sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O Empresário luso-angolano (18)


Vieira interpõe-se:
- Ava, pergunta-lhe se ele está a gostar do Dão Meia Encosta.
- Vieira, não interrompas por favor. Que péssimo hábito que tu tens. Só tu é que falas?
- Pronto, pronto, já não te interrompo mais.
- Como dizia, estás a gostar?
- Sim, este cacusso assado é uma beleza, tal como tu.
- Presumo que já tinhas comido antes.
- Não, agora sei que é um peixe muito saboroso.
- É das coisas que sinto mais saudades do meu país. Mas não gosto nada de aqui estar.
- Porquê Ava?
- Sou angolana, nasci em Luanda. Se vejo lixo à minha porta, vou reclamar. É normal que uma simples criança me diga: sua branca de merda vai para a tua terra. Ainda estão muito atrasados. Infelizmente, assim continuarão por muito tempo. Não me dá nenhum prazer viver assim.
- Isso é um facto. Os conselhos abundam, são escassos os que os escutam.
- Na Namíbia e na África do Sul, que conheço muito bem, não é assim. Na Namíbia todos sabem o seu lugar. As pessoas respeitam-se. Os governos dos dois países apoiam os idiomas nacionais. Até dá gosto aprender e falar as suas línguas. Aqui até isso desprezam. Os nossos intelectuais abandonaram-nos.
- Ava, o verdadeiro intelectual nunca abandona o seu povo.
- A questão é essa. Onde é que eles estão? Queres mais cacusso?
- Não.
O jantar terminou. Agradeci. Na porta de saída despedi-me do Elder:
- Elder, a Ava é uma ave rara.
- Obrigado. Estou muito preocupado com os Caminhos de Luanda.
- Vou tratar disso.
Era quase meia-noite. Estava na varanda a fumar um cigarro, a pensar como resolveria os problemas do dia seguinte. Na rua vejo uma mulher que parece a imagem da morte. Vai muito lenta. É baixa e forte de rosto jovem. O cabelo mal se vê porque está coberto de sujidade. Um pequeno xaile ajuda-a a cobrir as costas. Vê-se no peito uma camisola rasgada, e nas pernas o resto de uma saia. Os chinelos afastam-se dos pés, já não servem para andar. Parece ter saído de uma vala comum, porque todo o aspecto exterior está banhado com terra. É a imagem adequada de quem não tem para onde ir. Como se fosse um espelho, onde todas as imagens desta sociedade nela se reflectissem.
Entretanto, Vieira parte para a Namíbia.
- Vou lá tratar dos últimos preparativos. Arrumar definitivamente as coisas. Sigo primeiro, a Ava depois. Ela fica uns dias em casa de uma amiga junto ao aeroporto a tratarem de assuntos que lhes dizem respeito. Depois juntamo-nos. Ela irá para Portugal definitivamente. Ficas com a chave da nossa casa para vigiares se algo de anormal acontecer. Não te custa nada… estás em cima.
- Daqui a quanto tempo…
- Quinze dias, um mês.
- Como sempre.
- Não, não me posso demorar muito. Olha, já falei com o Novo Director. Despacha isso de qualquer maneira… fica bem por aqui.
- A questão é o transporte.
- Ah! Sim. Quando chegar terás o teu carro. Dei ordens ao Heitor para te apoiar.
- Vieira, quando estás é uma coisa, com o Heitor é outra.
- Falei muito bem com ele. Nada te faltará, fica tranquilo.
Tive a ideia de implementar um programa de contabilidade no Excel. Havia o problema das ligações com o balancete do razão e analítico. Iniciei os testes. A questão era como ir buscar os totais dos movimentos. Mas sabia que depressa resolveria isso. Falei com a Chefe e propus-lhe a inovação:
- Vou levar algumas pastas para adiantar serviço, enquanto isso vou instruir o jovem para inserir os documentos no Excel.
- Acho boa ideia. Se você conseguir estaremos safos. Até porque o Ministério diz que não nos dá mais dinheiro se não apresentarmos números. Agora estão muito exigentes. Querem mapas trimestrais, conto com a sua colaboração:
- Decerto, toda.
