já a panela vazou e ele volta a carregar com
a cozinha ambulante. Lava-a, arruma-a e carrega-a para o terceiro andar do
prédio da mana chefe. Depois apressa-se, mais clientes lhe esperam para
carregar água, caixas de cerveja, de vinho, limpar as escadas dos prédios,
fazer mais outros serviços, tudo o que lhe aparecer.
Depois de um monte
de kumbu diário, pelas dezasseis horas apanha o táxi candongueiro e retorna
para Viana. Lá lhe esperam as namoradas, e logo chegado perguntam-lhe muito
animadas, muito libidinosas: «Querido, conseguiste, trazes dinheiro?» E ele
todo inchado como se fosse o proprietário delas, responde muito feliz, como
habitante do Valhala: «Sim, está aqui! Hoje vamos beber outra vez, minhas
queridas, podem beber à vontade porque é a nossa felicidade!» E elas sempre
dengosas meneiam as ancas, o corpo todo como serpentes e encostam-se-lhe,
beijam-no, acariciam-lhe o sexo, e ele louco quase berra de prazer: «Vamos
beber! Vamos beber! Até amanhecer!»
E elas assim que
lhe acabavam com o dinheiro debandavam para outras paragens, melhor, para outro
otário, pois nesta cidade é o que mais não falta. Era assim todas as noites,
que o dinheiro lhe fugia como magia. Mas ele no trabalho nunca bebia. E lá
voltava, no dia seguinte votava na patroa carregando o negócio da sopa de todas
as manhãs que andava bem rápido. Depois até ia no São Paulo carregar garrafa de
gás para uma cliente. A vizinhança costumava comentar uma coisa muito
engraçada, a de uma criança de um ano de idade, que quando o via vibrava,
gritava: «Bing! Bing!» E assim com o nome que o bebé inventou a bwala
chamava-o, Bing para aqui, Bing para ali. O Bing tinha uma coisa que odiava,
kilapi não aceitava, porque as damas que o esperavam no fim do dia garantiam,
lhe bazavam se kitari ele não lhes oferecia.
Claro que muita boa
gente costumava não lhe pagar os serviços, como o do serviço mensal da limpeza
das escadas de dois prédios, que acabado o mês ele ia receber o salário e
algumas vezes lhe diziam que não tinham dinheiro para lhe pagar. Então ele
fazia greve e as escadas dos prédios amontoavam-se de lixo, até que os
residentes se rendiam e lhe pagavam, pois está muito difícil encontrar alguém
para o substituir. E manifestava-se na rua para quem o quisesse ouvir, que este
ou aquele cliente não lhe pagava. Acontecia que reclamando de vez em quando o
pagamento pelos serviços prestados, alguns clientes pagavam-lhe com uma brutal
surra. E o Bing aparecia com a cara inchada e olhos cor violeta, a coxear, a
implorar: «Preciso de dinheiro para comprar medicamentos.» Mas ninguém lhe
ligava, a não ser a mana do negócio da sopa, que solícita se prestava a dar-lhe
o dinheiro para se curar, pois sem ele o negócio não andava. Uma vez, o Bing
lutou num fim-de-semana lá em Viana. Estava sobrecarregado, pelos vapores
vinícolas embriagado, e na segunda-feira apresentou-se com uma ferida na
cabeça, quase com dez centímetros de comprimento e cinco milímetros de largura,
isto segundo diagnóstico da medicina popular da vizinhança. Ele exigiu aquela
do vamos se associar no valor de dez mil kwanzas. Desta vez lixou-se porque nem
a mana da sopa lhe ajudou, lhe abandonou. Mas mesmo assim safou-se e lá continuou
na azáfama habitual.
Encheu-se de contentamento e esperança
depois dos inúmeros artifícios
que usou para
conseguir dinheiro e
comprar chapas, cimento e tijolos da rua. Antes, com
alvíssaras do cabritismo conseguiu legalizar um terreno. Construiu o seu casebre
e abancou.
Quinze dias depois uma
delegação de fiscais marcam-lhe a
casota. Abordou-os circunstancialmente adivinhando que
obteria resposta.
- Quem lhes
mandou fazer isto?
- Os manos!
Ordens dos manos imobiliários. – Pensou.
E vieram… e tudo lhe confiscaram. Apenas
lhe deixaram a raiva da impotência, do desespero,
do ser alimento dos países ricos.
Ainda lhes gritou:
- Ainda não
descortinámos que as promessas de ficar, habitar, confiscar as residências, os prédios
dos colonos, não
é isso que
nos tira
da miséria. Qualquer escravo
acredita em qualquer
pregador da liberdade das centenas, que
depois serão milhares, das igrejas evangelizadoras, pois onde há maná, há
religião.
Não desistiu, voltou a construir casebre noutro local
mais pacífico, mais simpático. Senão… vou viver então aonde!?
Conseguiu kilápi… nos bancos? Não! Na
sua família, nos
amigos não porque
há muito que
desapareceram, que deixaram de comunicar. A propósito: ele acredita que
as pessoas já
não sabem o que
é isso, pois presentemente a comunicação é estabelecida nos inúmeros assaltos
que nos assomam das janelas dos milhares de olhares, como se vivêssemos,
protagonizássemos um filme de ficção científica.
Estava bwé a curtir na choupana
com a música
muito barulhenta
a incomodar os vizinhos
quando aparece a corte
marcial. Sem
improviso arremedaram-lhe:
- Chegámos!
O camartelo
apresentava-se tão gasto
pelo uso, mostrando que nenhuma cabana lhe resistia.
Ainda gritou para os direitos
humanos da ONU, mas
sem resultados porque quem é que acredita que
eles lhe prestem atenção? Teimou, reforçou, avançou
para a terceira
maresia. Construiu outra
vez e já
lá residia. Com
reforço de kilápi a palhota não estava vazia.
Pressentiu ao longe os cascos de viaturas
aproximarem-se, viu e ouviu eles
novamente, os manos parte-casas. Nem lhes perguntou mais…
também eles
se anteciparam e recitaram o verbo.
- Chegámos… outra
vez!
Soltou o verbo para
o betão dos condomínios
e torres sem
arborização da economia informal, anti-ambiental. Economia
do desenvolvimento sustentável
das mulheres da rua,
que agem por
percepção extra-sensorial, transformam-se em
leoas para lutarem, usarem o instinto
de conservação, enquanto
os leões à noite
dormem. Elas tudo
fazem para abastecerem as suas
proles que
as aguardam ansiosas nas suas tocas. Os especuladores
imobiliários destroem povos, países,
derrubam o planeta Terra, a civilização.
Se não admirarem a Natureza,
nunca se conhecerão. Há dois
Deus: o da Natureza
e o dos seres humanos.
Deixou o seu lamento aos especuladores imobiliários:
- Tudo o que
constroem, e não percebem, ou fingem não
perceber que tudo o que
estes seres humanos agora edificam, a Natureza arrasa.
E nós juventude já não sabemos, desconhecemos,
queremos um Governo e não uma junta militar.
É isso mesmo: quando uma minoria vive
principescamente com o maná das regalias inimagináveis, rodeada de milhões de
desempregados, espoliados na sua terra que já não lhes pertence. Então os meus
ilustres senhores – gente gira – protegem-se, vivem no terror de serem
assaltados a qualquer momento.
É impossível viver permanentemente na
desonestidade e na hipocrisia.
As coisas estão muito fáceis de ver, ou não? O
Governo português escancarou as suas portas à corrupção angolana, e em troca os
portugueses invadem Angola, pisam terra, felizes no regresso triunfal na sua
outra vez colónia, isto pelos vistos faz parte dos acordos gerais de
cooperação.
O Governo chinês colocou à disposição de Angola –
com a reverendíssima desculpa de que ninguém lhes queria emprestar dinheiro –
fundos monetários sem fim, tendo como exigência a entrega total de Angola aos
chineses. Nota-se claramente porque eles estão protegidos pela guarda
presidencial. Além de que o Governo angolano obtêm apoio incondicional destes
dois países na repressão violenta à oposição. E assim nos vamos afundando,
porque até as zungueiras são consideradas opositoras. Senão, como é que se
explica a feroz perseguição que lhes é movida? Quer dizer que Angola já é uma
república sino-portuguesa. E claro que esta república constituiu-se tendo como
alicerce principal a manutenção – carta-branca – da escravidão dos mwangolés. E
isso dos campeonatos mundiais disto e daquilo - como agora o do hóquei em
patins e afins, é também uma imposição da república sino-portuguesa – a
construção de estádios para garantir o emprego dos parasitas dessa república e
das suas empresas.
Auscultar, ouvir os jovens, mas não lhes prometer
nada, é assim como uma espécie das negociações do conflito sírio.
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