Às vinte e duas horas encostei-me na varanda. Lá em baixo havia barulho junto à porta de entrada. Baixei-me o mais que pude para observar. Notei que a luz estava acesa na casa do Vieira. Peguei na chave e desci para investigar. Abri a porta e entrei. Na sala ouvi alguns gemidos. Fiquei indeciso. Achei que vinham da porta da rua. Já estava com o dedo no interruptor para apagar a luz. Ouvi mais gemidos. Não eram da rua, vinham do quarto. A porta estava meia aberta. Empurrei-a e pasmado vi a Ava nua na cama com um homem. Ela viu-me, puxou o lençol e tapou-se. Empurrou o homem que caiu desamparado no chão, no lado que eu não podia ver quem era.
Retirei-me e sentei-me na sala. Que estranha maneira que a Ava e o Vieira têm de se amarem. Acho que ficaram envergonhados. Que casal brincalhão. – Pensei.
Ava saiu do quarto com um roupão ainda a acabar de amarrar o cinto. Com os cabelos desarrumados senta-se e encosta a cabeça no extremo do sofá. Cruza as pernas e parece não se dar conta que estão nuas. Os seios aparecem de vez em quando nus devido aos movimentos nervosos do corpo. Aborda-me:
- O que é que vieste aqui fazer? Como conseguiste a chave da casa?
- Vi a luz acesa e vim investigar. O Vieira disse-me que não estaria aqui ninguém. Deixou-me a chave para tomar conta da casa na sua ausência.
- Com essa não contava.
Não tive tempo para responder. Estávamos de costas para o quarto. Ouvi o barulho dos passos que se aproximavam. Preparei-me para dar boa noite ao Vieira. Os passos continuaram até à porta de saída.
Este Vieira é muito imprevisto. – Pensei a sorrir.
Olhei e vi que não era ele. Entretanto, Ava mudava constantemente de posição, cruzava e descruzava as pernas. Cansada da posição ficou com elas abertas. O cinto do roupão estava liberto. A beleza das áreas íntimas soltou-se. Ela pouco se importou com isso. Disse-lhe:
- Ava, vou-me embora, até amanhã.
Levantou-se, foi até à cozinha, depois ao quarto e terminou a olhar pelo vidro da janela. Voltou-se para mim e deixou sair um choro abundante. Correu e estendeu os braços no meu corpo. Conseguiu dizer:
- Não, não vás… preciso da tua ajuda.
- Não sei em que…
- Sim, aquele que saiu é meu amante... por favor não digas a ninguém.
-Ava, nada tenho a ver com a vida privada das pessoas.
- Não é isso.
- Então o que é?
Sentou-se, tentou arranjar os cabelos desalinhados, olhava para todas as direcções. Fez um grande esforço para se concentrar. Enfim confessou:
- Vou-te explicar. O Vieira não me presta a mínima atenção. Sou mulher… todos os dias tenho desejos. Tal como os animais sou uma fêmea, e sinto o natural desejo biológico que me conforta.
Confesso que não estava preparado para mais esta surpresa. Não sabia o que dizer, por isso deixei-a à vontade. Era preferível escutá-la:
- Sinto nojo de fazer amor com ele. Sinto medo de apanhar a Sida. Além disso ele vigariza-me… vigariza toda a gente. Vou-lhe pedir o divórcio. Sabes, ele queria que eu vendesse estes apartamentos onde estamos, mas não aceito porque quando a minha vida correr mal, e isso a qualquer momento acontece a qualquer de nós, virei para o meu país. Pelo menos não ficarei na rua e se necessário para sobreviver, venderei estes apartamentos. Entretanto, consegui uma loja de modas em Portugal. Estou a esforçar-me para fazer passagens de modelos. Pretendo entrar no comércio internacional, contratar manequins. Fica atento não confies no Vieira. Quando o conheci ele não era assim. Mudou muito, já não é a mesma pessoa.
Achei que devia dizer qualquer coisa:
- As pessoas nadam na incerteza.
Ela não prestou atenção.
- Amanhã parto para a Namíbia.
- Já devias ter ido.
- Posso contar com o teu sigilo?
- Sim… fica tranquila.
- Vou-te dar um beijo. Terás sempre a minha amizade.
- Apenas desejo que deixes as amarguras da vida de lado.
- Sábios conselhos, nunca os esquecerei.



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